Acórdão nº 0338/18.0BEPNF de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução20 de Dezembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo I. RELATÓRIO 1.

B..., S.A.

, com os sinais dos autos, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel acção administrativa, contra o Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. (IMT), na qual formulou o seguinte pedido: “[N]estes termos, e nos demais de direito aplicáveis, deve ser anulada a decisão de resolução do contrato de gestão acesso e permanência da atividade de inspeção técnica a veículos de um CITV em Vila Nova de Gaia, celebrado entre a B... e o Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P., e também a decisão de execução da caução prestada no âmbito do mesmo a favor do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. do ofício com a Ref. ...76”.

Por sentença proferida pelo T.A.F. de Penafiel a acção foi julgada improcedente.

  1. Inconformado, o A. recorreu daquela sentença para TCA Norte, que, por acórdão de 02.06.2023, concedeu provimento ao recurso, revogou a decisão recorrida, julgou procedente a acção administrativa especial e anulou a deliberação proferida pelo Conselho Directivo do IMT em 23 de Fevereiro de 2018.

  2. Não se conformando com o acórdão antes mencionado, o contra-interessado A..., Lda.

    , melhor identificado nos autos, veio interpor recurso de revista, nos termos do artigo 150.º do CPTA, para este Supremo Tribunal, tendo formulado alegações, das quais se extraem as seguintes conclusões: 1. O presente recurso de revista foi interposto contra o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 2 de Junho, que revogou a sentença proferida pela 1ª instância e julgou procedente a acção pela qual se peticiona a anulação da deliberação do IMT que resolvera o contrato de gestão celebrado com a A. para a construção e instalação de um centro de inspecções em Vila Nova de Gaia.

  3. Salvo o devido respeito, a decisão alcançada pelo Tribunal a quo não só é manifestamente errada e ilegal como suscita questões fundamentais que, seja pela sua capacidade expansiva, seja pela sua importância jurídica e social, seja pela necessidade de assegurar uma melhor aplicação do direito, justifica uma apreciação e uma pronúncia definitiva por parte do Venerando Supremo Tribunal Administrativo sobre as seguintes três questões: a) Pode ser celebrado, com um candidato, um contrato de gestão para a construção e instalação de um centro de inspecções de veículos automóveis, quando, no dia em que é assinado tal contrato, esse mesmo candidato não é proprietário do terreno para que foi celebrado o contrato de gestão? b) Representa ou não uma violação dos princípios da livre concorrência e da igualdade que se celebre um contrato de gestão para a instalação de um centro de inspecções com quem só venceu o concurso por, alegadamente, ser o proprietário do terreno, quando efectivamente na data daquela celebração não o era e só adquiriu essa mesma propriedade cerca de um ano depois da assinatura do contrato? c) Quais as consequências jurídicas do facto de se ter assinado um contrato de gestão para a construção e instalação de um centro de inspecções com quem, na data da assinatura do contrato, não era proprietário do terreno, designadamente, se tal acto determina a nulidade do contrato por impossibilidade do seu objecto ou se constitui uma causa de resolução do contrato? Na verdade, 4. Todas as questões colocadas na revista possuem uma inegável capacidade expansiva, uma vez que em todos os presentes e futuros procedimentos concursais para a instalação de centros de inspecções a veículos o terreno com que se concorre é determinante para se vencer o concurso e a propriedade do mesmo tem de estar comprovada na data em que se assina o contrato de gestão, justamente por este contrato só ser assinado para a construção e instalação de um centro de inspecções num dado terreno e, portanto, a propriedade do terreno ser pressuposto essencial para a celebração e validade do contrato de gestão.

  4. Refira-se, aliás, que se a questão não for desde já pacificada por este Venerando Supremo Tribunal Administrativo, seguramente em todos os futuros procedimentos concursais qualquer candidato será tentado a socorrer-se da mesma artimanha utilizada pela A - concorre com um terreno sobre o qual não tem direitos para assegurar que ganha e junta um contrato promessa referente a outro terreno para dar ideia de que é referente àquele com que concorreu -, O que seguramente fomentará a litigiosidade jurídica - uma vez que todos os demais candidatos que já sejam proprietários de terrenos não irão aceitar ser ludibriados nem perder o concurso para quem concorreu com um terreno de que não era proprietário e sobre o qual não tinha quaisquer direitos - e muito provavelmente soluções diferentes ao nível dos diversos tribunais.

  5. Para além da capacidade expansiva, as questões colocadas na revista possuem ainda uma inegável importância social e jurídica, seja por a atribuição do direito à instalação de centros de inspecções contender com a vida e com os interesses das populações onde tais centros são ou não instalados (v. art.°s 2.° e 5.° da Lei n.° 11/2011), seja por envolverem diversos regimes jurídicos, estando subjacente a tais questões quer o respeito pelo princípio da livre concorrência como o regime de direito público dado pela Lei n.° 11/2011 e pelo Código dos Contratos Públicos, bem como o regime da resolução ou nulidades dos contratos.

    Por fim, 7. A admissão do presente recurso de revista é absolutamente essencial para se assegurar uma melhor e mais correcta aplicação do direito, desde logo por ser claramente absurdo que quando a normação aplicável determina que o contrato de gestão só pode ser assinado se previamente tiver comprovada a propriedade do terreno o Tribunal venha considerar absolutamente irrelevante o facto de tal contrato ter sido assinado quando comprovadamente quem o assinou não era proprietário do terreno nem possuía qualquer direito sobre o mesmo, não extraindo qualquer consequência jurídica de tal falta de propriedade, seja em termos de nulidade do contrato ou de resolução do mesmo.

    Consequentemente, 8. Estão preenchidos os pressupostos tipificados no art.° 150° do CPTA para a admissão do recurso de revista e para que este Venerando Supremo Tribunal se pronuncie sobre as questões jurídicas suscitadas e revogue o acórdão proferido pelo TCANORTE, confirmado a sentença proferida pela Ia instância e julgando a acção improcedente.

  6. Para além de estarem preenchidos os pressupostos da admissibilidade da revista, julga-se que o aresto em recurso incorreu em notório erro de julgamento ao considerar que o IMT não poderia resolver o contrato de gestão com fundamento no facto de a A. não ser proprietária do terreno na data da assinatura do contrato promessa.

  7. Com efeito, não só tal propriedade era o pressuposto essencial para a Celebração do contrato de gestão (v. alínea a) do n.° 1 do n.° 10 das Disposições Gerais da Resolução do IMT n.° 695/2013) e, portanto, o contrato ser nulo por impossibilidade física e legal (v. neste sentido, o art.° 280.° do Código Civil e 284.º/3 do CCP), como, em qualquer dos casos, o direito à resolução por na data da celebração do contrato a A. não ser a proprietária do terreno sempre decorreria quer da cláusula 14° da minuta do contrato de gestão - aprovada pela deliberação n.° ...13 do IMT-, quer da parte inicial do próprio art.° 333.° do CCP, o qual é bem claro ao permitir a resolução do contrato de gestão sempre que ocorram "... situações de grave violação das obrigações assumidas pelo cocontratante especialmente previstas no contrato" - como seguramente sucede com a obrigação de apresentar o documento comprovativo da propriedade do terreno antes da celebração do contrato de gestão.

    Nestes termos, a) Deve ser admitido o recurso de revista por se verificarem os pressupostos do art.° 150.° do CPTA; b) Deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, com as legais consequências.

    Assim será cumprido o Direito e feita JUSTIÇA! 4.

    A B..., S.A. veio apresentar contra-alegações, que rematou com as conclusões que se seguem: A. A matéria a apreciar no presente recurso não apresenta especial complexidade nem particular relevância jurídica ou social, e o acórdão recorrido apresenta-se «fundamentado através de um discurso jurídico plausível».

    B. O Acórdão recorrido trata de matéria simples, específica do caso dos autos, de modo particularmente claro, e nem sequer enferma de erros ostensivos (ou outros) de julgamento, conforme resulta de acórdão, tirado em 23 de janeiro de 2020, e transitado em julgado, deste mesmo Supremo Tribunal, proferido no âmbito do recurso de revista no processo cautelar que correu por apenso aos presentes autos, e no qual foi considerado o critério do fumus boni iuris (processo n.º 337/18.2BEPNF).

    C. De acordo com o disposto no artigo 150.º do CPTA, haverá lugar a recurso excecional de revista (i) quando esteja em causa a apreciação de uma questão, que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou (ii) quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito – tendo por fundamento único e exclusivo a violação de lei substantiva ou processual.

    D. No presente caso, nenhum dos referidos requisitos se encontra verificado.

    E. A matéria a apreciar no presente recurso não apresenta especial complexidade nem particular relevância jurídica ou social: o Acórdão recorrido trata de matéria simples, específica do caso dos autos, de modo particularmente claro.

    F. A questão não é especialmente complexa, estando em causa apenas dois diplomas essenciais à decisão sobre esta matéria: a Lei n.º 11/2011, de 26 de abril, e o Código dos Contratos Públicos.

    G. Mais, a “normação aplicável” não “determina que o contrato de gestão possa ser assinado se previamente tiver comprovada a propriedade do terreno”, ao contrário do que afirma a Recorrente, mas determina que pode ser assinado com a propriedade ou a posse do...

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