Acórdão nº 00106/06.2BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 11-05-2023

Data de Julgamento11 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão00106/06.2BEVIS
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF de Viseu)
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

«X, Lda.», contribuinte fiscal n.º ..., com sede na Rua ..., ..., ..., interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, proferida em 24/05/2017, que julgou improcedente a IMPUGNAÇÃO JUDICIAL deduzida contra as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios do ano de 2002, no montante total de €3.640,84.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“1) É princípio estruturante do processo judicial tributário o princípio do inquisitório pleno, previsto nos artigos 13.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e artigo 99.º da Lei Geral Tributária, nos termos do qual o Juiz deve ordenar todas as diligências necessárias para a descoberta da verdade material, ou seja, não é um processo de partes.
2) A Sentença recorrida é contraditória entre a fundamentação e a decisão, ou seja, enquanto na matéria de facto dada como provada, considera que a impugnante registou na sua contabilidade a fatura n.º ...46, de 27-09-2002, emitida em nome da Sociedade «Y, Lda.», página 3 da Douta Sentença.
3) Na motivação de facto e de Direito, páginas 9 e 11 da Sentença recorrida, indica a fatura N.º ...44, de 27-09-2002, emitida pelo seu fornecedor «Y, Lda.» (não) corresponde a uma operação efetivamente realizada.
4) Do Relatório Interno da Inspecção Tributária, elaborado pelo Inspector Tributário «AA», não resulta provado que a factura n.º ...46, de 27-09-2002, constante da contabilidade da impugnante seja simulada.
5) Pois na verdade, aquela factura é verdadeira, pois a impugnante transaccionou a mercadoria com aquele fornecedor emitente daquela factura que está em causa.
6) No que lhe competia, a impugnante cumpriu a lei, ou seja, efectuou o pagamento ao fornecedor, conforme factura n.º ...46, guia de transporte e respectivo recibo de quitação de pagamento (Doc. n.º 2, 3 e 4 já juntos aos autos).
7) Assim, o Relatório Interno da Inspecção Tributária não contem quaisquer elementos de facto, concretos, específicos e objectivos, que permitam concluir pela simulação da fatura registada na escrita da impugnante, aqui recorrente.
8) Bem pelo contrário, como consta do Relatório e do N.º 11 do Probatório, páginas 5 e 6 da Douta Sentença recorrida, até se admite que a Sociedade impugnante, aqui recorrente, tenha efectivamente efectuado a transação, no caso, a aquisição de 3.800 Kg de Cortiça.
9) Por outro lado, é processualmente inconcebível que todos os factos dados por apurados contra a impugnante, aqui recorrente, se sustentem num Relatório de outro contribuinte, designadamente, no alegado Relatório da Inspeção Tributária do emitente «Y, Lda.», e não no Relatório Interno da Impugnante. Além de que, tal Relatório não foi junto ao Relatório Interno Final da Impugnante, aqui recorrente.
10) Pelo que, deste modo, além de falta de fundamentação legalmente exigida, existe violação do Princípio do Contraditório consignado nos artigos 45.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e artigo 8.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, constituindo preterição de formalidade legal essencial e vício de violação de lei.
11) Em suma, o acto tributário da liquidação adicional de IVA e de Juros compensatórios estão inquinados do vício de insuficiência de fundamentação.
12) Mais, os elementos referidos no Relatório Interno da Inspecção Tributária têm dentro do processo de Impugnação judicial, a natureza de prova e, por virtude do Princípio do Contraditório, da Igualdade, da Justiça e da Imparcialidade, tinham e têm sempre de ser notificados do seu teor integral à impugnante, ora recorrente, nos termos do artigo 115.º, n.º 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
13) É que o Relatório da Acção Inspectiva efectuada à Sociedade emitente da fatura em causa, não foi notificado do seu teor integral à impugnante, ora recorrente.
14) Pelo que, assim sendo, a Sentença recorrida violou o princípio do contraditório consignado no artigo 45.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e ainda os princípios da igualdade processual, da Justiça e da imparcialidade, o que constitui vício de violação de lei.
15) Por fim, refira-se que do Relatório Interno Final, as suas conclusões não estão suportadas por factos retirados de documentos e elementos respeitantes à impugnante, aqui recomente, e que permitam provar que entre a impugnante, aqui recorrente, e o fornecedor emitente da fatura em causa, tenha sido feito um acordo simulatório com vista a enganar terceiros (artigo 240.º do Código Civil, aplicável por força da alínea d) do artigo 2.º da Lei Geral Tributária).
16) Foram violados os artigos 8.º, 55.º, 58.º, 60.º, n.º 1 e 3, 77.º da LGT, 45.º, n.º 1, 111.º, 115.º do CPPT, artigo 103.º, n.º 3 e 266.º, n.º 2 e 268.º, n.º 3 da CRP.
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre douto suprimento de V.Exas., entende a recorrente que deverá o presente Recurso ser julgado procedente e provado e, em consequência, se revogue a DOUTA SENTENÇA recorrida, anulando-se por ilegal a liquidação adicional de IVA e juros compensatórios, objecto dos autos, por falta de fundamentação e preterição de formalidades legais essenciais, a bem da JUSTIÇA.”
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A Recorrida não contra-alegou.
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O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar estarem verificados os pressupostos legais que legitimam a actuação da AT em recusar o direito à dedução de IVA por existência de “facturação falsa”.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
«3.1 Matéria de facto dada como provada.
Com base nos documentos junto aos autos e no processo administrativo (PA) apenso considera-se provada a seguinte matéria de facto, com relevância para a decisão:
1. A sociedade agora Impugnante tem por objeto social a “indústria da cortiça – CAE 20522”, enquadrada no regime normal trimestral do IVA desde 28/4/1998 – fls. 68 do PA;
2. Na sua contabilidade, a Impugnante registou a fatura nº ...46, de 27/9/2002, emitida em nome da sociedade «Y, Lda.» nipc ..., com sede em Rua ..., ..., ..., relativa a “Cortiça Raça 1ª a 5ª”, quantidade de “3800.000”, no valor líquido de € 17.100,00 e IVA de € 3.249,00, no total de € 20.349,00 – fls. 14 do PA;
3. Relativamente a essa fatura, em 27/9/2002 foi ainda emitida guia de remessa nº ...44, relativa a “Cortiça Raça 1ª a 5ª”, quantidade de “3800.000”, e o recibo nº ...45, no valor de € 20.349,00 – fls. 15 e 16 do PA;
4. A sociedade agora Impugnante deduziu fiscalmente o IVA mencionado na fatura acima identificada, no montante de € 3.249,00 – pág. 8 do Relatório, fls. 5 e 53 do PA;
5. Em inspeção externa relativa à atividade da sociedade «Y, Lda.»” a AT verificou que essa sociedade não possui quaisquer instalações, máquinas ou equipamentos próprios, utilizando meios de produção que pertencem efetivamente à sociedade «Z, Lda.» com exceção dos trabalhadores (cerca de nove, sendo um torneiro mecânico, um motorista, um de colmatagem, um manobrador e cinco escolhedores), encontra-se em situação de falência técnica com capitais próprios negativos em cerca de € 1.800.000,00 pelo menos desde 1999 e havendo indícios de que é usada, juntamente com outras empresas («Z, Lda.» e «P») por um conjunto de pessoas («BB», e filho, «CC») com a finalidade de emitir faturas falsas, sendo os respetivos “fornecedores” também suspeitos de serem emitentes de faturas falsas, conclusão que se reforça nas declarações prestadas pelo gerente dessa empresa («BB») e dos trabalhadores inquiridos, apurando-se na sua contabilidade a existência de incoerências entre esses registos e aquelas declarações e incoerências entre a qualidade, quantidade e valor das compras e das respetivas vendas, tendo alguns outros utilizadores de faturas emitidas pela «Y, Lda.» e por alguns dos alegados fornecedores desta confirmado que não correspondem a operações reais e providenciado pela regularização fiscal voluntária; imediatamente após essa inspeção à atividade da «Z, Lda.» (e das duas empresas dominadas pelas referidas pessoas) verificou-se uma redução abrupta do nível de compras tendo os inspetores verificado que no período (superior a um ano) em que ação decorreu o escritório da empresa se encontrava praticamente inativo, não recebendo nem efetuando telefonemas e praticamente não recebendo expediente postal, e que nas instalações fabris nunca viram entrada ou saída de cargas de cortiça ou produtos derivados; por isso a AT concluiu que a atividade da «Y, Lda.» “se resume à compra e venda de rolhas de fracas qualidades, formatos especiais e à prestação de alguns serviços” e que são falsas todas as vendas relativas a rolhas de boa qualidade (qualidade extra, 1ª, 2ª e 3ª) porque ninguém vende aquilo que não possui (porque não comprou, não produziu nem herdou)” – fls. 19 a 45 do PA;
6. Ao abrigo da ordem de serviço interna nº ...29, de 17/5/2005, a AT procedeu à inspeção interna, de âmbito parcial, limitado ao IVA e ao ano 2002, de que resultou a correção técnica relativa ao IVA considerado deduzido indevidamente, no montante de € 3.249,00 – fls. 1...

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