Acórdão nº 02922/12.7BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelPEDRO VERGUEIRO
Data da Resolução13 de Dezembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Processo n.º 2922/12.7BELRS (Recurso de Revista) Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.RELATÓRIO “A... GROUP, SGPS, na qualidade de sociedade incorporante da A... CONCESSÕES DE TRANSPORTES, SGPS SA, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor Recurso de Revista, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 29-09-2022, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença de 26-10-2021 do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou a improcedente a impugnação judicial relacionada com as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e de juros compensatórios com os nºs ...88, ...89, ...90, ...91, ...92 e ...93, referentes ao primeiro, segundo e terceiro trimestre, do ano de 2011, efectuadas na sequência de um procedimento de inspecção, do qual resultaram correcções aritméticas à matéria colectável no montante global de € 119.899,04. Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “ (…) A. O presente recurso de revista vem interposto de um acórdão do TCA Sul que negou provimento ao recurso jurisdicional da A..., ora Recorrente, decidindo pela desconsideração das faturas que titulavam as prestações de serviço adquiridas e suportadas pela Recorrente, com base em vício formal, negando o exercício do direito à dedução do IVA suportado a montante, B. Tendo decidido não merecer censura a decisão de primeira instância que manteve a correção efetuada pela AT e a consequente liquidação de imposto e juros compensatórios, referentes ao primeiro, segundo e terceiro trimestres de 2011. C. Sinteticamente, o tribunal a quo fundamenta a decisão na (alegada) preterição das formalidades exigidas pelo artigo 36.º, n.º 5 do CIVA, que não permitirão descortinar a natureza e a extensão das prestações de serviços efetivamente realizadas através da “denominação usual” dos serviços prestados aposta nas facturas, D. E não tendo - em seu ver - os elementos adicionais carreados para os autos permitido esclarecer essas dúvidas, ficou assim prejudicado o direito à dedução. E. A Recorrente sustenta que, não sendo questionado o preenchimento dos pressupostos substantivos do direito à dedução, nem o facto de a Recorrente ter efetivamente suportado o encargo do IVA nas operações em apreço, não pode ficar precludido o seu direito à dedução, nomeadamente por força do princípio da neutralidade, trave-mestra deste imposto. F. Aliás, é isso que resulta do uniforme lastro jurisprudencial do TJUE, cuja compreensão se releva imprescindível para a boa decisão da causa, em particular, tendo em conta que o IVA é um imposto de matriz europeia. Sobre a admissibilidade do recurso: G. Tal como referido no ponto II das alegações, nos termos do artigo 285.º do CPPT, deve ser admitida a revista para o Supremo Tribunal Administrativo das decisões proferidas em segunda instância pelo TCA Sul em duas situações: (i) quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental; e (ii) quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito. H. No caso dos autos verificam-se ambas as situações descritas. I. Por um lado, e como demonstrado no ponto II.1.1 das alegações, deve considerar-se que está em causa uma questão de importância fundamental, pela sua relevância jurídica. J. Primeiramente porque está em causa, nos presentes autos, a aplicação de um regime contemplado do CIVA, cujas disposições, por resultarem da transposição da Diretiva IVA (o artigo 36.º do CIVA resulta da transposição do artigo 226.º da Diretiva IVA), devem necessariamente ser interpretadas de acordo com esse diploma, o que torna a sua aplicação e correta interpretação mais complexas. K. Assim, e tendo em conta a abundante jurisprudência do TJUE sobre o impacto dos vícios formais das faturas no direito à dedução dos sujeitos passivos, tantas vezes ignorada pela jurisprudência interna, urge a harmonização das decisões dos tribunais portuguesas com as matrizes traçadas pela comunidade europeia. L. De igual forma, o facto de os vícios formais das faturas serem suscetíveis de limitar ou mesmo impedir o direito à dedução, implica especial cuidado do julgador na sua análise e ponderação, uma vez que esse direito é fulcral para assegurar a neutralidade do imposto, indubitavelmente tido como uma das características estruturantes do IVA. M. Por outro, e como sustentado no ponto II.1.2. das alegações, deve igualmente considerar-se que o caso dos autos e a questão nele discutida se reveste de importância fundamental, pela sua relevância social, nomeadamente, por força da repercussão que terá noutros casos (o que levará a que a decisão que sobre ela recaia constitua indiscutivelmente “uma orientação para a apreciação de outros casos” e casos futuros). N. De facto, considerando a obrigatoriedade da emissão de fatura nos termos legais para todos os sujeitos passivos de IVA, e a suscetibilidade dos elementos nela apostos de limitar o direito à dedução, a questão em apreço é suscetível de ser tratada como um caso-tipo, replicável num número indeterminado - mas certamente alargado - de casos futuros. O. Por fim e como sustentado no ponto II.2. das alegações, in casu deve também entender-se que a admissão da revista se mostra necessária para uma melhor aplicação do Direito, uma vez que o decidido pelo Tribunal a quo enferma de um erro grave. P. De facto, o tratamento dado a esta questão, precisamente por ser díspar do caminho que vem percorrendo a jurisprudência nacional e europeia (além de incorreto, como veremos) vem fragilizar o exercício do direito à dedução dos sujeitos passivos de IVA, que, como está amplamente descrito, é fulcral para que imposto opere de acordo com as suas características estruturantes. Q. Mas mais do que isso, no cerne do presente recurso de revista está uma necessidade premente de corrigir um erro grosseiro, uma vez que, estando assegurada a correta cobrança do imposto, e sendo esta a finalidade das exigências formais das faturas, não existem razões para fazer prevalecer um vício formal face à substância das operações tituladas por fatura. R. Ao admitir-se a consolidação deste entendimento na ordem jurídica portuguesa, estar-se-ia a permitir um resultado verdadeiramente antijurídico: a dupla oneração do sujeito passivo que, tendo suportado o IVA na aquisição de serviços, fica impossibilitado de o deduzir, tratando-se de operações cuja efetiva realização e existência não se duvida! S. Assim sendo, e perante a importância das questões e ao mesmo tempo pela necessidade evidente de aplicar corretamente o Direito, é essencial a intervenção deste Supremo Tribunal, devendo ser admitido o presente recurso de revista, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 285.º do CPPT. Sobre a procedência do recurso: T. Avançando para a apreciação do fundo da decisão recorrida, objeto de revista, e que a Recorrente já acima enunciou, cumpre começar por salientar que, nos termos da jurisprudência reiterada do TJUE, citada por diversas vezes nas presentes alegações de recurso, a recusa do direito à dedução com fundamento em vícios formais só poderá ter lugar quando esses vícios sejam susceptíveis de prejudicar a exata cobrança de imposto e a correta fiscalização das operações realizadas, pelas autoridades fiscais. U. Ademais, a flexibilização dos requisitos formais da fatura é uma tendência amplamente reconhecida na jurisprudência europeia, segundo a qual o princípio da neutralidade exige que a dedução do IVA seja concedida quando os requisitos substantivos tenham sido cumpridos, mesmo quando os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. V. Nesse contexto, cumpre realçar que, tal como resulta da prova produzida nos autos, não há dúvida de que as prestações de serviços tituladas pelas faturas ocorreram, tendo o respetivo imposto sido suportado pela Recorrente. W. Com efeito, os serviços foram adquiridos pela Recorrente em benefício da sua participada, B... S.A., no âmbito de uma concessão pública, tal como resulta do contexto negocial melhor enquadrado no ponto III.1. e integralmente suportado pela factualidade dada como provada. X. Por outro lado, o cumprimento dos requisitos substantivos do direito à dedução não foi questionado pela AT, nem tão-pouco pelo tribunal recorrido. Y. No que diz respeito à denominação usual aposta nas faturas pela Recorrente, realce-se que a Diretiva IVA aponta precisamente para a utilização de expressões de caráter genérico, uma vez que a correta designação dos serviços prestados pretende tão-só permitir a determinação da taxa correcta de IVA aplicável a cada prestação de serviços. Z. A Recorrente entende que, tendo em conta, nomeadamente, o contexto negocial, que o tribunal conhece, os elementos carreados para o processo, e as faturas propriamente ditas, o tribunal, se não conhecia, passou a conhecer a natureza dos serviços prestados. AA. No entanto, ainda que assim não se entendesse, reitera-se que resulta sobejamente da jurisprudência interna e comunitária, bem como de doutrina especializada, que o direito à dedução não deve ser recusado em virtude da verificação de vícios formais, quando estejam cumpridos os requisitos substantivos para o seu exercício. BB. De facto, a atividade da Recorrente compreende, nomeadamente, a preparação e desenvolvimento dos processos de candidatura necessários ao sucesso da candidatura á concessão já referida, bem como a prestação de diversos serviços técnicos, administrativos, de prospeção e angariação de novas oportunidades de negócios às suas participadas. CC. Ora, não tendo sido questionado o cumprimento desses pressupostos, e sendo a Recorrente um sujeito passivo de IVA, e tendo os serviços adquiridos sido utilizados para a realização de operações tributáveis em sede de IVA...

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