Acórdão nº 00220/08.0BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 17-11-2022
Data de Julgamento | 17 Novembro 2022 |
Ano | 2022 |
Número Acordão | 00220/08.0BEBRG |
Órgão | Tribunal Central Administrativo Norte |
1. RELATÓRIO
1.1. O Município de ... (Recorrente), notificado da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pela qual foi julgada totalmente procedente a impugnação judicial dos actos de liquidação da Taxa Municipal de Urbanização (TMU) e da Taxa de Compensação, nos valores de 26.163,74€ e 93.752,05€, respectivamente, inconformado vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«1ª O presente recurso visa a sindicância jurisdicional da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julga procedente a impugnação quanto ao ato de liquidação e cobrança da taxa de compensação pelo Município de ..., no processo de licenciamento de obra particular, com a restituição do valor pago e juros indemnizatórios.
2ª O recurso é interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artº 280º, nº 2, CPPT, porque a matéria em causa é exclusivamente de direito, consistindo em saber se face à caracterização do edifício o mesmo devia ou não ser enquadrado na previsão do artigo 6º, al. a), do Regulamento Municipal.
3ª Em obediência e cumprimento de anterior o douto Acórdão proferido por este Supremo Tribunal, em ampliação da matéria de facto, o Tribunal Recorrido, para caracterização do prédio objeto de licenciamento, mais considera provado:
44. O edifício em causa nos autos é constituído por 5 pisos (cave, rés-do-chão, 1.º piso, 2.º piso e sótão).
45. A cave integra garagens fechadas e um armazém, com acesso através de uma rampa localizada na extremidade Norte e Sul do edifício.
46. O piso de rés do chão é composto por 5 lojas comerciais, com acesso directo a partir do espaço exterior.
47. O primeiro piso e o segundo piso comportam cada um, um T3, três T2 e um T1.
48. O edifício tem apenas mais duas portas que dão acesso a um átrio e daí a umas escadas e ao elevador que dão acesso vertical às fracções de habitação situadas no primeiro e no segundo piso.
4ª Resulta da matéria considerada provada que, mesmo descontadas as frações correspondentes às garagens fechadas, em que se subdivide a cave, o edifício tem pelo menos 17 frações com acesso direto a partir do espaço exterior, sendo por isso enquadrado para efeitos de liquidação e cobrança de taxa de compensação no disposto no artigo 6º, al. a), Regulamento Municipal de Edificação.
5ª O artigo 57º, nºs 5 e 7, RJUE, consagra a norma habilitante para a aprovação do regulamento municipal, através do qual se concretiza o interesse público e melhor se distribuiu a justiça, pela obtenção do equilíbrio em matéria de encargos entre dois tipos de operações urbanísticas, operações de loteamento e realização de obras particulares, que visam a mesma finalidade de ocupação do solo mediante a edificação.
6ª A sentença em mérito viola o disposto no artigo 57º, nº 5, RJUE e artº 6º, al. a), Regulamento Municipal de Edificações.
TERMOS EM QUE deve ser concedido provimento ao presente recurso, assim se fazendo JUSTIÇA!»
1.2. A Recorrida ("A..., Lda."), notificada da apresentação do presente recurso, apresentou contra-alegações, que concluiu do seguinte modo:
«I. Aquilo que o Regulamento Municipal de Edificações do Concelho de ...– Urbanização e Edificação (RME) prevê como edifício de impacte semelhante a loteamento e, consequentemente, gerador da compensação ao Município, é a existência de construção que disponha de 10 ou mais fracções com acesso directo a partir do espaço exterior, sendo que, no caso, o edifício construído pela recorrida apenas tem 5 fracções com acesso directo a partir do espaço exterior, sendo que no que se refere ao conceito de facções autónomas, a douta sentença não merece qualquer crítica.
II. O RME remete claramente para o regime da propriedade horizontal, sendo que a primeira remissão do preceito da alínea a) do artigo 6º do mesmo é para o texto do artigo 57º/5 do RJUE e sendo que esta disposição, na versão então em vigor, estabelecia que o disposto no artigo 43.º de tal diploma era aplicável aos pedidos de licenciamento ou autorização das obras referidas nas alíneas c) e d) do n.º 2 e d) do n.º 3 do artigo 4.º, bem como as referidas na alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º em área não abrangida por operação de loteamento, quando respeitem a edifícios contíguos e funcionalmente ligados entre si que determinem, em termos urbanísticos, impactes semelhantes a uma operação de loteamento, nos termos a definir por regulamento municipal.
III. Por sua vez, os “edifícios contíguos e funcionalmente ligados entre si” vinham – e vêm - previstos no artigo 1.438º-A do Código Civil, disposição esta integrada no capítulo VI, do Título II da Parte III do Código Civil, referente à propriedade horizontal que, sob a epígrafe “Propriedade horizontal de conjuntos de edifícios”, dispõe, justamente, que “O regime previsto neste capítulo pode ser aplicado, com as necessárias adaptações, a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afectadas ao uso de todas ou algumas unidades ou fracções que os compõem”.
IV. Daí que seja indubitável que o legislador do RJUE e, na sua sequência, o legislador regulamentar, tiveram em vista, na previsão do artigo 6º/a) do RME, o regime da propriedade horizontal e, mais concretamente, o regime da propriedade horizontal aplicável aos conjuntos de edifícios contíguos e funcionalmente ligados entre si.
V. Sendo um facto que o legislador, com a previsão do nº. 7 do artigo 55º do RJUE visou esbater as diferenças enormes que se registavam ao nível dos encargos entre operações de loteamento e outro tipo de operações urbanísticas que, em muitos casos, geravam impactes semelhantes no solo, a questão dos autos não é propriamente essa, sendo que o recorrente tudo fez para, deliberadamente, passar ao lado da verdadeira questão que se coloca no caso dos autos e que manifestamente não se enquadra na hipótese da norma do RJUE e da norma regulamentar referidas.
VI. Uma coisa são os “edifícios contíguos e funcionalmente ligados entre si”, de que trata o preceito do nº. 5 do artigo 57º do RJUE, cuja caracterização permitiu que fosse feita por via regulamentar; outra coisa completamente diferente é uma operação urbanística (em regra, a construção de um edifício) com impacto relevante, de que trata o nº. 5 do artigo 44º do mesmo diploma, e que resultou da adição ao artigo primitivo do referido nº. 5 pela Lei nº. 60/2007, de 4 de Setembro, sendo perfeitamente nítida a distinção estre as duas realidades.
VII. Não cabe no conceito de conjunto de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si de que falam os artigos 1.438º-A do CC e 57º/5 do RJUE, para os quais remete o artigo 6º/a) do RME, e que supõe necessariamente a existência de uma pluralidade de edifícios, a hipótese de construção de um único edifício constituído em regime de propriedade horizontal, que é a operação urbanística que a recorrida levou a cabo mediante licenciamento municipal prévio.
VIII. A norma do artigo 60/a) do RME e as deliberações que aprovaram o Regulamento são ilegais (art. 95º/2/a) da Lei nº. 169/99, de 18.º9, alterada pela Lei nº. 5-A/2002), padecendo de nulidade, por violação da norma habilitante, ou seja, do artigo 570/5 do RJUE (Decreto-lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro), única norma que à data da aprovação do RME e da sua aplicação ao caso dos autos permitia, nos limites por si estabelecidos, a regulamentação das situações em que os conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si se poderiam configurar como geradoras de um impacte semelhante a loteamento e, nessa medida, desencadearem a aplicação das normas do citado artigo 57º/5 e do artigo 26º do RME, sendo, consequentemente, nulo o acto impugnado que aplicou uma disposição ferida, ela própria, de nulidade.
IX. Sendo o RME um regulamento de execução, particularmente na matéria aqui em discussão, a norma da alínea a) do seu artigo 6º extravasou em muito os limites impostos pela norma legal habilitante com a qual se teria de conformar, estabelecendo os casos em que, em termos urbanísticos, se provoca um impacte semelhante a uma operação de loteamento, não apenas em relação a “edifícios contíguos e funcionalmente ligados entre si”, como devia, mas em relação a “toda e qualquer construção”, nomeadamente, em relação a um único edifício, como não podia.
X. De resto, a norma do artigo 6º/a) do RME é contraditória com as normas dos artigos 24º e 25º/2 do mesmo diploma regulamentar, estas sim, respeitadoras da norma do art. 57º/5 do RJUE.
XI. Da matéria provada constante dos itens 44. a 478. do elenco dos factos provados, resulta claramente que apenas 5 fracções têm acesso directo a partir do espaço exterior, sendo que o recorrente não impugnou a matéria de facto dada como provada na douta sentença, pelo que não pode pretender ler o que nela não se encontra, assentando a alegação do recorrente nesta matéria na subversão daquilo que é o acesso directo a partir do espaço exterior e da própria norma do artigo 1.415º do CC, que faz a distinção de forma linear, procurando englobar no conceito fracções que apenas têm acesso ao exterior através de partes comuns do edifício.
XII. Se fosse como o recorrente alega, todas as fracções autónomas de um edifício constituído em regime de propriedade horizontal, como é o caso, teriam necessariamente saída directa para a via pública, ou seja, para o espaço exterior, posto que não podem deixar de ter acesso ao exterior, seja de que forma for, isto é, quer seja de forma directa, com uma porta a dar directamente para o exterior, quer seja a partir de uma parte comum do prédio, tendo esta a porta a dar directamente para o exterior, o que implicaria que o segmento da norma do artigo 6º/a) do RME “acesso...
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