Acórdão nº 1559/20.1T8PTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 18 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelFRANCISCO MATOS
Data da Resolução18 de Dezembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. n.º 1559/20.1T8PTM.E1 Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório 1.

(…), casado, natural dos Países Baixos, residente em Estrada da (…), Quinta da (…), em Lagos, instaurou contra (…), casada, natural do Peru, residente na (…), (…), n.º 8, piso 2, Dto., Frente, em Lagos, ação especial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge.

Alegou, em resumo, haver casado com a Ré, em 14/10/2005 e encontrar-se separado de facto desta, consecutivamente, há mais de um ano.

Pediu a declaração de dissolução do seu casamento, por divórcio.

A Ré contestou e formulou pedido reconvencional; impugnou parcialmente os factos alegados pelo Autor e alegou que, para além da separação de facto, ocorreu uma rutura definitiva do casamento que compromete a manutenção do vínculo conjugal.

Concluiu pela improcedência da ação e, em reconvenção, pediu o decretamento do divórcio.

A Ré, em seguida, apresentou requerimento destinado à atribuição provisória da casa de morada da família.

Alegou que aufere uma pensão de reforma de € 315,89, é proprietária de dois pequenos apartamentos, cujas rendas constituem a fonte principal das suas receitas e não dispõe de outro lugar para viver que não seja a casa de morada da família, a qual se situa na (…).

Concluiu pedindo lhe seja atribuída a casa de morada da família, a título gratuito, na pendência do divórcio.

O Autor deduziu oposição ao incidente por forma a considerar que nem o apartamento ocupado pela Ré, sito na (…), constitui a casa de morada da família, nem a Ré tem necessidade dele para sua habitação.

Concluiu pela improcedência do pedido de atribuição da casa de morada da família.

  1. Foi proferido despacho que admitiu a reconvenção, afirmou a validade e regularidade da instância, identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.

    Houve lugar à audiência final e depois foi proferida sentença em cujo dispositivo, designadamente, se consignou: “(…) julga-se a presente ação, intentada por (…), contra (…), totalmente procedente em consequência: - Decreta-se o divórcio de (…) e (…) a que se refere o assento de casamento n.º (…), do ano de 2014, Conservatória do Registo Civil de Lagos.

    Mais se julga o incidente de atribuição de casa de morada de família totalmente improcedente”.

  2. O recurso A Ré recorre da sentença e conclui assim a motivação do recurso: 1. No seguimento da Ação de Divórcio sem consentimento contra si intentada a 17.07.2020, a Ré veio peticionar a Atribuição Provisória da Casa de Morada de Família a 30.09.2021, de modo a que a mesma lhe fosse atribuída a título gratuito.

  3. A Ré considerou enquanto casa de morada de família, a casa onde o casal residira desde 2018 até finais de 2019, sita na (…), (…), 8, 2.º Frente, 8600-315 Lagos, imóvel onde presentemente habita.

  4. Em Sentença proferida a 11.04.2023, o Tribunal a quo, no que concerne a atribuição da casa de morada de família à Ré, entendeu que o incidente por esta intentado não poderia proceder, uma vez que o referido Apartamento de Lagos, onde a Recorrente atualmente reside, e de acordo com a factualidade apurada não podia ser considerado como a “casa de morada de família”.

  5. A Recorrente não se conforma com a Decisão proferida, entendendo que face à factualidade e prova documental e testemunhal constantes dos presentes Autos, o Tribunal deveria ter decidido de outra forma, pretendendo vê-la revogada por este Venerando Tribunal.

  6. Para fundamentar a douta decisão o Tribunal recorreu essencialmente aos depoimentos das testemunhas referindo: “Ainda em tal contexto, (…) do mesmo passo que corroborou o fim da relação, evidenciou centrar-se a vida do casal na Quinta da (…), no que foi corroborado pelo depoimento de … (de forma clara e escorreita), sucedendo que (…) veio, também ela, corroborar o fim do relacionamento num quadro onde a vida do casal também passaria pela Quinta, sucedendo que e … (primo da Ré), nas suas declarações foi aquele que apontou para uma vivência do casal repartida entre a Quinta e o apartamento de Lagos. (…)” 6. Concluindo a Sentença que: “Isto dito, será de ponderar, agora, o incidente de atribuição da casa de morada de família (cfr. artigo 931.º, n.º 9, do CPC), sendo que quanto tal ponto a sua improcedência, em face do apurado, é manifesta, uma vez que a factualidade assente como provada revela que as partes viviam na Quinta e não no apartamento que a Ré veio a ocupar, pelo que não sendo este a casa de morada de família, não poderá o mesmo ser afetado à Ré como pretendido já que para que tal se pudesse, sequer, ponderar, teria que primeiro ser demonstrado que era em tal imóvel que o casal efetivamente residia e fazia a sua vida para que se pudesse considerar como casa de morada de família, o que não ocorrendo conduz à improcedência da pretensão da Ré.” 7. O Tribunal a quo fez incorreto julgamento da matéria de facto ao não valorizar devidamente os depoimentos das testemunhas (…), (…) e (…), nem as verdadeiras razões, subjacentes ao caso concreto, que faziam com que o Apartamento de Lagos pudesse igualmente ser considerado como casa de morada de família.

  7. A “casa de morada de família” materializa a sede da vida familiar em condições de habitabilidade, continuidade, estabilidade e solidez, excluindo-se do mesmo conceito as residências “ocasionais”.

  8. Dos depoimentos ouvidos em Audiência de Julgamento, nomeadamente das testemunhas (…), (…) e (…), resulta bastante claro que o Apartamento da (…) era utilizado pelo casal de forma continua e frequente.

  9. A testemunha (…) refere, relativamente a aquisição do Apartamento da (…) que este foi adquirido com “O propósito era de ser uma segunda casa de família, para as filhas do casal, de um lado e outro, ficarem lá eventualmente ou deles próprios donos, ficarem lá também.”; confirmou que o casal ficava no Apartamento da (…) “quando iam andar de barco” e que inclusivamente não só visitou o apartamento como fez lá diversas refeições, “Sim, ia comer lá, portanto visitar só não, ia comer lá.” 11. A testemunha (…), primo da Ré, também confirmou que “Visitava a casa e visitava o apartamento que têm na (…)”; “Viviam nos dois lados, (...).”; “Estavam os dois juntos no apartamento e faziam passeios com o seu barco.” 12. A testemunha (…), empregada doméstica do casal, relatou que prestava serviços de limpeza tanto na Quinta como no Apartamento da (…), afirmando que por diversas vezes viu o casal no apartamento durante a semana “O Sr. (…) houve uma altura que eu ia limpar e eles estavam lá… os dois. Muitos fins de semana, sim, o Sr. (…) também estava lá no a…”; “Eu ia limpar à segunda-feira e ‘tavam lá, sim, sim.” 13. As três testemunhas, cujos depoimentos se transcreveram, foram coerentes nas suas informações e demonstraram ter um conhecimento próximo da vida do casal, resultando das mesmas que Autor e Ré, a partir de 2018, frequentaram de forma assídua, enquanto casal, o apartamento da (…).

  10. Em relação à testemunha (…), depoimento que o Doutro Tribunal relevou para a sua decisão, com o devido respeito, dificilmente poderia ter sido valorado para tal efeito, uma vez que a postura da referida testemunha e os comentários feitos à Recorrente, colocam em causa imparcialidade do seu depoimento.

  11. Tendo em consideração as especificações do caso concreto, nomeadamente a condição financeira deste casal, estamos perante uma situação em que existem duas casas de morada de família.

  12. A possibilidade de existência de dois domicílios tem recebido concordância não só por alguns Autores, como pela Lei Portuguesa.

  13. Nuno de Salter Cid, na sua obra in “A Proteção da Casa de Morada da Família no Direito Português” refere essa possibilidade: “Tal não impede, porém, no entendimento de alguns autores, que se considere a hipótese de uma família possuir mais de uma casa de morada, desde que as residências em causa sejam por aquela ocupadas com caráter de habitualidade e permanência.” 18. O artigo 82.º, n.º 1, do Código Civil estabelece...

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