Acórdão nº 00044/12.0BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 2022-12-15

Ano2022
Número Acordão00044/12.0BECBR
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF de Coimbra)
Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública (Recorrente) notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, pela qual foi julgada totalmente procedente a impugnação judicial contra a liquidação adicional de IRC relativa ao ano de 2008, acrescida de juros, no valor global de € 31.498,78, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«1 - Nos presentes autos veio a A. reagir contra o despacho de indeferimento, proferido no seio de reclamação graciosa n.º ...44, que deduziu e, de forma mediata, contra a liquidação adicional de IRC relativa ao ano 2008, acrescida de juros, no valor global a pagar de 31.498,78 euros;
2 - A Mm.ª Juíza do Tribunal a quo julgou totalmente procedente a impugnação, nos autos identificados supra, determinando a anulação da supra referida liquidação;
3 - Com todo o respeito pela douta decisão, que é muito, entende esta Representação da Fazenda Pública (RFP) que existiu erro na apreciação da prova, bem como erro de interpretação e subsunção dos factos e do direito efetuada pelo Mm.ª Juíza do Tribunal a quo, na análise efetuada, e que conduziu à decisão por tal procedência do pedido, pelos motivos que exporemos infra;
4 - No caso sub judice, constata-se que os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) consideraram que a contabilização de custos financeiros, no montante de € 108.127,05, não eram fiscalmente aceites, por não concorrerem para a formulação de proveitos ou ganhos do exercício;
5 - É indubitável que, em regra, todos os custos em que incorre uma sociedade serão relevados na determinação do seu lucro tributável, tanto mais que, por imperativo constitucional a tributação das empresas deve incidir sobre o rendimento real;
6 - Todavia, o legislador, na ponderação de motivos que considerou relevantes, que se prendem com os fins extrafiscais prosseguidos pelo Direito Fiscal, com os princípios da legalidade fiscal e da segurança jurídica, bem como com o princípio da soberania fiscal e com fins de prevenção e combate à evasão fiscal, não estabeleceu uma correspondência absoluta entre os custos contabilísticos e os custos fiscais, adotando um modelo que, tomando como ponto de referência as normas contabilísticas e o resultado contabilístico, sujeita-o a ajustes extra-contabilísticos para cumprimento das normas fiscais, considerando que só devem relevar negativamente no apuramento do lucro tributável “os [gastos] que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”.;
7 - O art.º 23º do Código do Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Coletivas (CIRC), na redação vigente à data, reportava-se aos gastos que podiam ser tidos em conta para efeitos de tributação em sede de IRC, englobando uma cláusula geral de acordo com a qual “consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”, prevendo, posteriormente, um elenco de gastos que se enquadram dentro da referida cláusula geral, incluindo, ainda, a previsão de gastos que não são aceites para efeitos de tributação em IRC;
8 - De acordo com este normativo só deverão ser aceites os gastos essenciais ao processo produtivo e à obtenção de proveitos, sendo considerados gastos indispensáveis os que são realizados no interesse da empresa e que contribuem para a obtenção do lucro de forma direta ou indireta. O requisito da indispensabilidade dos custos deve ser aqui aferido por critérios de racionalidade económica, devendo ser determinado de acordo com aquilo que é considerado útil e inevitável para a realização dos proveitos ou a manutenção da fonte produtora da empresa;
9 - Será de entender, ainda, que o legislador pretendeu que fosse permitida a dedução de gastos que diretamente se relacionassem com a prossecução do fim empresarial, isto é, a sustentabilidade e estabilidade empresarial e consequente produção de lucro, sendo os gastos realizados na prossecução deste objetivo primordial que serão tidos em conta pelo art.º 23º do CIRC;
10 - Atendendo a que o referido artigo não exige apenas que os gastos sejam indispensáveis mas sim “que comprovadamente sejam indispensáveis”, é legítimo que a autoridade tributária exija ao empresário que esteja em condições de comprovar não só a existência desses gastos, como também de comprovar a sua indispensabilidade para realização do rendimento ou para manutenção da fonte produtora;
11 - A relevância fiscal de um custo depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causação é ou não empresarial” [Ac. Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 2004-11-16, proferido no proc. ...4];
12 - Assim, no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar fundadamente essa indispensabilidade. E compreende-se que assim seja, pois o encargo da prova deve recair sobre quem, alegando o facto correspondente, com mais facilidade, pode documentar e esclarecer as operações e a sua conexão com os proveito;
13 - “(...) Se a AT questionar validamente a indispensabilidade de certa despesa, o contribuinte tem o ónus de esclarecer essas dúvidas. (...) já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar essa indispensabilidade” [Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, em 2016-02-11, no proc.º 00080/03-Porto];
14 - Tendo o Tribunal Central Administrativo Sul, no seu acórdão de 2021-06-09, proferido no proc.º 9333/16.3BCLSB, entendido que 1. O custo é dedutível fiscalmente se estiver comprovado e for indispensável para a realização dos proveitos. 2. A indispensabilidade não se refere à necessidade (...), nem sequer à conveniência (...), mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, visando direta ou indiretamente, a obtenção de lucros. 3. Todo o gasto que se mostre estranho ao fim da empresa não é custo fiscal, porque não é indispensável.”;
15 - No caso em análise, afigura-se que a AT demonstrou, como lhe competia, quais as razões que fundamentavam a sua convicção de que o gasto (contabilização de custos financeiros no montante de € 108.127,05) não se mostrava indispensável para a realização dos proveitos, descrevendo diversos factos que, séria e consistentemente, o evidenciavam;
16 - Razões essas pormenorizadamente descritos no RIT, e que se consideram aqui, para todos os efeitos, devidamente reproduzidas, salientando, no entanto, as seguintes:
- Com exceção do exercício fiscal de 2005, a A. não procedeu ao débito de encargos financeiros junto da sociedade F..., lda, associados ao crédito concedido a esta última, cujas condições se encontram vertidas nos pontos 1.1.1 e 2.1.1 do RIT;
- A sociedade F..., Lda , com o NIPC ..., cujos sócios e elementos de gerência são comuns à A. apresentava um saldo devedor ao longo do exercício fiscal de 2008, referindo-se o mesmo a movimentos efetuados nesse exercício e em exercícios anteriores, situação de devedora que se mantinha há alguns anos, vindo o respetivo saldo a ser incrementado exercício após exercício;
- Tais movimentos, de caráter estritamente financeiro encontram-se maioritariamente realizados no âmbito de um contrato quadripartido celebrado em 2004.07.06, no qual a A. cedeu à F..., Lda, um crédito que detinha sobre a S... SA NIPC ..., permitindo que a F... Lda efetuasse a liquidação parcial uma dívida que tinha para com o seu fornecedor S... SA;
- No mesmo contrato, a A. aceitou ainda ceder à F... lda quaisquer créditos futuros que venha a deter dobre a S... SA;
- Procedeu-se ao levantamento exaustivo dos movimentos de carater estritamente financeiro, relacionados exclusivamente com os valores monetários concedidos pela A..., Lda. a título de empréstimo, à F... Lda, substanciados em depósitos efetuados pela A..., Lda. nas contas à ordem da F..., Lda e em pagamentos, nomeadamente, impostos, que esta ultima tinha em divida;
- verificando-se que, relativamente aos financiamentos concedidos, não se encontra definido o seu prazo de restituição nem o correspondente serviço de dívida;
- No decorrer do exercício fiscal de 2008, os saldos devedores sofreram um forte incremento, por força dos movimentos financeiros efetuados no âmbito das notas de débito n.º ...08, ...08 e ...08, emitidas pela A..., Lda., em 2008-10-15, 200810-15 e 2008-12-18, pelos valores de € 283.523,90, € 209.800,53 e € 6.593,50;
- Assim sendo, verifica-se que a A..., Lda., no decurso do exercício fiscal de 2008, apresenta um crédito de carater meramente financeiro, sobre a F..., Lda (substanciado pelos saldos e movimentos contabilísticos o qual assume a forma de conta corrente, na medida em que não se encontra determinado para o mesmo o seu prazo de utilização;
- A matéria coletável apurada e declarada, tem vindo ao longo dos diversos exercícios fiscais (2003 a 2008) a ser influenciada pela assunção de custos financeiros adstritos a financiamento efetuados junto de diversas instituições financeiras. Tendo em vista uma análise circunstancial da estrutura e substancia material desses mesmos custos, foi elaborado um quadro (anexo XV ao RIT), no qual se procede à análise da evolução da estrutura dos custos financeiros...

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