Acórdão nº 0280/16.0BEAVR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução13 de Dezembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Vem interposto recurso jurisdicional pelo REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, visando a revogação da sentença de 25-02-2021, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou a acção intentada por AA, melhor sinalizado nos autos, totalmente procedente, anulando parcialmente a liquidação de IRS, referente aos rendimentos do ano de 2014, no valor de €5.681,59, na parte em que sujeitou a tributação como mais-valia a indemnização recebida pelo Impugnante, no âmbito de um procedimento expropriativo.

Irresignado, nas suas alegações, formulou o recorrente Representante da Fazenda Pública, as seguintes conclusões: I – O OBJECTO DO RECURSO I. Visa o presente recurso reagir contra a sentença proferida nos autos em epígrafe, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por AA contra a liquidação de IRS e respectivos juros compensatórios do ano de 2014.

  1. A questão a submeter ao julgamento do Tribunal ad quem consiste em saber se a sentença padece de erro de julgamento de direito, por nela se entender ter ocorrido erro sobre os pressupostos no que se refere à correcção promovida pela AT, dado não ser a expropriação subsumível ao conceito de transmissão de direitos reais sobre imóveis, pressuposto necessário para que pudesse haver lugar a tributação nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS.

    II – A FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO III. Não nos merecendo qualquer reparo ou censura a factualidade dada como provada, a divergência da recorrente prende-se com a fundamentação de direito que o Tribunal entendeu verter em tal decisão e que conduziu à anulação da presente liquidação.

  2. Com a aprovação do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro operou-se uma reformulação do conceito de rendimento, tendo sido adoptado o conceito de rendimento de acréscimo patrimonial.

  3. Os bens imóveis e os direitos a eles inerentes podem ser expropriados por causa de utilidade pública compreendida nas atribuições, fins ou objecto da entidade expropriante, mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização.

  4. Em termos de princípio constitucional da igualdade, pode colocar-se em paralelo a posição de quem realiza uma transmissão onerosa de bens imóveis com a de quem é privado de um bem desta natureza através de expropriação por utilidade pública.

  5. Se é certo que o direito tributário se socorre de conceitos jurídicos com o sentido que apresentam nos seus ramos de origem, não se nos figura menos correcto afirmar que, atendendo ao regime geral da interpretação consagrado no artigo 9.º do Código Civil, por via do n.º 1 do artigo 11º da LGT, esta interpretação não se deve cingir à letra da lei.

  6. Por conseguinte, e porque a interpretação da norma da prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 10.º do Código do IRS não se restringe ao elemento literal, deve ser tomada em consideração uma ratio legis mais ampla e abrangente, em que a substância económica dos factos tributários contribui para definição dos factos jurídicos abrangidos por essa norma.

  7. Sustenta-se, portanto, a razoabilidade de uma perspectiva económica da mesma realidade, sendo que o facto tributável não se reconduzirá à aquisição originária de direitos reais, mas à obtenção de ganhos com a expropriação.

  8. Deste modo, é razoável sustentar que os proprietários a quem é expropriado um bem imóvel mediante o pagamento de uma justa indemnização fiquem sujeitos à tributação em IRS, em termos idênticos aos que a generalidade dos proprietários alienantes não expropriados se encontram.

  9. Sendo assumida a maior amplitude do conceito de transmissão para efeitos fiscais, por comparação com o conceito de transmissão em termos de direito civil ou administrativo, estamos em crer que as expropriações não poderão situar-se à margem da tributação em sede de IRS e, mais concretamente, da tributação por mais-valias.

  10. Num outro plano, importa não olvidar que se englobam neste conceito não apenas os rendimentos e ganhos resultantes de acordo de vontades entre as partes contratantes, mas também os decorrentes de uma decisão unilateralmente imposta, não podendo esta derradeira circunstância constituir óbice legal à inclusão da expropriação no âmbito de sujeição do imposto.

  11. Por outro lado, a alínea b) do n.º 1 do artigo 44.º do Código do IRS constitui um elemento sistemático que, somado à consideração da substância económica dos factos e ao princípio geral do rendimento-acréscimo, contribui para a definição do alcance da norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do mesmo diploma.

  12. A norma do artigo 44.º desenvolve o alcance da norma do artigo 10.º e concretiza a sua aplicação às transferências patrimoniais decorrentes de expropriações, sendo que é a previsão específica dessa realidade na alínea b) do n.º 1 do artigo 44.º do CIRS que corrobora a sujeição a imposto da mais-valia em caso de indemnização por expropriação, nos termos da interpretação conjugada da alínea a) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 10.º do mesmo Código.

  13. A interpretação da alínea g) do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 106/88, de 17 de Setembro deve ser realizada em conformidade com o princípio constitucional da igualdade e com os objectivos da reforma da tributação das pessoas singulares, não podendo deixar de ser respeitada a concepção do rendimento-acréscimo e o princípio da tributação da capacidade contributiva.

  14. Discordamos da posição vertida na sentença, porquanto, se o legislador pretendesse afastar a tributação das expropriações como mais-valias, teria sido expressa essa posição no Código do IRS, e não o foi.

  15. Por conseguinte, a incidência de IRS sobre as mais-valias obtidas com a atribuição de indemnização nas expropriações, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 44.º, ambos do mesmo Código, mostra-se conforme àquela Lei de autorização legislativa.

  16. E, se assim é, temos que a tributação das indemnizações recebidas em consequência de expropriações por utilidade pública, nos termos da mencionada alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, não sofre de inconstitucionalidade orgânica, por não exceder os limites da lei de autorização legislativa.

  17. Em suma, com o devido respeito que a insigne decisão nos merece, incorreu-se na mesma em erro de julgamento de direito, por violação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 44.º, ambos do Código de IRS, devendo estas normas ser interpretadas e aplicadas no sentido de que a justa indemnização atribuída no âmbito de uma expropriação por utilidade pública constitui um ganho sujeito a tributação em IRS, em sede de mais-valias.

    Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser considerado procedente, revogando-se a decisão ora posta em crise, considerando-se a impugnação totalmente improcedente, assim se fazendo JUSTIÇA.

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