Acórdão nº 0780/23.5BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelPEDRO VERGUEIRO
Data da Resolução13 de Dezembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Processo n.º 780/23.5BESNT (Recurso Jurisdicional) Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.RELATÓRIO A Entidade Demandada Autoridade Tributária e Aduaneira, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 30-08-2023, que julgou procedente (determinando a intimação da Entidade Requerida a prestar ao Requerente, no prazo de 10 (dez) dias, informação actualizada do domicílio fiscal dos arguidos identificados na alínea A) dos factos assentes) a pretensão deduzida por Município de Cascais no presente processo de INTIMAÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES no sentido da aludida Entidade ser intimada a fornecer a “informação relativa ao domicílio fiscal dos arguidos objeto dos pedidos de informação efetuados através dos ofícios identificados no artigo 1.º da presente petição, no prazo máximo de dez (10) dias”. Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “ (…) I. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão proferida em 30-08-2023, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou “(…) a presente ação totalmente procedente, por totalmente provada, e, em consequência, determino a intimação da Entidade Requerida a prestar ao Requerente, no prazo de 10 (dez) dias, informação atualizada do domicílio fiscal dos arguidos identificados na alínea a) do probatório”. II. Salvo o devido respeito, a Douta Sentença, aqui recorrida, errou na interpretação e aplicação das normas legais da matéria de facto fixada nos presentes autos, razão pela qual se pugna presentemente pela sua revogação. III. A ora Recorrente não se conforma com a Douta Sentença sob recurso, por entender que a mesma enferma do vício de violação de lei, errónea interpretação e aplicação do direito e de erro de julgamento. IV. Entende o Tribunal a quo, inexplicavelmente, e fundamentando contra a legislação aplicável relativa à proteção conferida a dados pessoais e confidencialidade fiscal, “(…) a inexistência de limites, restrições, exceções constitucionais e/ou legais justificativas de recusa da administração em prestar a informação solicitada…” V. Julga, no entanto, a Recorrente, que a sentença aqui em recurso, não logrou demonstrar pelos fundamentos em que se sustentou pela legalidade da decisão. VI. Uma vez que não resulta dos factos dados como provados, designadamente que a matéria em causa reporta a tributos, o Tribunal a quo ao concluir e decidir como decidiu, afastou-se de um critério lógico e razoável assente nos factos provados e aferiu da juridicidade dos atos de forma genérica, recorrendo à analogia, o que não lhe era permitido. VII. O Tribunal a quo não efetua uma correta ponderação, tanto mais que o artigo 64.º n.º 2, al. b) da Lei Geral Tributária prevê a cessação do dever de sigilo na cooperação legal da administração tributária com outras entidades públicas, na medida dos seus poderes, significando que deve existir norma expressa que permita a essas entidades o acesso à informação protegida pelo dever de sigilo. VIII. Ou seja, face à factualidade apurada, o Tribunal a quo só poderia ter concluído pela inexistência de norma que, conjugada com o artigo 64.º, n.º 2, al. b), da LGT, permitisse a Autora de aceder a dados pessoais de terceiros à guarda da Recorrente. IX. De facto, uma das situações previstas para a derrogação do dever de sigilo para os Municípios está contida no artigo 215.º, n.º 5 e 236.º, n.º 3, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 7.º do DL 433/99, tudo no âmbito de processos executivos. X. A Recorrida não trouxe para os autos, qualquer prova ou justificação razoável e objetiva que legitime o acesso a dados protegidos pelo dever de sigilo, e dada a debilidade dos argumentos que sustentam a douta decisão do Tribunal a quo, mais se dirá que o Regime Geral de Contraordenações (DL n.º 433/82, de 27 de outubro) é uma norma geral de auxílio e colaboração entre entidades públicas, não atribuindo ao Município o direito de acesso a dados pessoais à guarda da AT ou de qualquer outra entidade pública. XI. Rejeita a Recorrente a interpretação dimanada pela sentença em recurso que defendeu que o n.º 3 do art.º 54.º do RGCO “…É aquela a norma habilitante que, considerando que a entidade requerente prossegue atribuições que pressupõem o conhecimento dos dados, especificamente prevê o acesso àquele dado pessoal, a qual é, por isso, apta a afastar o dever de confidencialidade, nos termos e para os efeitos da alínea b) do n.º 2 do art.º 64.º da LGT.” XII. Para alcançar a informação pretendida através da base de dados da AT, deverá a entidade administrativa efetuar protocolo conforme obriga a Lei de Proteção dos Dados Pessoais (lei 58/2019, de 8 de agosto). XIII. Não existe base legal específica para aceder à informação à guarda da AT, designadamente, para acesso ao dado domicílio com a finalidade de instrução de processos de contraordenação, estabelecendo as normas habilitantes para a cessação do dever de segredo, a aplicação exclusiva no âmbito patrimonial e executivo, em sede de tributos. XIV. Foi afirmado no Acórdão do STA n.º 0108/20.6BEFUN, de 23-06-2021: “A questão que se coloca é, então, a de saber se deve considerar-se constitucionalmente excessiva a instituição, pelo legislador ordinário, de um dever de segredo que possa opor-se a uma instituição pública titular de um interesse objetivamente legítimo como o da Recorrente. Entendemos que não.” XV. Reitera-se o dimanado no Acórdão supra referido: “Sendo a Autoridade Tributária, para o efeito, uma entidade responsável pelo tratamento de dados pessoais, o dispositivo também é aplicável às relações entre aquela entidade e outras entidades públicas. Pelo que o protocolo de cooperação é um mecanismo adequado a fazer cessar o dever de sigilo para os efeitos previstos na alínea b) do n.º 2 do artigo 64.º, mesmo no quadro de uma interpretação estrita do preceito. Existindo um mecanismo previsto na lei que assegura a harmonização dos valores e interesses em conflito, não pode concluir-se que a lei é demasiado restritiva ou desproporcionada”., defendendo “… esses instrumentos já existem: são os protocolos de cooperação.” XVI. A consulta e transmissão de dado pessoal em resposta a pedido de entidade externa à AT, configura tratamento de dados, não bastando haver legitimidade para a realização de um tratamento para que seja justificação suficiente para a sua execução, devendo o tratamento ser justificado dentro dos pressupostos conferidos por lei. XVII. No caso vertente, servindo os dados relativos à identificação e ao domicílio recolhidos pela AT estritos fins tributários, não se verifica uma real conexão entre a finalidade da recolha do dado domicílio e a finalidade do acesso para instrução de processos de contraordenação não tributários. XVIII. Impõe o artigo 64.º, n.º 2, al. b) da LGT, uma norma específica que derrogue o dever de sigilo fiscal entendendo a Recorrente que a norma contida no RGCO não é a norma própria por constituir uma norma geral que atribui um dever geral de auxílio entre entidades públicas. XIX. O entendimento dimanado pela sentença ora em recurso contraria o entendimento jurisprudencial no que respeita ao acesso a dados protegidos, violando o previsto no artigo 64.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária, a Lei 68/2019 de 8 de agosto, o proclamado no Regulamento Geral de Proteção de Dados e ainda os artigos 26.º, 35.º e 266.º da Constituição da República Portuguesa. Termos em que, e com o mui douto suprimento de V. Exas, deve o presente Recurso Jurisdicional ser julgado totalmente procedente, reconhecendo a inexistência de norma expressa que, conjugado com o n.º 2, al. b) do artigo 64.º da LGT, derrogue o dever de segredo imposto à Recorrente, e que conceda à Recorrida o acesso a informação protegida para instrução de processos contraordenacionais, com todas as devidas e legais consequências.” O Recorrido Município de Cascais não apresentou contra-alegações, nas quais enuncia as seguintes conclusões: “(…) 1. O Recorrente fundamenta o seu recurso em vício de violação de lei, por errónea interpretação e aplicação do direito e em erro de julgamento, mas salvo o devido respeito não logrou demonstrar a verificação dos mesmos, designadamente provar que a recusa de prestação de informação é legítima. 2. O Tribunal a quo decidiu acertadamente pela procedência do pedido apresentado pelo Recorrido para obtenção de informação relativa ao domicílio fiscal dos arguidos nos respetivos processos de contraordenação, em razão de existir norma específica que legitima a derrogação do sigilo fiscal ao abrigo do dever legal de cooperação legal da AT com outras entidades públicas previsto no artigo 64º n.º 2 al. b) da LGT e dos pedidos se encontrarem fundamentados no âmbito dos seus poderes de autoridade administrativa ao abrigo do disposto nos artigos 41º n.º 2 e 54º n.º 3 do RGCO. 3. O enquadramento legal subjacente aos pedidos de informação resulta do poder conferidos às autarquias locais para instruir e decidir sobre matéria contraordenacional nos termos do disposto no artigo 35º n.º 2 alínea n) do RJAL e do disposto nos artigos 33º, 34º, 41º n.º 2, 47º, 50º e 54º n.º 3 do RGCO. 4. A douta sentença seguiu de perto a fundamentação constante da recente jurisprudência proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, designadamente a decisão proferida no âmbito do processo n.º 1085/22.4BESNT, que foi confirmada pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 20.04.2023. 5. Como resulta da sentença recorrida, e em nosso entender bem, resulta provado que o Requerente prossegue atribuições que pressupõem o conhecimento do dado relativo à morada dos arguidos contra quem instauraram processo de contraordenação, na sua fase administrativa, (fls. 15 da sentença...

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