Acórdão nº 00124/18.8BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 2023-01-13

Data de Julgamento13 Janeiro 2023
Ano2023
Número Acordão00124/18.8BEMDL
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF de Mirandela)
Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo:

I. RELATÓRIO
1.1.AA, advogado com a cédula profissional n.º ..., contribuinte fiscal n.º ..., residente na Avenida ..., ..., moveu a presente ação administrativa contra a CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS ADVOGADOS E SOLICITADORES (doravante CPAS), com sede no Largo de S. Domingos, 14 – 2.º andar, em Lisboa, tendo por objeto a decisão desta entidade, de 11 de janeiro de 2018, de indeferimento do seu pedido para atribuição de pensão de reforma, nos termos do artigo 40.º, alínea c) do Regulamento da CPAS (Decreto-Lei n.º 119/2015, de 29 de junho), com fundamento na existência de dívidas de contribuições.
Para tanto, alega, em síntese, ser beneficiário da CPAS desde novembro de 1989 inclusive e que efetuou descontos para essa entidade durante 18 anos e 6 meses, admitindo ter dívidas por omissão de entrega de contribuições em consequência de uma situação de insuficiência de rendimentos e precariedade económica.
Mais alega, que, pese embora o artigo 40.º, alínea c) do Regulamento da CPAS preveja, efetivamente, como condição de atribuição de pensão, a inexistência de dívidas, tem de ser considerado inexistente por força da sua inconstitucionalidade, com fundamento: (i) na sinalagmaticidade do direito à pensão de reforma; (ii) no facto de tal significar uma apropriação pelo Estado de descontos sem que lhe corresponda a obrigação de atribuição de uma pensão, o que consubstancia um confisco, uma verdadeira expropriação e uma denegação do direito de propriedade privada (artigos 61.º, n.º 1 e 62.º, n.ºs 1 e 2 da CRP);(iii) na violação do princípio da igualdade, por discriminação dos beneficiários do CPAS entre si e entre os cidadãos abrangidos pelo regime geral da Segurança Social, ao permitir-se que um beneficiário que se tenha inscrito na CPAS aos 50 anos de idade e efetuado durante 15 anos os descontos salariais legais, possa, aos 65 anos de idade, aceder a uma pensão de reforma e que um beneficiário que efetuou os seus descontos legais durante 20 ou 30 anos e que, por qualquer razão, deixou de o poder fazer, não tenha o mesmo direito por força da existência de dívidas e pela não previsão de idêntico requisito – inexistência de dívidas - no regime geral da Segurança Social; (iv) na violação do princípio da proporcionalidade exigível pelo artigo 266.º da CRP para a atuação da Administração Pública em geral, na negação total do direito à reforma, independentemente do tempo e das quantias pagas pelo beneficiário durante a sua vida profissional; (v) na violação dos princípios da Declaração Universal dos Direitos do Homem, nomeadamente o direito a uma vida digna consagrado no seu artigo 25.º.
Peticiona, a final, que, julgando-se procedente a ação seja declarada a inconstitucionalidade da alínea c) do artigo 40.º do Regulamento da CPAS e, em consequência, “revogada” a decisão impugnada e ordenada a sua reformulação em conformidade.
1.2. Citada, a Entidade Demandada contestou, defendendo-se por impugnação, pugnando pela improcedência da ação.
Alegou, em síntese, que considerando o regime legal da CPAS, a existência de uma dívida relativa a contribuições, que o Autor reconhece cifrar-se em € 57 041,69, impunha à CPAS deliberar no sentido do indeferimento do pedido de atribuição da pensão de reforma, atento o disposto no artigo 40.º, n.º 1, alínea c) do regulamento da CPAS, aprovado pelo DL n.º 119/2015, de 30/06.
Mais alega que o preceito em causa não padece da apontada inconstitucionalidade, não podendo a recusa da atribuição da pensão de reforma pela existência de dívida à CPAS ser enquadrável em termos de uma eventual violação do direito «à iniciativa económica privada», como aventado pelo Autor, nem numa eventual violação do direito à propriedade privada, pois que este, enquanto não lhe for atribuída a pensão de reforma – a que só terá direito quando a dívida de contribuições for inexistente, - tem apenas uma mera expectativa de vir a receber uma pensão, o que equivale a dizer que até que a pensão lhe seja atribuída, não tem de ser protegida ou salvaguardada como teria se assim já tivesse sucedido.
Cita a jurisprudência do Tribunal Constitucional vertida no Acórdão nº 437/2006, de acordo com a qual «... a Constituição, do mesmo passo que assegura o direito a que todo o tempo de serviço contribua para o cálculo dessas prestações do sistema de segurança social, também o subordina aos “termos da lei”, invocando caber nesta remissão a exigência de que o interessado tenha estado vinculado ao sistema de segurança social e suportado o pagamento das contribuições devidas, no momento próprio, contribuindo assim para o financiamento do sistema de que pretende ser beneficiário, o que não sucedeu, in casu, uma vez que o Autor deixou de pagar contribuições para a CPAS desde julho de 2007.
Defende não decorrer, igualmente, do estabelecimento do requisito da inexistência de dívidas no preceito visado qualquer violação do princípio da igualdade, o que sucederia, ao invés, se fosse atribuída uma pensão de reforma ao Autor tendo este dívidas de contribuições para com a CPAS, tratando, dessa forma, de modo diferente beneficiários da Caixa que estavam nas mesmas circunstâncias.
Sublinha não ter aplicação, no caso dos autos, o regime geral da segurança social invocado pelo Autor, no qual a questão da inexistência de dívida não se põe de igual forma ou com a mesma acuidade, uma vez que tratando-se de trabalhadores por conta de outrem, as contribuições e quotizações são entregues à segurança social pelas entidades patronais, o que, todavia, se verifica no regime dos trabalhadores independentes, previsto no chamado Código Contributivo (aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro), em que a atribuição das prestações, seja pensão de reforma ou outras, está dependente da inexistência de dívida de contribuições.
Finalmente, e no que à alegada violação do princípio da proporcionalidade concerne, considera, igualmente, não se verificar, com fundamento em que, de acordo com a jurisprudência constitucional, é perfeitamente razoável e, por isso, não excessivo que, para a atribuição da pensão de reforma, os beneficiários não tenham dívida de contribuições.
Impugna, a final, o valor atribuído à ação pelo Autor, que entende dever ser fixado em 30.000,01 € ou no único valor certo que se conhece atinente à discussão dos autos, ou seja 57.041,69 €, correspondente ao montante de contribuições que o Autor deve à CPAS mas que não pretende pagar.
1.3. Dispensou-se a realização de audiência prévia, proferiu-se despacho saneador tabelar e fixou-se o valor da causa em € 30 000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).
1.4. Em 28/04/2022, o TAF de Mirandela proferiu sentença julgando a ação procedente, constando da mesma o seguinte segmento decisório:
«Nestes termos, e pelos fundamentos de facto e de direito supra enunciados, anula-se o ato impugnado na medida em que indeferiu o pedido do Autor adotando interpretação da norma contida na alínea c) do n.º 1 do artigo 40.º do Regulamento do CPAS contrária àquela que se considera ser a conforme à Constituição - isto é, como não sendo impeditiva da atribuição de pensão de reforma estritamente proporcional às contribuições efetivamente asseguradas pelo beneficiário ou, através da cobrança de contribuições em dívida mediante compensação da pensão de reforma a ser atribuída, com o respetivo cômputo no período e montante da pensão – e, em consequência, condena-se a Entidade Demandada no deferimento do pedido de atribuição de pensão de reforma ao Autor nessa conformidade.
Custas do incidente de verificação do valor da causa pelo Autor, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia, e custas da ação pela Entidade Demandada, incluindo a taxa de justiça devida pela dedução do referido incidente. – cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA, e artigo 6.º, n.º 1 e tabela I-a e artigo 7.º, n.º 4 e tabela II do RCP
Registe e notifique.»
1.5. Inconformada com a sentença que julgou procedente a ação, a CPAS interpôs recurso de apelação, no qual formula as seguintes Conclusões:
«1.ª Vem o presente recurso de apelação da sentença que julgou a acção administrativa procedente e, em consequência, condenou a CPAS «no deferimento do pedido de atribuição de pensão de reforma ao Autor» não obstante este ter dívida de contribuições (e de valor muito elevado).
2.ª Pois, no entendimento daquela sentença, a alínea c) do n.º 1 do art.º 40.º do Regulamento da CPAS, aprovado pelo D.L. n.º 119/2015, de 29/06, que impõe, para a atribuição da pensão de reforma, a inexistência de dívidas de contribuições, seria inconstitucional se interpretada nos moldes de tornar impeditiva a atribuição de pensão de reforma a quem tenha contribuído por um determinado período, mas tenha dívida de contribuições.
3.ª Todos os sistemas de segurança social, e por maioria de razão o sistema da CPAS que não está dependente de contribuições do Orçamento do Estado ou da Segurança Social, estão “estruturados/equilibrados” sobre, entre outras variáveis, os valores correspondentes aos períodos contributivos dos beneficiários.
4.ª A não verificação deste axioma, em simultâneo com a manutenção com os benefícios actuais, condenaria o sistema à ruptura por falta de sustentabilidade, pondo, por isso, em risco o direito à segurança social, consagrado no art.º 63.º da CRP, no que diz respeito aos beneficiários (advogados e solicitadores) da CPAS.
5.ª Daí que os regimes de segurança social, como o da CPAS, exijam aos beneficiários determinados períodos contributivos, determinada densidade contributiva e determinados montantes de contribuições.
6.ª E, como se pode constatar da leitura do preâmbulo do D.L. n.º 119/2015, de 29/06, que aprovou o actual RCPAS, o legislador teve como grande preocupação, na elaboração deste regulamento,...

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