Acórdão nº 00095/14.0BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 2022-03-03

Ano2022
Número Acordão00095/14.0BEVIS
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF de Viseu)
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1.RELATÓRIO

A REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, inconformada com a sentença proferida no TAF do Viseu, proferida em 19/12/2019, que julgou procedente a impugnação judicial intentada por R... e mulher M..., relativa às liquidações adicionais de IRS do exercício de 2009 e juros compensatórios, deduziram o presente recurso formulando nas respectivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem.

“CONCLUSÕES:

A. Incide o presente recurso sobre a douta sentença que julgou procedente a impugnação com a consequente anulação parcial da liquidação de IRS referente ao ano de 2009, de modo a refletir a dedução de € 15.000,00 aos rendimentos prediais dos autores.

B. O fundamento da procedência da ação assenta no facto de o decisor ter concluído que a importância de € 15.000,00 respeita a obras que foram realizadas num imóvel relativamente ao qual os autores declararam rendimentos prediais, pelo que, nos termos do artº 41º do CIRS, a dedução [específica] daquela despesa é legalmente admissível.

C. Isto porque, no dizer da decisão sob recurso, nos termos do art. 41º do CIRS (na sua redação ao tempo), “aos rendimentos brutos referidos no artigo 8º deduzem-se as despesas de manutenção e de conservação que incumbam ao sujeito passivo, por ele sejam suportadas e se encontrem documentalmente provadas, bem como a contribuição autárquica que incide sobre o valor dos prédios ou parte de prédios cujo rendimento tenha sido englobado”, sendo que, tendo as obras em causa sido “…realizadas no prédio….” e “…tendo os impugnantes declarado rendimentos prediais daquele imóvel, a dedução daquela despesa [relativa às obras] é admissível nos termos do art. 41º do CIRS”.

D. Ressalvando-se o devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, sendo nosso entendimento que o Tribunal a quo fez na sentença em crise uma incorreta interpretação do disposto no art. 41º do CIRS.

E. Ora, conforme resulta dos segmentos da decisão supra convocados, o julgador considerou que, nos termos do disposto no art. 41º do CIRS, são admitidas as despesas (in casu, com obras) de manutenção e de conservação, desde que tais despesas tenham sido realizadas em prédio gerador de rendimentos sujeitos a imposto.

F. No presente recurso a Fazenda Pública insurge-se contra esta interpretação do disposto no art. 41º do CIRS, sendo nosso entendimento que a norma em causa exige – também e cumulativamente – a demonstração probatória de que tais despesas tenham efetivamente sido suportadas pelo sujeito passivo do imposto.

G. Com efeito, o erro de julgamento em que incorreu a sentença radica no facto de ter considerado, na sua interpretação do art. 41º do CIRS, a título de dedução específica da Categoria F de IRS, uma despesa, note-se, sem que exista evidência probatória – que no caso, entendemos que sempre revestiria a forma documental – de que os sujeitos passivos a suportaram efetivamente.

H. Na interpretação que fazemos do normativo em causa - art. 41º do CIRS - decorre que são especificamente dedutíveis aos rendimentos brutos, a título de manutenção e conservação, as despesas que respeitem as seguintes condições cumulativas: que incumbam ao sujeito passivo; que tenham sido efetivamente suportadas pelo sujeito passivo; e, que se encontrem documentalmente comprovadas pelo sujeito passivo.

I. Ora, na interpretação normativa vertida da douta decisão sob crítica, tais despesas (obras de manutenção e conservação) foram aceites e consideradas dedutíveis sem ter em conta o critério, legalmente vinculado, relativo à necessidade e imprescindibilidade da evidência probatória de que os sujeitos passivos efetivamente suportaram as despesas de manutenção e conservação.

J. Discordamos, com efeito, do assim doutamente decidido, porque entendemos que nos termos do art. 41º do CIRS (na redação ao tempo), o legislador estabeleceu como condição de dedutibilidade das despesas, a existência de prova (quitação) de que os sujeitos passivos do IRS incorreram de facto (ou seja, pagaram efetivamente) nas despesas que pretendem deduzir ao rendimento, o que, no nosso modesto entender, tem toda a justificação no plano da tributação do rendimento efetivo.

K. Dito de outro modo, em sede de dedução específica da Categoria F, ao não considerar a necessidade e existência da prova de que os sujeitos passivos do imposto efetivamente suportaram as despesas de manutenção e conservação que declaram, como condição cumulativa de dedutibilidade de tais despesas, o raciocínio decisório procede a uma incorreta interpretação do disposto no art. 41º do CIRS.

L. Neste conspecto, acresce sublinhar que a demonstração probatória de que efetivamente suportaram tais despesas nunca foi concretizada pelos impugnantes, prova que aliás se impunha que tivessem produzido até ao esgotamento do poder jurisdicional.

M. É justamente nisso - numa incorreta interpretação do art. 41º do CIRS - que reside o erro de julgamento da decisão sob crítica.

N. Erro de julgamento que é de molde a impor o desaparecimento da ordem jurídica da sentença recorrida.

Nestes termos e nos mais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão proferida em primeira instância, nos termos supra alegados e concluídos, com as legais consequências, como será de inteira JUSTIÇA”

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Os Recorridos apresentaram contra-alegações onde formularam as seguintes conclusões:

“EM CONCLUSÃO:

I. A douta Sentença recorrida não merece, em nossa opinião, qualquer censura ou reparo. A sua fundamentação apresenta uma elevada correcção e profundidade na análise e justificação dos motivos, de facto e de direito, que conduziram à decisão final condenatória.
II. O recurso interposto pela Recorrente não tem qualquer fundamento de facto ou de direito, devendo por isso manter-se na íntegra a douta Sentença proferida, que julgou, e bem, procedente, por provada a oposição e, consequentemente anulou a liquidação impugnada.
III. Entendem os recorridos que se encontram preenchidos todos os requisitos previstos no artigo 41.º do CIRS, na redacção à época vigente, uma vez que se trata de despesas de conservação e manutenção que incumbiam aos sujeitos passivos, tendo as despesas sido efectivamente suportadas pelos mesmos, o que se encontra provado através do atinente documento, a factura emitida em nome da Recorrida Mónica Alexandra.
IV. De facto, existe uma factura, ou seja um documento que atesta que aquelas obras foram efectivamente realizadas na Quinta (…), que importaram um custo de € 15.000,00 e que foram suportadas pelos sujeitos passivos R... e M….
V. A prova testemunhal produzida em audiência de julgamento permitiu confirmar a realização das ditas obras no assinalado local.
VI. Isto posto deve manter-se na íntegra a decisão recorrida que considerou e bem: “A liquidação de IRS que considerou o rendimento sem tal abatimento à matéria coletável enferma do vício de errónea quantificação de rendimento, por falta parcial de facto tributário. Sendo o ato de liquidação divisível, deve a liquidação de IRS ser anulada parcialmente de modo a reflectir aquele encargo.”

Assim se fazendo inteira

J U S T I Ç A !”
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O recurso foi dirigido ao Venerando STA, que veio a declarar-se incompetente para a apreciação do mesmo, remetendo-o a este TCAN.
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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer no sentido de se conceder provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos, tendo-se obtido a concordância dos Exm.ºs Senhores Desembargadores Adjuntos, nos termos do disposto no artigo 657º, nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em saber se a sentença incorreu erro de julgamento quanto à matéria de facto e erro de julgamento de direito.
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3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“Com relevância para a decisão a proferir consideram-se provados os seguintes factos [a numeração referida será efetuada por apelo à paginação física dos autos salvo menção expressa em sentido diverso]:

A. O prédio inscrito na competente matriz sob o artigo U-2201 da freguesia (…)
[cfr. caderneta predial de fls. 24 e 25 dos autos]
B. Em 26 de Dezembro de 2007 foi celebrado contrato de arrendamento entre M... e R..., na qualidade de senhorios, e A... e C…, na qualidade de inquilinos, do prédio inscrito na matriz predial sob o art.º 2201, da freguesia (…), com início em 1/1/2008 e término em 31/12/2012, constando deste que incluía uma garagem e arrecadação no sótão.
[cfr. contrato de arrendamento de fls. 36 a 39 dos autos]
C. Em 11 de Dezembro de 2008 foi apresentada Mod. 1 para inscrição ou atualização de prédios urbanos, inscrito sob o art.º U-594 da freguesia (…)
[cfr. Mod. 1 IMI constante do Anexo 3 do procedimento de reclamação graciosa apenso aos presentes autos]
D. Em 27 de novembro de 2009 foi emitida por M--- a fatura n.º 200, em nome de M…, (…), no valor de EUR 15.000,00, incluindo IVA à taxa de 20% e na qual foi aposto o seguinte descritivo na linha do valor: “serviços prestados e materiais aplicados na v/ moradia sito em (…)”
[cfr. fatura de fls. 45 dos presentes autos]
E. A fatura a que se refere o facto precedente tem a seguinte menção abaixo da linha do valor: “digo, na Quinta (…)”
[cfr. fatura de fls. 45 dos presentes autos]
F. Os serviços e materiais a que se refere a fatura mencionada no facto «D» foram realizados e aplicados na Quinta (...)
[cfr. prova testemunhal]
G. Em 17 de junho de 2010 foi entregue declaração de IRS Mod. 3 com referência a IRS...

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