Acórdão nº 084/10.3BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelARAGÃO SEIA
Data da Resolução13 de Dezembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: AA, impugnante nos autos à margem referenciados, e neles melhor identificado, não se conformando com a sentença proferida em 01.11.2020, em que ficou vencido, estando em tempo e tendo legitimidade, vem, nos termos e para os efeitos, designadamente, dos artigos 280.°, n.º 1 e 282.°, n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário ("CPPT"), da mesma interpor Recurso Jurisdicional. Está em causa o indeferimento expresso do pedido de revisão do ato tributário de liquidação de IRS do ano de 2005, no montante de € 45.317,27, respeitante a rendimentos auferidos pelo recorrente nesse ano, pagos por entidade bancária sedeada na Confederação Suíça. Alegou, tendo concluído: 1. O Recorrente não contesta os factos dados como provados nos pontos 1) a 9) da "FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO" da Sentença recorrida, para os quais se remete e aqui se dão por integralmente reproduzidos. 2. Com efeito, o cerne do presente litígio reside exclusivamente na (ilegal) tributação que resulta da interpretação das normas do Código do IRS em vigor à data dos factos e que a Sentença a quo bem sumaria (cfr. página 9, 4.° e 5.° parágrafos), às quais foram submetidos os rendimentos auferidos pelo Recorrente no ano de 2005, e donde resultam, com relevância para o caso, três conclusões: (i) os juros de obrigações e de aplicações a prazo emitidas por entidades portuguesas são tributados à taxa liberatória de 20% (artigos 71.°, n.ºs 1 e 3, alíneas a) e b) e 22.°, n.º 3 do Código do IRS); (ii) os juros de obrigações e de aplicações a prazo emitidas por entidades estrangeiras, mas pagos por entidades fiscalmente domiciliadas em Portugal também são tributados à taxa liberatória de 20% (artigos 71.°, 101.°, n.º 2, alínea b) e 22.°, n.º 3 do Código do IRS); (iii) os juros de obrigações e de aplicações a prazo emitidas por entidades estrangeiras, e pagos por entidades fiscalmente domiciliadas fora do território nacional estão submetidas a englobamento obrigatório, sendo tributados às taxas progressivas previstas no Código do IRS (artigo 22.°, n.º 1 do Código do IRS). 3. É assim com clareza que se conclui que a situação descrita constitui uma violação do Direito Português, desde logo por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.° da CRP, por decorrência do princípio da capacidade contributiva vertido no n.º 1 do artigo 104.° e n.º 3 do artigo 103.°, ambos da CRP, e que o sistema fiscal português, no que concerne à tributação dos rendimentos derivados de juros de obrigações e juros de aplicações a prazo pagos a sujeitos passivos residentes em Portugal, apenas atende a um critério formalista - o da residência do agente pagador - que se agrava por o mesmo influenciar a opção de investimento futuro por parte dos cidadãos. 4. De facto, o critério legal para a tributação dos rendimentos derivados de juros de obrigações e aplicações a prazo pagos por entidades residentes fora do território nacional ser feita por taxas progressivas (in casu, de 40%), e não pela taxa liberatória de 20% reside única e exclusivamente na residência fiscal do agente pagador, tendo assim esse critério carácter discriminatório, violador do princípio constitucional da igualdade: a uma mesma realidade - juros de obrigações e de aplicações a prazo - poderá ser aplicada uma taxa liberatória (de 20%) ou progressiva (in casu, de 40%), consoante aqueles juros sejam pagos por entidades portuguesas ou por entidades estrangeiras sem agente pagador residente em Portugal. 5. Com efeito, neste caso concreto queda desrespeitada a exigência de "tratamento igual de situações iguais (ou tratamento semelhante de situações semelhantes)" e de "tratamento desigual de situações desiguais, mas substancial e objectivamente desiguais e não criadas ou mantidas artificialmente pelo legislador" (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, ob. cit., páginas 120 e 121), pois as normas do Código do IRS tributam de forma distinta situações fácticas exactamente iguais, ou seja, situações em que: (i) há um mesmo rendimento - juros de obrigações e de aplicações a prazo; (ii) há um mesmo devedor do rendimento - instituição financeira (banco) que paga tais juros de obrigações e de aplicações a prazo; e (iii) há um mesmo credor do rendimento - sujeito passivo que aufere os rendimentos provenientes de juros de obrigações e de aplicações a prazo. 6. Acresce que a própria relação jurídico-tributária é equivalente, porquanto: (i) o Credor Tributário é o mesmo, ergo, a Autoridade Tributária; (ii) o Sujeito Passivo é do mesmo tipo, ergo, pessoa singular residente em Portugal; e (iii) o Objecto é o mesmo, ergo, juros derivados de obrigações e de aplicações a prazo. 7. Efectivamente, a legislação interna à data diferenciava as situações através de um critério formal, sem qualquer justificação razoável para tal: a inexistência de agente pagador dos juros em território nacional, sendo tal distinção anódina, não substancial e objectivamente desigual, violadora do princípio da proibição do excesso. 8. In caso, questiona-se: qual a ratio para a tributação diferenciada do sujeito passivo (individual residente fiscal em Portugal) que aufere rendimentos pagos por entidades não residentes fiscalmente em Portugal com agente pagador em território português e o sujeito passivo (também individual residente fiscal em Portugal) que aufere rendimentos pagos por mesmíssimas entidades não residentes mas que não têm um agente pagador em território português? São essas diferenças exigíveis para os fins visados com a tributação dos rendimentos das pessoas singulares, indissociáveis do princípio da capacidade contributiva previsto no artigo 4.°, n.º 1 da LGT? 9. Ora, a resposta é negativa, sendo de alegar a este propósito que, contrariamente ao que refere a Sentença recorrida (cfr. página 13, último parágrafo), em momento algum o Recorrente sustentou que a mera existência de taxas progressivas é contrária ao Direito Interno: o Recorrente não discute a bondade das taxas liberatórias e das taxas progressivas (isso é, aliás, matéria de política fiscal); o que alega - e mantém neste Recurso - é que o legislador fiscal, quer opte por taxas liberatórias, quer opte por taxas progressivas, tem de acautelar que umas e outras tenham em consideração situações idênticas ou semelhantes. 10. Ou seja, independentemente dos juízos de valor que se possam fazer quanto à opção por uma ou outra taxa (o que para esta sede é irrelevante), certo é que essas taxas têm de aplicar-se à universalidade de situações que merecem igual tratamento fiscal. 11. Ora, à data dos factos em discussão o legislador quis optar pelo englobamento e consequente aplicação de taxas progressivas aos rendimentos de capital pagos por entidades sem agente pagador em Portugal? Sim. E optou o legislador igualmente pelo englobamento e aplicação de taxas progressivas aos rendimentos pagos por entidades com agente pagador em Portugal? Não, optando antes por tributar tal situação a uma taxa liberatória de 20%. Logo, a comparabilidade destas duas realidades muito semelhantes deixa a descoberto uma tributação discriminatória, baseada apenas num critério: existência/inexistência de agente pagador em Portugal. 12. Com efeito, o Recorrente não faz a apologia de uma taxa em detrimento de outra, nem debate se, em termos gerais, a taxa liberatória é preferível às taxas progressivas: contesta, isso sim, a razão por que uma taxa (taxa liberatória) é aplicada aos casos de entidades com agentes pagadores em território português e outra taxa (progressiva) é aplicada aos casos de entidades sem agentes pagadores em território português, reiterando, pois, que a aplicação de taxas distintas para situações semelhantes, tendo como único critério diferenciador a residência da entidade pagadora dos rendimentos, configura uma tributação discriminatória inadmissível e injustificada que pode ter - como teve in casu - consequências nefastas: tributação à taxa de 20% vs. tributação à taxa de 40%. 13. Esta situação de discriminação entre agentes pagadores residentes e não residentes é, claro está, violadora não só do princípio da igualdade, como do princípio da proporcionalidade e proibição do excesso, consagrado no artigo 18.°, n.º 2 da CRP, o qual abarca três dimensões concretizadoras: (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, ob. cit., página 162): (i) adequação, (ii) necessidade ou exigibilidade e (iii) proporcionalidade em sentido estrito. 14. Primus, é evidente que no caso em apreço não há uma adequação meio-fim, visto que, ainda que se pudesse conceber, em abstracto, que o fim visado com as normas em causa fosse legítimo (incentivo ao investimento de capitais em território nacional?) já o englobamento dos rendimentos com a consequente tributação às taxas progressivas (que resultou no presente caso numa tributação excessiva de 40%, ao invés de uma tributação liberatória de 20%), com os inerentes atropelos aos princípios da capacidade contributiva e igualdade tributária (com discriminação entre contribuintes individuais residentes em Portugal) não se mostra adequado para seguir e alcançar aquele fim. 15. Há, pois, arbitrariedade e iniquidade na tributação diferenciada de rendimentos derivados de juros de obrigações e de aplicações a prazo quando pagos por agentes domiciliados em Portugal e quando pagos por agentes aqui não residentes: justifica-se que dois sujeitos passivos que aufiram por exemplo rendimentos de igual montante possam ser tributados a taxas bastante distintas (in casu, o dobro), estando tal diferenciação baseada unicamente num critério formal discriminatório, artificialmente criado, como seja a localização ou não do agente pagador em território português?! 16. Obviamente que não, pois que duas situações semelhantes (e não necessariamente situações idênticas) têm de merecer o mesmo tratamento jurídico (cfr. Parecer da Comissão Constitucional n.º 1/76, bem como os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 86/88, n.º...

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