Acórdão nº 00134/17.2BELSB de Tribunal Central Administrativo Norte, 28-10-2022

Data de Julgamento28 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão00134/17.2BELSB
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF de Coimbra)
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I – RELATÓRIO
O INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, I.P [doravante IFAP], devidamente identificado nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada nos autos, que, em 31.03.2022, julgou “(…) a presente ação administrativa procedente e, em consequência, anul[ou] o ato impugnado, pelo qual o R. decidiu no sentido da reposição dos valores recebidos pela A. no âmbito das restituições à exportação de carne de suíno, no montante global de € 14.937,03 (…)”.
Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:”(…)
A. Vem o presente recurso jurisdicional interposto de sentença de 31/3/2022 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou procedente a ação e, em consequência foi anulado “.o ato impugnado, pelo qual o R. decidiu no sentido da reposição dos valores recebidos pela A. no âmbito das restituições à exportação de carne de suíno, no montante global de € 14.937,03.”, no entendimento que “.o R. não logrou provar que os enchidos exportados pela A. e indicados no relatório de inspeção tivessem realmente, na sua composição, proteína não animal, mas apenas provou que aos inspetores da AT foi entregue, quer pela A., quer pela A..., SA, em sede de controlo cruzado, uma documentação que assim indicava”.
B. Salvo melhor entendimento, o Tribunal não faz uma correta interpretação dos factos e aplicação do direito, quando entende que bastava à recorrida, enquanto beneficiária de uma ajuda comunitária, colocar em dúvida a validade e efetiva existência dos pressupostos de facto subjacentes à decisão impugnada.
C. Este entendimento não parece correto e revela algumas contradições.
D. Desde logo, como salienta o Tribunal a quo "... segundo o relatório de controlo, a documentação (erradamente) fornecida pela própria A. e pela A..., SA apontava para uma receita ou fórmula de enchidos que continha proteína vegetal (soja).”
E. Na situação em apreço, verifica-se que na documentação fornecida pela própria recorrida, continha uma confissão. (Vide acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 28/12/2013, no âmbito do Proc. ...2, onde se discutia uma situação semelhante)
F. No entanto, caso assim não se entenda, o que só por mero dever de patrocínio se concebe, sempre se dirá que a recorrida, enquanto beneficiária de uma ajuda comunitária, teria de colocar em dúvida a validade e efetiva existência dos pressupostos de facto subjacentes à decisão impugnada, no tempo certo para o fazer, mais concretamente, no decurso do procedimento administrativo.
G. No entanto, nunca o fez, não obstante, como resulta dos pontos 5 e 6 da matéria de facto dada como provada na sentença, ter notificada pela AT para se pronunciar sobre as irregularidades detetadas em sede do controlo contabilístico, bem como pelo ora recorrente para efeitos de audiência prévia, onde foi expressamente indicado que a intenção de recuperação das verbas indevidamente pagas tinha como “. fundamento na circunstância de terem sido utilizados aditivos que continham proteína não animal e de, em consequência, o produto final não ser elegível para beneficiar de restituições à exportação”.
H. Ou seja, como resulta expressamente do ponto 7 da matéria de facto dada como provada, a ora recorrida veio defender-se apenas invocando a prescrição, nada referindo, quanto à existência de lapsos nas fichas técnicas dos produtos, e, salvo melhor opinião, era este o momento certo para se pronunciar sobre o assunto e colocar em dúvida a validade e efetiva existência dos pressupostos de facto subjacentes à intenção de recuperação dos montantes indevidamente pagos.
I. Entende o Tribunal a quo, que o ora recorrente “. não logrou provar que os enchidos exportados pela A. e indicados no relatório de inspeção tivessem realmente, na sua composição, proteína não animal”.
J. O ora recorrente logrou demonstrar que existia documentação que demonstrava que havia documentos no procedimento administrativo que demonstravam a existência de aditivos que continham proteína não animal e de, em consequência, o produto final não ser elegível para beneficiar de restituições à exportação”.
K. Razão pela qual, não tendo a recorrida, no âmbito do procedimento administrativo, vindo informar as entidades administrativas da existência de um lapso, não obstante ter tido duas oportunidades para o fazer, perante os elementos disponíveis no procedimento administrativo, à data da prolação da decisão final, verifica-se que esta não só é correta como a única possível.
L. Face ao exposto, salvo melhor entendimento, a sentença proferida pelo Tribunal a quo não faz uma correta interpretação dos factos e da legislação aplicável, razão pela qual, deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente por provado e em consequência ser proferido acórdão revogando a sentença recorrida, substituindo-a por outra em que se considere que a decisão final é correta (…)”.
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Notificada que foi para o efeito, a Recorrida K..., SA, não contra-alegou.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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A Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer no sentido da procedência do presente recurso jurisdicional.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir é a de saber se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance descritos no ponto I) do presente Acórdão, “(…) não faz uma correta interpretação dos factos e da legislação aplicável (…)”.
É na resolução de tal questão que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O quadro fáctico [e respetiva motivação] apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte:“(…)
1) A A. apresentou junto do R., no âmbito das restituições à exportação de carne de suíno, os seguintes pedidos de pagamento, com base nos respetivos Documentos Administrativos Únicos (DAU):
- DAU n.° 20.855.105, de 23/06/2010, no valor de € 928,20, referente ao produto “Enchidos”, com o código ...20, com destino a Angola;
- DAU n.° 20.417.507, de 24/03/2010, no valor de € 1.109,39, referente aos produtos “Enchidos”, com o código ...20, e “Presuntos”, com o código ...00, com destino a Angola;
- DAU n.° 20.925.166, de 07/07/2010, no valor de € 966,00, referente aos produtos “Enchidos”, com o código ...20, e “Presuntos”, com o código ...00, com destino a Angola;
- DAU n.° 21.383.037, de 30/09/2010, no valor de € 1.819,35, referente ao produto “Enchidos”, com o código ...20, com destino a Angola;
- DAU n.° 21.507.374, de 25/10/2010, no valor de € 2.651,58, referente ao produto “Enchidos”, com o código ...20, com destino a Angola;
- DAU n.° 21.034.703, de 28/07/2010, no valor de € 1.473,50, referente ao produto “Enchidos”, com o código ...20, com destino a Angola;
- DAU n.° 21.543.177, de 27/10/2010, no valor de € 2.665,72, referente aos produtos “Enchidos”, com o código ...20, e “Presuntos”, com o código ...00, com destino a Angola;
- DAU n.° 21.263.990, de 07/09/2010, no valor de € 3.517,38, referente aos produtos “Enchidos”, com o código ...20, e “Presuntos”, com o código ...00, com destino a Angola;
- DAU n.° 21.069.831, de 03/08/2010, no valor de € 1.494,09, referente ao produto “Enchidos”, com o código ...20, com destino a Angola;
- DAU n.° 21.452.374, de 13/10/2010, no valor de € 2.802,00, referente aos produtos “Enchidos”, com o código ...20, e “Presuntos”, com o código ...10, com destino a Angola
(cfr. docs. de fls. 100, 154, 199, 240, 273, 316, 340, 382, 417 e 446 do processo administrativo).
2) O R. procedeu ao pagamento à A. das restituições à exportação a que se referem os pedidos que antecedem nas seguintes datas e com os seguintes valores:
- o valor de € 928,20, relativo ao DAU n.° 20.855.105, foi pago em 25/11/2011;
- o valor de € 1.109,39, relativo ao DAU n.° 20.417.507, foi pago em 30/11/2011;
- o valor de € 966,03, relativo ao DAU n.° 20.925.166, foi pago em 10/11/2011;
- o valor de € 1.819,41, relativo ao DAU n.° 21.383.037, foi pago em 10/11/2011;
- o valor de € 3.105,18, relativo ao DAU n.° 21.507.374, foi pago em 30/11/2011;
- o valor de € 1.473,91, relativo ao DAU n.° 21.034.703, foi pago em 30/11/2011;
- o valor de € 2.542,40, relativo ao DAU n.° 21.543.177, foi pago em 30/07/2012;
- o valor de € 3.517,97, relativo ao DAU n.° 21.263.990, foi pago em 30/08/2012;
- o valor de € 1.494,09, relativo ao DAU n.° 21.069.831, foi pago em 29/08/2013;
- o valor de € 1.503,30, relativo ao DAU n.° 21.452.374, foi pago em 28/02/2014;
(cfr. docs. de fls. 83, 121, 182, 223, 256, 295, 335, no verso, 369, 407, 440 e 504 a 507 do processo administrativo).
3) A A. foi alvo de um controlo contabilístico ex post, realizado pela Direção de Serviços Antifraude Aduaneira da Autoridade Tributária (AT) no âmbito do Capítulo III do Título V do Reg. (UE) n.° 1306/2013 (programa de controlos 2013/2014), com o objetivo de confirmar a realidade e a regularidade dos pagamentos efetuados à A. pelo R., no exercício FEAGA 2012, a título de restituições à exportação de produtos do setor da carne de suíno (cfr. doc. de fls. 4 e 5 do processo administrativo).
4) Do controlo acima referido resultou um Relatório, do qual consta, além do mais, a seguinte análise e conclusões:
“ 9.7 - Controlos cruzados
A K... não produziu a mercadoria...

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