Acórdão nº 02986/11.0BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução14 de Dezembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo I. RELATÓRIO 1.

AA, com os sinais dos autos e autor desta acção administrativa «comum» vem, invocando o artigo 150.º do CPTA, interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAN - de 21.04.2023, e complementado pelo acórdão, do mesmo tribunal, de 20.10.2023 - que decidiu conceder parcial provimento à apelação interposta pelo réu ESTADO PORTUGUÊS e, em conformidade, anulou a sentença do TAF de Aveiro - de 15.07.2022 - no segmento em que nela se condenou o Réu a pagar ao Autor, no prazo de 30 dias, a quantia relativa à pensão de invalidez desde 04.04.1986, data da 1.ª JHI a que ele foi submetido, respeitando a sua patente de 2.º sargento, e apurando, para o efeito, as diferenças de valores relativamente ao que lhe foi pago como furriel miliciano, acrescida de juros de mora até efectivo e integral pagamento, com fundamento em tratar-se de condenação ultra petitum, mantendo-a no demais, embora com fundamentação algo diferente.

  1. O então autor, ora recorrente formulou alegações, que rematou com as seguintes conclusões: 1. O douto Acórdão recorrido ao afirmar que: “O meio legal adequado e o único ao dispor do Autor para que pudesse ver a Administração condenada nos termos em que o Tribunal a quo acabou por decidir (em parte, e em excesso de pronúncia), era a ação de execução de sentença.” Continuando afirma que: “Mas o Autor não lançou mão desse meio processual e deixou inclusivamente caducar o direito de obter a execução da sentença de anulação. Ora, a caducidade do direito de executar a sentença, não permite que o Autor venha posteriormente lançar mão de uma ação indemnizatória para obter por outra via, as pretensões que deixou extinguir quando não cuidou de as reclamar pela via processual adequada.” 2. Face ao exposto, tendo a acção sido instaurada a 10-11-2011 e o despacho saneador proferido em 27-05- 2015, o segmento do saneador veio julgar improcedentes as excepções dilatórias (idoneidade do meio processual e ilegitimidade passiva do Estado).

  2. Nesse sentido, decisão final, para efeito do n.º 3, foi, em concreto, a sentença e o Recorrido dela interpuseram recurso de apelação, não fazendo constar, a impugnação do despacho saneador, como determinava o referido artigo 644.º, n.º 3, do CPC.

  3. Ora, não impugnando o despacho saneador relativamente as exceções invocadas nesse segmento, o mesmo se traduz que mesmas transitarem em julgado. – Nesse sentido exarou no Ac. do STJ de 21-03-2019, Rel. António Joaquim Piçarra, Proc. nº 129/10.7TBVNC.G1, publicado em www.dgsi.pt.

  4. Face ao exposto, o pressuposto essencial do caso julgado formal é que uma pretensão já decidida, em contexto meramente processual, e que não foi recorrida, seja objecto de repetida decisão.

  5. Se assim for, a segunda decisão deve ser desconsiderada por violação do caso julgado formal assente na prévia decisão.

  6. Assim sendo, a decisão proferida no despacho saneador relativamente à questão da excepção transitou em julgado, nos termos do artigo 628.º do CPC.

  7. Tendo transitado em julgado, a decisão ficou a ter força obrigatória com o alcance do artigo 619.º, n.º 1, do CPC e não mais pode ser posta em causa.

  8. No caso em apreço, tendo o tribunal recorrido entendido que não era este o meio próprio para a fixação de uma indemnização pela falta de satisfação do direito que lhe assistia à integral repristinação, salvo o devido respeito, violou de forma clara a lei, pois constitui uma entorse clara à concretização constitucional de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 20.º da CRP, e concretizado, no contencioso administrativo, no artigo 268.º, n.º 4 da CRP.

  9. A finalidade do caso julgado é a de evitar que, em novo processo, o juiz possa validamente estatuir, de modo diverso, sobre o direito, situação ou posição jurídicas concretas definidas por uma anterior decisão, com desconhecimento dos bens jurídicos por ela reconhecidos e tutelados.

  10. O caso julgado visa, pois, obstar a decisões concretamente incompatíveis e tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior – cf. art. 580º, nº 2 do CPC.

  11. Sendo a finalidade prosseguida pelo instituto do caso julgado uma finalidade de certeza, segurança, paz social, prevenção de litígios futuros, quanto maior for a extensão do caso julgado proveniente de certo processo.

  12. O «caso julgado material» torna indiscutível, nos termos do artigo 619º, n.º 1, do CPC, a situação fixada na sentença transitada (res judicata pro veritate habetur), ficando a decisão sobre a relação material controvertida a ter força obrigatória dentro e fora do processo, nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, ambos do CPC.

  13. Nesse sentido, é nulo o Acórdão ora recorrido, por ofensa ao caso julgado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea a), 619.º e 628.º todos do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPTA.

  14. O douto Acórdão recorrido é, ainda, nulo, por excesso de pronúncia, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPTA, face à sua não impugnação, transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º todos do CPC.

  15. Tendo transitado em julgado, a decisão ficou a ter força obrigatória com o alcance do artigo 619.º, n.º 1, do CPC e não mais poderia ser posta em causa.

  16. Ao incidir a sua fundamentação no que toca ao meio processual utilizado, existe claramente, formação de caso julgado, tendo em consideração que em relação ao meio processual, já havia sido proferida decisão.

  17. Perante a questão central sub judice – saber se, o presente processo o meio próprio para fixar a indemnização a que o Recorrente terá direito pela falta de satisfação do direito que lhe assiste à integral repristinação - estão verificados os requisitos da admissibilidade de recurso de revista previstos no n.º 1 do artigo 150 do CPTA, porquanto, desde logo, se trata de questão que pela sua relevância jurídica ou social se reveste de importância fundamental, porquanto o que verdadeiramente se discute é a concretização do direito à tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 20º da CRP e concretizado, no Contencioso administrativo, no artigo 268º, nº 4, da Constituição.

  18. Além do mais, face à delimitação do objeto do presente recurso, parece-nos evidente, salvo melhor opinião, que esta questão idealizada em abstrato, reveste-se de um cariz genérico e com relevância suficiente para que se considere preenchido o requisito da clara necessidade de admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito, e cuja decisão, salvo o devido respeito, é ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, tendo em consideração a nulidade invocada da ofensa ao caso julgado.

  19. O entendimento do douto Acórdão recorrido de que não foi pedida a indemnização e nem é este o meio próprio para a fixar, não pode, em nosso entendimento proceder, dado que, desde logo, o pedido de em sede fixação de indemnização foi efetivamente realizado.

  20. Por outro lado, ainda que tal pedido não tivesse sido efetuado, nos termos do disposto no artigo 178.º do CPTA, “quando julgue procedente a invocação da existência de causa legitima de inexecução, o tribunal ordena a notificação da Administração e do requerente para, no prazo de 20 dias, acordarem no montante da indemnização devida pelo facto da inexecução», sendo, assim, presente processo executivo o local próprio para a fixação da indemnização requerida” 22. A norma do artigo 4.º do RRCEE, torna claro que, a conduta negligente do lesado por não utilizar “a via processual adequada à eliminação do ato lesivo”, interfere apenas na determinação da indeminização, visto que esse comportamento culposo e ou negligente é caraterizado como uma mera situação de concorrência de culpas.

  21. Isto é, quando se entenda que o lesado contribuiu ou concorreu, com a sua própria conduta, para a produção dos danos ou se o seu agravamento, o juiz poderá ter em consideração essa co-responsabilidade para efeitos de fixar a indemnização devida.

  22. Por outro lado, a prova da culpa do lesado incumbe ao autor da lesão (embora o tribunal possa dela conhecer oficiosamente, e, portanto, independentemente da invocação do interessado), princípio que está em harmonia com os critérios de repartição do ónus da prova consignados no artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil, e tem correspondência na norma do artigo 487.º, n.º1, que confere ao lesado o ónus da prova da culpa do autor da lesão.

  23. Sendo certo que o recorrido, em sede de contestação, não fez prova da culpa do lesado.

  24. Em qualquer destas circunstâncias, ao lesado não poderá ser imputada uma conduta processual negligente quando, perante a prática de um ato administrativo ilegal, tenha optado conscientemente por deduzir apenas um pedido indemnizatório e para isso tenha proposto uma ação administrativa, que é o meio processual próprio para obter a satisfação dessa pretensão.

  25. Deste modo, uma ação de responsabilidade civil fundada em ato administrativo ilegal deverá ser tida em como meio processual próprio, designadamente quando seja previsível que o processo impugnatório a interpor do mesmo ato não possa já conduzir à reconstituição da situação jurídica violada, em termos de assegurar por essa via a indeminização através do princípio da reposição natural.

  26. Dito isto, entendeu o tribunal a quo a titulo de danos patrimoniais atribuir ao recorrente: “o direito a que a sua pensão seja calculada tendo por base o posto de 2º Sargento - e não Furriel Miliciano - que lhe estava reconhecido desde 1967 [cfr. pontos AC) e AD) do probatório], sendo-lhe devidas, portanto, as diferenças salariais em relação ao que já lhe foi pago, até à...

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