Acórdão nº 0275/18.9BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução13 de Dezembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 275/18.9BELRS Recorrente: “A... Limited” Recorrido: “Turismo de Portugal, I.P.” 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade cima identificada recorre para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra as liquidações do Imposto Especial de Jogo (IEJO) relativas aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2017, apresentando alegações, com conclusões do seguinte teor: «a) O presente recurso per saltum para o Supremo Tribunal Administrativo é interposto, nos termos e para os efeitos do n.º 1 in fine, do artigo 280.º do CPPT, contra a Sentença proferida no processo de impugnação judicial que correu termos, junto da 1.ª Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa, sob o n.º 275/18.9BELRS, nos termos da qual se julgou improcedente a Impugnação Judicial apresentada contra os actos de liquidação de IEJO, praticados pelo Turismo de Portugal, ao abrigo do RJO, por referência aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2017, no montante de € 2.280.290,69; b) A Sentença Recorrida incorreu em erro sobre os pressupostos de direito, julgando legais os actos de liquidação praticados ao abrigo de normas que violam os princípios da tributação do rendimento real, da capacidade contributiva, da igualdade e da proporcionalidade, ambos com previsão constitucional; c) Contudo, esta interpretação e aplicação dos princípios constitucionais por parte da Sentença recorrida não é, contrariamente ao que resulta da Sentença recorrida, perfilhada pela jurisprudência dos tribunais superiores e pela doutrina, sendo que a ora Recorrente logrou demonstrar no presente Recurso que a Sentença recorrida fez uma errada interpretação e aplicação, no caso concreto, daqueles princípios constitucionais; d) Como é reconhecido pela jurisprudência dos tribunais superiores, o IEJO é um “imposto substitutivo” do IRC, sendo que é a própria jurisprudência do Tribunal Constitucional que reconhece que a tributação segundo o lucro real pressupõe que a determinação do lucro tributável seja efectuada de acordo com a contabilidade da empresa (cfr. Acórdão n.º 753/2014, proferido no processo n.º 247/2014, de 18/12/2014); e) Conforme demonstrado nos autos, os prémios devidos aos jogadores resultantes das apostas vencedoras não constituem rendimento disponível da ora Recorrente, uma vez que, no que respeita a tais montantes, a Recorrente actua apenas como guardiã e depositária dos prémios devidos, até ao momento do seu pagamento, não podendo, em momento algum, utilizá-los em seu benefício; f) Assim sendo, apenas o resultado da sua actividade de exploração de jogos e apostas online, o qual corresponde ao conceito de receita bruta das apostas (i.e., o montante total das apostas deduzido dos prémios devidos aos jogadores), pode ser transferido para a conta operacional da Recorrente; g) O que significa que apenas a receita bruta constitui a margem da Recorrente, porquanto outros montantes de que esta dispõe, temporariamente, noutras fases do processo, não constituem rendimento (e, muito menos, rendimento disponível), pelo que se conclui que o rendimento real da actividade de exploração dos jogos e apostas online tem tradução directa no conceito de receita bruta destes, e não no conceito de montante total de apostas; h) Neste sentido, a norma versada no n.º 1 do artigo 90.º do RJO, na parte que se refere ao montante total de apostas online coincide com o conceito de receita bruta (e não com o volume total de apostas, que inclui os prémios devidos aos jogadores); i) Acresce que, também para efeitos contabilísticos, a noção de lucro ou proveito da actividade de exploração do jogo online coincide com o conceito de receita bruta (e não com o volume total de apostas, que inclui os prémios devidos aos jogadores); j) Acresce que um conceito de rendimento baseado no critério o montante de apostas (ou volume de negócios das entidades exploradoras) permite, no absurdo, e conforme já anteriormente aflorado, que exista tributação em IEJO mesmo nos casos em que não seja apurado qualquer lucro tributável, o que não se pode aceitar por violação, flagrante dos princípios constitucionais da tributação pelo lucro real e da capacidade contributiva; k) Ficou, pois, demonstrado nos autos que, contrariamente ao que acontece com um verdadeiro imposto sobre as receitas da actividade económica, a base de incidência das apostas à cota não cruzadas constante do n.º 1 do artigo 90.º do RJO não tem em conta a capacidade contributiva das entidades exploradoras, mas apenas e só o montante das apostas; l) Ao ignorar por completo os custos ou as margens das entidades exploradoras, o IEJO é devido independentemente do facto de as entidades exploradoras de apostas à cota não cruzadas terem, ou não, efectivo lucro, o que é manifestamente incompatível com o conceito de rendimento real da actividade de exploração de jogos e apostas online, pelo que inexistem, portanto, argumentos técnicos para incluir os prémios devidos aos jogadores no conceito de rendimento real (e disponível) do IEJO; m) Ficou, pois, demonstrado que a norma do art. 90.º n.º 1 do RJO, na parte em que determina a incidência do IEJO sobre as receitas resultantes do montante das apostas efectuadas, é inconstitucional, por violação directa dos princípios da tributação do rendimento real e da capacidade contributiva (art. 103.º da CRP) e da igualdade (art. 13.º da CRP), porquanto inclui, erradamente, os gastos incorridos pelas entidades exploradoras com os prémios devidos aos jogadores com apostas vencedoras, os quais não são parte integrante do conceito de lucro tributável (rendimento real), inexistindo qualquer fundamento racional, nomeadamente, ao nível da luta contra a fraude e evasão fiscal, que justifique essa violação dos preceitos constitucionais acima referidos; n) Em face do exposto, não restam quaisquer dúvidas de que a Sentença recorrida na qual é sustentando que o IEJO não é desconforme à Lei Constitucional e, em especial, que o artigo 90.º, n.º 1, do RJO, ao prever que nas apostas desportivas à cota, o IEJO incide sobre as receitas resultantes do montante das apostas efectuadas, não viola os princípios da tributação sobre o rendimento real, da capacidade contributiva e da igualdade, efectuou uma interpretação e aplicação inconstitucionais da referida norma do artigo 90.º, n.º 1, do IEJO, o que deverá ser reconhecido por este douto Supremo Tribunal Administrativo, desaplicando esta norma por inconstitucionalidade e, com esse fundamento, julgar ilegais as liquidações efectuadas com base nessa norma legal; o) Ficou demonstrado no presente recurso que o legislador optou por discriminar positivamente um certo tipo de apostas, nomeadamente, os jogos de fortuna e azar online, apostas hípicas online e apostas desportivas cruzadas online, em detrimento de outras, nas quais de incluem as apostas desportivas e hípicas à cota online. p) Com efeito, analisadas as diferentes modalidades de apostas online verifica-se que existe um favorecimento de um certo tipo de apostas em detrimento de outras, o que faz com que, sem qualquer fundamento, algumas entidades exploradoras sejam tributadas sobre a sua receita bruta, sendo, assim, apenas tributadas sobre a receita que efectivamente auferiram, e outras sejam tributadas sobre todos os montantes resultantes das apostas efectuadas pelos apostadores. Assim sendo, a ofensa da igualdade proporcional é evidente do cotejo do artigo 90.º, n.º 1, do RJO com o disposto no artigo 89.º, n.ºs 1 e 2, 90.º, n.º 1, do RJO; q) Ora, é sabido que o princípio constitucional da igualdade do cidadão perante a lei, consagrado no artigo 13.º da CRP, é um princípio estruturante do Estado de Direito Democrático e do sistema constitucional global, de conteúdo pluridimensional, que postula várias exigências, designadamente, a de obrigar a um tratamento igual de situações de facto iguais e a um tratamento desigual de situações de facto desiguais, não autorizando o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual de situações desiguais. Este princípio, na sua dimensão material ou substancial vincula, desde logo, o legislador ordinário; r) Acresce que, ainda que o critério subjacente à diferenciação introduzida seja, em si mesmo, constitucionalmente credenciado e racionalmente não infundado, a desigualdade justificada pela diferenciação de situações nem por isso se tornará “imune a um juízo de proporcionalidade” (cfr. Acórdão n.º 353/2012 do Tribunal Constitucional); s) A desigualdade do tratamento deverá, quanto à medida em que surge imposta, ser proporcional, quer às razões que justificam o tratamento desigual – não poderá ser “excessiva”, do ponto de vista do desígnio prosseguido – quer à medida da diferença verificada existir entre o grupo dos destinatários da norma diferenciadora e o grupo daqueles que são excluídos dos seus efeitos ou âmbito de aplicação; t) Sob tal perspectiva, a questão suscitada pela norma constante do artigo 90.º, n.º 1 do RJO, é a de saber se o tratamento concedido pelo legislador às apostas desportivas e hípicas à cota online, fazendo incidir a tributação sobre o montante das apostas efetuadas, corresponde a um tratamento proporcionalmente diferenciador do segmento atingido perante o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP; u) Mais concretamente, tratar-se-á de saber se a medida da diferença constitucionalmente tolerada se compadece com tratamento diferenciador levado a cabo pelo legislador ordinário. A igualdade proporcional só é aferível no contexto, pelo que há que atender ao conjunto diversificado de medidas, teleologicamente unificadas, que acompanham o tratamento de todas as matérias relacionadas com a tributação do jogo; v) Ora, ainda que se entenda que existem diferenças entre os tipos de jogos explorados (jogos de fortuna e azar online, apostas hípicas online, apostas desportivas...

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