Acórdão nº 00184/09.2BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 14-03-2023

Data de Julgamento14 Março 2023
Ano2023
Número Acordão00184/09.2BEMDL
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF de Mirandela)
Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. «X, S.A.» (Recorrente), interpôs recurso jurisdicional do despacho interlocutório do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, proferido em 22.02.2010, que decidiu não proceder à produção de prova testemunhal. Mais, notificada da sentença proferida em 18.09.2014, pelo mesmo Tribunal, pela qual foi julgada improcedente a impugnação judicial que apresentara contra a liquidação de contribuições devidas à Segurança Social, referentes aos meses de dezembro de 2004, 2005, 2006, agosto de 2007 e março de 2008, inconformada dela interpôs recurso jurisdicional.
No recurso que visa o despacho interlocutório, a Recorrente concluiu as suas alegações da seguinte forma:
«1. O despacho recorrido deve ser anulado e revogado, com todas as consequências, porquanto a petição inicial de impugnação judicial contém inúmeros factos passíveis de prova testemunhal, com releva e importância para a decisão.
2. Ao prescindir de tal diligência injustificadamente, o despacho recorrido violou os art.os 114.º, n.º 1 do 115.º 118.º c 119.º do CPPT.
3. Há um leque de factos, a provar por testemunhas, com extrema relevância para a decisão, tais como os dos artigos (FACTOS) da PI.
4. Por decorrência do princípio da verdade material, a lei admite todos os meios gerais de prova, não assumindo a prova testemunhal uma natureza subsidiária ou residual.
5. Na verdade, entende a recorrente, lançando mão de um verdadeiro direito potestativo, que aqueles factos (cujo o ónus da prova lhe incumbe), só poderão vir a ser dados como provados através do recurso adicional à prova testemunhal.
6. No limite, a não se produzir a indispensável prova testemunhal, solicitada pela recorrente, poderão persistir dúvidas sobre a veracidade dos factos essenciais que sustentam a relação controvertida e, assim sendo, atentas as referidas considerações, como prescreve o n.º 1 do art.º 100.º do CPPT, em caso de dúvida, o acto tributário deve ser anulado.
7. De acordo com o princípio da verdade material (e investigação do juiz) não deve ser vedado à recorrente – na mais nobre cooperação com a Justiça – a inquirição de testemunhas que auxiliariam o tribunal na descoberta da verdade, ainda que o ónus da prova não lhe compita, mas sim ao Instituto de Segurança Social.
8. A realização da inquirição de testemunhas omitida afigura-se essencial para a boa decisão da causa e, a não se realizar, onerará a decisão final com uma distorcida percepção dos factos e, no limite, uma grave omissão de pronúncia.
9. Por ser essencial para a boa decisão da causa a inquirição das testemunhas arroladas, afigura-se imperativo o imediato conhecimento do presente recurso por forma a evitar o necessário recurso de uma decisão que venha a ser proferida eivada de tal ilegalidade.
10. Tal justifica, à luz do disposto no n.º 2 do art.º 285.º do CPPT, a subida imediata do presente recurso e a consequente pronúncia em face do mesmo, de forma a, em prol da economia processual, evitar recursos supérfluos.
TERMOS EM QUE, E NOS MAIS DE DIREITO, REQUER A VV. EXAS. SE DIGNEM PROCEDER À ANULAÇÃO E REVOGAÇÃO DO DESPACHO ORA EM CRISE, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE, QUE SE ORDENE A REALIZAÇÃO DA INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS OMITIDA NOS AUTOS.
MAIS SE REQUER, ATENTO O EFEITO ÚTIL QUE SE VISA ACAUTELAR E O FACTO DE O OBJECTO DO RECURSO NÃO INCIDIR SOBRE O OBJECTO DA IMPUGNAÇÃO, NOS TERMOS E EM CONFORMIDADE COM O DISPOSTO NO N.º 2 DO ART.º 285.º DO CPPT, QUE O PRESENTE RECURSO SEJA PROCESSADO COM SUBIDA IMEDIATA.»
A Recorrente terminou as suas alegações, atinentes ao recurso interposto da sentença, formulando as seguintes conclusões:
«1. O presente recurso tem por fundamento incontornável os erros clamorosos em que incorreu o Tribunal a quo no plano da determinação – ou delimitação – da matéria de facto considerada como provada e que serviu de base ao sentido final do aresto produzido;
2. Tais erros terão sido potenciados justamente pela circunstância – de que a recorrente não abdicou e de que não abdica – de ter sido prescindida a inquirição das testemunhas arroladas nos presentes autos;
3. A «X, S.A.» reitera o recurso que interpôs na sequência do Despacho proferido de dispensa de produção de prova testemunhal (cfr. Doc. n.º 1);
4. A «X, S.A.» tem estabelecido o princípio genérico de atribuição de um “Prémio” (doravante designado Prémio) para motivação dos seus trabalhadores que visa estimular o bom desempenho das respectivas actividades, num espírito de partilha e co-responsabilização pelos destinos da empresa e, bem assim, para premiar a prossecução de determinados objectivos globais para os quais, espera-se, todos colaborem.
5. Todos os trabalhadores da «X, S.A.» podem ou não receber tal Prémio, pelo que é incontestável que ele não é certo, nem regular, tendo, ao invés, um carácter eventual;
6. Trata-se de uma atribuição criada por determinação unilateral da requerente – por via de decisão do seu conselho de administração –, não dependendo de qualquer obrigação contratual, regulamento interno ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
7. Acresce que a atribuição deste Prémio depende ainda da conjuntura económica do sector onde a «X, S.A.» desenvolve a sua actividade.
8. Efectivamente, é da «X, S.A.» o poder exclusivo e ilimitado de avaliar o desempenho dos seus trabalhadores (eventuais beneficiários dos Prémios), como também é da «X, S.A.» o poder de fixar os padrões ou parâmetros de atribuição do Prémio e avaliação dos trabalhadores, e o poder de determinar a forma de cálculo do Prémio, as condições da sua atribuição e as categorias profissionais que eventualmente a ele poderão ter acesso.
9. Para além disso, o valor do Prémio atribuído a cada trabalhador não se encontra relacionado ou de algum modo indexado ao montante da respectiva remuneração, assim como a atribuição de um Prémio em determinado momento não implica a sua repetição no futuro, nem quanto ao seu valor nem mesmo quanto à sua existência – circunstância que todos os trabalhadores da requerente reconhecem.
10. De resto, bastará consultar o quadro junta como Doc. n.º 5 da PI, completado com o Doc. n.º 2 agora junto nestas alegações, para verificar que já ocorreu não serem distribuídos Prémios a vários trabalhadores em alguns dos anos – o que confirma o carácter irregular na sua atribuição.
11. Por outro lado, consultado o mesmo mapa de distribuição, verifica-se também que, ao longo dos anos, os Prémios atribuídos aos mesmos trabalhadores têm assumido sempre diferentes valores – o que lhes confere um carácter de atribuição variável, e, bem assim, que, entre trabalhadores da mesma categoria profissional, os montantes atribuídos, a título de Prémio, não são iguais.
12. Efectivamente, nos casos retractados nos quadros confirma-se inequivocamente o “irregular” historial da atribuição do Prémio.
13. Em suma, os prémios atribuídos pela «X, S.A.» têm (i) carácter incerto, (ü) são uma compensação não regular, (iii) não apresentam uma conexão com o trabalho do respectivo titular.
14. Não pode, portanto, aceitar-se o entendimento do Tribunal a quo de que o Prémio em juízo era regular e eventualmente gerador de expectativa na esfera dos seus potenciais beneficiários (que o próprio Tribunal não quis ouvir);
15. Assim, nos termos do art.º 2.º do Decreto Regulamentar n.º 12/83, designadamente a sua al. d), os Prémios unilaterais atribuídas pela «X, S.A.» não constituem remuneração, não estando, por isso, sujeitos a contribuições para a Segurança Social;
16. Ainda que assim não se entendesse – no que não se consente – o Decreto Regulamentar n.º 12/83 não é passível de fundamentar a sujeição de uma qualquer atribuição (como é o caso dos Prémios unilaterais atribuídos pela «X, S.A.») às contribuições para a Segurança Social uma vez que se trata de um diploma que padece de manifesta inconstitucionalidade;
17. Inconstitucionalidade que radica num duplo fundamento: por um lado vem desenvolver um diploma legal já caduco (violando o princípio da proeminência de lei) e, por outro lado, porque se trata de um diploma inovador que, consequentemente, viola o princípio da legalidade fiscal – aplicável por força da natureza tributária das contribuições para a Segurança Social;
18. Posto o que, também por estas razões – falta de fundamento legal, em virtude da inconstitucionalidade do diploma invocado (que determina a sua desconsideração) – os Prémios unilaterais atribuídos pela «X, S.A.» não estão sujeitos ao pagamento de contribuições para a Segurança Social, devendo, também com este fundamento, ser revogado o aresto recorrido;
19. Ora, em face da inconstitucionalidade do Decreto Regulamentar, e do labor interpretativo tendente ao preenchimento do conceito de “remuneração” adoptado pelo ordenamento da Segurança Social, conclui-se o seguinte:
1. A Lei não define o conceito de remuneração para efeitos de Segurança Social;
2. Perante a autonomia do direito da Segurança Social, deve procurar-se encontrar o conceito de “remuneração” à luz deste ramo do direito – que, como se constata, não inclui as atribuições...

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