Acórdão nº 1957/23.9T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 18 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelVÍTOR SEQUINHO DOS SANTOS
Data da Resolução18 de Dezembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 1957/23.9T8STB.E1 Processo especial de revitalização Devedora: (…) – Cortiças, Lda.

Sentença: Recusou a homologação do plano de recuperação.

* A devedora interpôs recurso de apelação da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões: I. Não obstante a aprovação do plano pela maioria de credores, o tribunal recorrido recusou a homologação do mesmo, com base em dois fundamentos concretos:

  1. Oficiosamente, nos termos do artigo 215.º do CIRE, por configurar uma violação do princípio da igualdade; alegadamente em três aspectos: AA) Em primeiro, por o pagamento à credora hipotecária decorrente da venda do imóvel implicar (no fundo) um perdão de 80% do crédito por ela reclamado, e este valor ser praticamente igual ao perdão conferido aos credores comuns; BB) Em segundo, por (no entender do tribunal) não poder a devedora tratar o crédito da credora (…), SARL garantido com hipoteca, em pé de igualdade com o crédito reclamado por (…) garantido com direito de retenção; CC) E em terceiro, por entender o tribunal que o plano trata de forma diferente a credora comum (…) dos demais credores comuns, beneficiando-a.

  2. E ainda – nos termos do artigo 216.º do CIRE – por alegadamente o plano deixar o credor hipotecário numa situação mais desfavorável que na ausência de plano.

    Do 1º argumento (violação do princípio da igualdade) A

    1. II. A mera afirmação que consta na sentença que a proposta prevista para a credora (…), SARL, em que veria esta perdoado, no fundo, um valor praticamente igual ao perdão conferido aos credores comuns “não pode ser” (sem se justificar o entendimento do tribunal) é insuficiente para ser concluir pela violação do princípio da igualdade.

      1. Com efeito, é uma mera coincidência que do pagamento dos € 200.000,00 pela venda do imóvel caiba ao credor hipotecário apenas uma percentagem de pagamento de 20% e nesse sentido um perdão de 80% como aplicado aos credores comuns. Assim, tal resulta meramente do valor proposta de venda, que se efectivamente fosse maior, também a percentagem de pagamento seria maior, mas se fosse por um valor menor, também a percentagem a pagar seria ainda menor que 20%.

      2. Acresce que, ainda que o tratamento dos credores garantidos fosse mesmo igual ao dos credores comuns (que já vimos que não é, pois o pagamento no caso dos credores garantidos seria de imediato após a venda, ao contrário do previsto para os credores comuns, que seria a pagar em 10 anos) sempre se diria que, tal facto, também não configuraria uma violação do pp da igualdade, na medida em que este pp não proíbe que a credores diferentes se dê tratamento igual.

        BB) V. Depois conclui o tribunal a quo que por o plano tratar o credor garantido com hipotecas e o credor garantido com direito de retenção de forma igual, também viola o pp da igualdade, por alegadamente este último crédito ser diferente do hipotecário, por não se encontrar judicialmente reconhecido e por poder ser impugnado caso seja declarada a insolvência da devedora.” VI. Com efeito, não podia o tribunal recorrido concluir que os créditos são diferentes quando ambos foram reclamados como garantidos e assim foram reconhecidos na lista de credores pela sra. AJP e sobretudo quando nenhum credor veio, em sede de impugnação da lista, impugnar nem o crédito, nem a natureza do crédito do reclamante (…).

      3. A devedora apenas poderia incorrer em tal violação se – efectivamente – tivesse dado um tratamento diferente a estes credores (que tinham a mesma natureza garantida).

      4. Mas mesmo que se pudesse dizer que tais créditos estão em situações diferentes nos autos (o que por mera hipótese académica se admite, porque não estão), também não se poderia concluir que não podia o plano dar o mesmo tratamento a um e a outro, já que, como tem entendido a doutrina, o que está vedado aos devedores na configuração do plano que apresentam é, precisamente o oposto, isto é: na falta de acordo dos lesados, sujeitar a regimes diferentes credores em circunstâncias idênticas.

      5. Também não violou a devedora o princípio da igualdade na forma de tratamento dos credores comuns ao propor aos credores comuns um período de carência de 12 meses, perdão total de juros vencidos e vincendos, perdão de 80% do capital e pagamento do restante em 10 anos, propondo ainda a venda do seu único imóvel a um desses credores comuns (no caso, a credora …) por € 200.000,00.

      6. Desde logo, porque a fundamentação para o efeito é, com todo o respeito, descabida, subjectiva, alheada de quaisquer factos concretos que a sustentem e meramente baseada em suposições.

      7. Vejamos que a única justificação do tribunal para a alegada violação é que se estaria a beneficiar a credora que iria comprar o bem, porque “ficaria com a propriedade do imóvel (único bem da devedora), de valor que se desconhece mas, provavelmente superior ao seu valor patrimonial e receberia uma renda mensal”.

      8. Sucede que, não tinha o tribunal recorrido quaisquer dados (e por isso não os refere), nem lhe foram carreados pelo credor hipotecário, que lhe permitissem concluir que o valor do único imóvel da devedora (prédio urbano, composto por edifício de rés-do-chão e 1º andar, destinado a armazéns e atividade industrial, sito em …) cujo VPT é de € 75.095,43, seria “provavelmente superior ao valor deste referido VPT”.

      9. Depois, não se compreende a alegação de que a venda do imóvel por € 200.000,00 à credora comum interessada no prédio (…), beneficia a mesma (em detrimento dos demais credores comuns) quando esta credora tem um crédito de € 314.247,95 reconhecido sobre a devedora; quando apesar deste crédito ainda se propõe pagar à devedora o montante de € 200.000.00 (duzentos mil euros) pelo imóvel (não operando qualquer tipo de compensação!!) e ainda quando vem expressamente declarar que aceita que com tal aquisição se dê como perdoado o referido crédito reclamado.

      10. Concluindo-se, assim, que não pode – sob nenhuma vertente alegada pelo tribunal recorrido, proceder o argumento de que o plano (aprovado pela maioria exigida de credores) viola o pp da igualdade de credores.

        Do segundo argumento para a recusa de homologação do plano (artigo 216.º do CIRE) XV. Também não se aceita a recusa da homologação nos termos do artigo 216.º do CIRE, com a paupérrima justificação de que o imóvel tem um VPT de € 75.095,43, e “este valor é normalmente inferior ao valor real do imóvel; e com a liquidação do mesmo, a credora seria ressarcida em montante superior ao proposto no plano de revitalização (mesmo que ainda pudesse estar em causa o reconhecimento do direito de retenção ao credor (…);” XVI. O tribunal decidiu assim com base em meras suposições acerca do valor comercial do imóvel que se propunha vender, já que a credora hipotecária que requereu a não homologação, não logrou, em sede de requerimento de não homologação, de aduzir sequer factos e/ou apresentado elementos probatórios bastantes nesse sentido, como sejam exemplificativamente estudos de mercado independentes – não demonstrando assim, que a proposta do plano apresentada (venda do prédio por € 200.000,00, dos quais € 97.060,00 seriam para lhe pagar) a deixa numa situação mais desfavorável que na ausência de plano.

      11. Com efeito, mesmo em cenário de liquidação, não ficaria a credora hipotecária em situação mais favorável, desde logo porque a sua dívida está garantida por hipotecas sobre o imóvel da devedora, imóvel este cujo valor de mercado e efetiva possibilidade de venda, só poderá ser aferida em situação real, sendo, por isso, especulativa a alegação da credora de que a sua situação é mais desfavorável com o plano.

      12. Depois, no limite, ainda que o imóvel fosse vendido, sendo consabido que se encontra muito degradado e tendo apenas um VPT de € 75.000,00, é consabido que em sede de execução ou liquidação em insolvência o património é na maioria das vezes e em regra vendido muito abaixo do valor de mercado, desde logo partindo de 70% de valor base atribuído, e genericamente, após vários anos em desvalorização, vendido em negociação particular ou por adjudicação em cerca de 25% do valor inicial atribuído.

      13. Assim, e como o que substancialmente importa é, pois, a comparação entre a situação emergente da homologação do plano e a que interviria na sua ausência, é, nesta perspectiva, razoável afirmar-se que a situação da credora hipotecária, face ao compromisso assumido pela devedora no plano (de pagamento de € 97.000,00 ao credor hipotecário) é melhor do que a situação anterior do mesmo, em que desconhecia como e quando (e mesmo se) obteria a satisfação do seu crédito-desde logo por não ter demonstrado quanto é que o imóvel vale efectivamente, mas sobretudo por à frente das hipotecas, poder prevalecer o crédito do credor (…), de cerca de € 519.000,00, garantido com direito de retenção.

        Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, no Processo n.º 1251/12.0TYVNG.P1, datado de 30/06/2014 e também o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães no Proc. n.º 260/12.4TBFAF-D.G1, de 09/04/2013.

        A credora hipotecária, (…), SARL, apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:

    2. Entendeu – e bem – o douto Tribunal a quo, decidir pela não homologação oficiosa do plano recuperação, uma vez que, este viola as normas procedimentais e basilares que regem o processo especial de revitalização, nos termos do artigo 215.º, n.º 1, do CIRE; B) De acordo com a sentença recorrida, este plano, viola o princípio da igualdade de credores, previsto no artigo 194.º do CIRE, nas seguintes vertentes: I) A Credora Hipotecária (…), S.A.R.L., com a venda do imóvel nos exatos termos do plano, teria um perdão de dívida equivalente a 80%, ficando em posição idêntica aos credores comuns; II) A Credora Hipotecária (…), S.A.R.L., que detém um direito inquestionável – nos termos do plano apresentado – estaria em pé de igualdade com o credor (…), cujo crédito foi reconhecido como garantido por direito de retenção, mas que não se encontra reconhecido judicialmente, pelo que, não existe certeza da sua...

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