Acórdão nº 928/20.1T8PTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 18 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS
Data da Resolução18 de Dezembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 928/20.1T8PTM.E1 I. Relatório (…), solteira, maior, residente na Urbanização do (…), lote 1, (…), em Aljezur, intentou contra a Herança de (…) e (…), na qualidade de único herdeiro do “de cujus”, acção declarativa de condenação, a seguir a forma única do processo comum, pedindo a final que: i. fosse reconhecida a união de facto existente entre a A.

e (…) no período que mediou entre 10.03.2002 e 28.04.2019, período em que viveram em comum, como se marido e mulher se tratasse; ii. fosse reconhecido que naquele período a A.

contribuiu na mesma proporção e em partes iguais para a formação do património indicado na petição; iii. fosse reconhecido que os réus se encontram injustificadamente enriquecidos à custa da A.

na proporção de 50%, relegando para liquidação em execução de sentença o apuramento do valor final desse património; iv. fossem os RR condenados a restituir à autora 50% do dito valor ou da correspondente meação sobre esses bens.

Em fundamento alegou, em síntese, ter vivido com o falecido (…) como se de marido e mulher se tratasse durante 17 anos e até à morte deste, ocorrida em 28/4/2019. Durante o referido período dividiram de forma igualitária os proventos do trabalho, nomeadamente os provenientes da exploração que faziam dum estabelecimento de restauração e bebidas situado na praia do (…), em Aljezur, rendas dos imóveis que foram adquirindo, e ainda do exercício pela demandante da profissão de professora em estabelecimento de ensino. Ao longo dos referidos 17 anos e com os proventos auferidos o casal adquiriu os bens que identificou, sendo que, no pressuposto da cumplicidade e confiança total que a uniam ao falecido, todos os bens móveis sujeitos a registo e também os imóveis foram registados apenas em nome deste, sendo igualmente por ele tituladas as contas bancárias do casal.

Mais alegou que, falecido o companheiro, viu a universalidade dos bens adquiridos pelo casal desde 2002 passar para o património da herança aberta e, posteriormente, para a exclusiva esfera patrimonial do réu (…), único herdeiro do falecido (…), o que constitui um ilícito enriquecimento à sua custa, a dar lugar à pretendida restituição, o que deverá ser feito tendo por referência o valor comercial dos bens à data do óbito do autor da herança, a liquidar em posterior incidente.

*Citados os RR, apresentaram contestação conjunta, peça na qual invocaram a excepção dilatória de ilegitimidade da herança, por inexistência da mesma.

Em sede de impugnação alegaram que a autora não contribuiu com o que quer que fosse para a aquisição dos bens que pertenciam ao falecido, não dispondo de meios para tanto, tendo vivido na dependência daquele, que sempre suportou todas as despesas, auxiliando-o apenas pontualmente na sua actividade, tanto mais que exercia a profissão de professora. Acresce que a demandante e o falecido (…) sempre tiveram contas separadas, gerindo cada um o respectivo património, pelo que não se verifica qualquer enriquecimento dos contestantes à custa daquela.

*Foi proferido despacho saneador, no qual se declarou a ilegitimidade da herança, prosseguindo os autos apenas contra o R. (…).

Teve lugar audiência final, no termo da qual veio a ser proferida douta sentença que, na parcial procedência da acção, declarou “reconhecida a união de facto entre a A. e (…) no período que mediou entre 10.03.2002 e 28.04.2019”, julgando-a improcedente quanto ao mais, absolvendo, em consequência, o R. do demais peticionado.

Inconformada, interpôs a autora o presente recurso e, tendo desenvolvido no corpo da alegação apresentada os fundamentos da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões: “1.ª O Tribunal a quo, decidida a causa, com os fundamentos enunciados no aresto recorrido, julgou a ação parcialmente procedente declarando reconhecida a união de facto existente entre a A. e (…), no período que mediou entre 10.03.2002 e 28.04.2019, período em que viveram em comum, como se marido e mulher se tratasse, e no mais, a improcedência da ação, absolvendo o R. do pedido.

  1. Julgou provada a matéria factual constante da douta decisão sob a rubrica “factos provados”, pontos 1 a 17, e que a Apelante aceita, com excepção do ponto 14 (resposta aos artigos 13º, 16º, 17º, 27º, 28º, 31º e 40º da contestação), parte que textualmente se transcreve: “14- Era o falecido Jorge que dispunha de património, maioritariamente de origem familiar, ao contrário da Autora, dispondo aquele de meios pecuniários, próprios e exclusivos, que lhe permitiam realizar negócios, adquirindo bens”.

    Sublinhado nosso.

  2. Por um lado, a prova produzida não tem a capacidade de, com as certezas mínimas necessárias, e que são muitas, a conduzir o Tribunal a quo a dar como provada essa factualidade, como por outro, tal também não corresponde de todo com a verdade, e que se impugna.

  3. Para tal, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não podia ter valorado o depoimento de conhecimento indireto da testemunha (…), mãe do réu (antiga companheira do falecido …), declarando não sequer saber se a demandante contribuía para o rendimento do casal, ou que “provavelmente” a maior parte do rendimento do falecido (…) viria dos pais, sublinhando-se que os conhecimentos que tinha provinham exclusivamente daquilo que o (…) falecido lhe contava, conforme declarações prestadas em audiência no dia 19-09-2022, pelas 15:55:19, ao minuto 3:00 a 3:10.

  4. A decisão recorrida viola as regras da experiência comum, já que é manifestamente notório à luz da visão do homem médio que um casal que vivia em união de facto durante 17 (dezassete) anos, com sustento exclusivo e único da profissão que ambos auferiam e gastavam e usufruíam em todas as despesas do casal, e a final se entenda que todo o património adquirido pelo casal nesse período foi de ambos, exceto os elencados no ponto 7 dos factos provados.

  5. Se por um lado inexiste prova cabal e segura de que o falecido companheiro da A. tivesse meios pecuniários próprios e exclusivos de origem familiar para adquirir todos os bens indicados no ponto 7 dos factos provados, o que não corresponde de todo à verdade, à exceção da caravana que o pai deste lhe emprestou para arrancar com o negócio de restauração na praia quando este se juntou com a A., porém sublinhe-se e não se pode olvidar que era a A. quem inclusivamente chegou a ter dois empregos em simultâneo, recorde-se, professora e trabalhar no bar do casal.

  6. Será justo que ao fim de 17 anos de uma vida de união de facto, pois não são 5 nem 10, são 17 anos de comunhão e partilha de vida e bens em comum, o réu pudesse ficar com o património enriquecido à custa do empobrecimento injusto da Autora, que investiu do seu suor, compromisso, dedicação, e trabalho, cuidou ainda das lides domésticas, confecionou refeições, tratou da roupa, limpou a habitação, fez compras para a casa, tendo ainda com o seu falecido companheiro adquirido mobiliário e artigos para o lar após em conjunto o escolherem, e agora o Réu adquirir vantagem mercê deste comprovado contributo ainda que seja considerado indireto…?! Parece-nos que não… 8.ª O fim da união de facto, por morte do falecido, vítima de um homicídio por arma de fogo, determinou o desaparecimento posterior da causa da deslocação patrimonial verificada, e originou o nascimento do direito da A. a exigir a restituição em função do regime do enriquecimento sem causa, nos termos do artigo 473.º e seguintes do Código Civil, conforme o Tribunal a quo deveria ter determinado.

  7. Com o devido respeito, o raciocínio entre a fundamentação e os factos provados, feito pelo Tribunal a quo, é ilógico, e contraria por completo as regras da normalidade, da forma que não é possível perceber ou extrair que existiu uma óbvia e notória separação distintiva entre que bens eram exclusivamente do falecido Jorge, ou comuns do casal, ou unicamente da Autora.

  8. Que lógica faria a A. estar a contribuir para a economia comum do casal, auferindo inclusivamente rendimentos para economia comum do casal desses mesmos bens que o casal foi adquirindo ao longo desses 17 anos, se não fossem estes também seus…?! Mas porque seriam exclusivamente do falecido? Porque a mãe do réu e os irmãos do falecido assim o disseram? Serão estas testemunhas isentas, sem qualquer pretensão no desfecho da causa? A...

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