Acórdão nº 02591/19.3BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelPEDRO VERGUEIRO
Data da Resolução13 de Dezembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.RELATÓRIO “A... LIMITED”, que opera sob a marca ..., devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 02-05-2023, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com as seguintes liquidações de Imposto Especial sobre o Jogo Online (IEJO), emitidas pelo Turismo de Portugal, I.P. no valor total de EUR 3.520.213,98: - Liquidação n.º ...19..., de 05.08.2019, relativa a julho de 2019, a qual apura um valor a pagar de EUR 805.089,56; - Liquidação n.º ...66..., de 05.09.2019, relativa a agosto de 2019, a qual apura um valor a pagar de EUR 1.262.328,84; - Liquidação n.º ...77..., de 04.10.2019, relativa a setembro de 2019, a qual apura um valor a pagar de EUR 1.452.795,58. Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “ (…) a) O presente recurso per saltum para o Supremo Tribunal Administrativo é interposto, nos termos e para os efeitos do n.º 1 in fine, do artigo 280.º do CPPT, contra a Sentença proferida no processo de impugnação judicial que correu termos, junto da 1.ª Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa, sob o n.º 2591/19.3 BELRS, nos termos da qual se julgou improcedente a Impugnação Judicial apresentada contra os atos de liquidação de IEJO, praticados pelo Turismo de Portugal, ao abrigo do RJO, por referência aos meses de julho, agosto e setembro de 2019, no montante total de € 3.520.213,98; b) A Sentença Recorrida incorreu em erro sobre os pressupostos de direito, julgando legais os atos de liquidação praticados ao abrigo de normas que violam de forma clara os princípios da tributação do rendimento real, da capacidade contributiva, da igualdade e da proporcionalidade, todos com previsão constitucional; c) Contudo, esta interpretação e aplicação dos princípios constitucionais por parte da Sentença recorrida não é, contrariamente ao que resulta da Sentença recorrida, perfilhado pela jurisprudência dos tribunais superiores e pela doutrina, sendo que a ora Recorrente logrou demonstrar no presente recurso que a Sentença recorrida efetuou uma errada interpretação e aplicação, no caso concreto, daqueles princípios constitucionais; d) Como é reconhecido pela jurisprudência dos tribunais Superiores, o IEJO é um “imposto “substitutivo” do IRC, sendo que é a própria jurisprudência do Tribunal Constitucional que reconhece que a tributação segundo o lucro real pressupõe que a determinação do lucro tributável seja efetuada de acordo com a contabilidade da empresa (cfr. Acórdão n.º 753/2014, proferido no processo n.º 247/2014, de 18/12/2014); e) Conforme demonstrado nos autos, os prémios devidos aos jogadores resultantes das apostas vencedoras não constituem rendimento disponível da ora Recorrente, uma vez que, no que respeita a tais montantes, a Recorrente atua apenas como guardiã e depositária dos prémios devidos, até ao momento do seu pagamento, não podendo, em momento algum, utilizá-los em seu benefício; f) Assim sendo, apenas o resultado da sua atividade de exploração de jogos e apostas online, o qual corresponde ao conceito de receita bruta das apostas (i.e., o montante total das apostas deduzido dos prémios devidos aos jogadores), pode ser transferido para a conta operacional da Recorrente; g) O que significa que apenas a receita bruta constitui a margem da Recorrente, porquanto outros montantes de que esta dispõe, temporariamente, noutras fases do processo, não constituem rendimento (e, muito menos, rendimento disponível), pelo que se conclui que o rendimento real da atividade de exploração dos jogos e apostas online tem tradução direta no conceito de receita bruta destes, e não no conceito de montante total de apostas; h) Neste sentido, a norma versada no n.º 1 do artigo 90.º do RJO, na parte em que se refere ao montante total de apostas online como critério de base de incidência do IEJO, viola, contrariamente ao que foi o entendimento da Sentença recorrida, gravemente os princípios constitucionais do rendimento real e da capacidade contributiva a que acima já se fez referência; i) Acresce que, também para efeitos contabilísticos, a noção de lucro ou proveito da atividade de exploração do jogo online coincide com o conceito de receita bruta (e não com o volume total de apostas, que inclui os prémios devidos aos jogadores); j) Acresce que um conceito de rendimento baseado no critério do montante de apostas (ou volume de negócios das entidades exploradoras) permite, no absurdo, e conforme já anteriormente aflorado, que exista tributação em sede de IEJO mesmo nos casos em que não seja apurado qualquer lucro tributável, o que não se pode aceitar por violação, flagrante dos princípios constitucionais da tributação pelo lucro real e da capacidade contributiva; k) Ficou, pois, demonstrado nos autos que, contrariamente ao que acontece com um verdadeiro imposto sobre as receitas de uma atividade económica, a base de incidência das apostas à cota não cruzadas constante do n.º 1 do artigo 90.º do RJO não tem em conta a capacidade contributiva das entidades exploradoras, mas apenas e só o montante das apostas; l) Ao ignorar por completo os custos ou as margens das entidades exploradoras, o IEJO é devido independentemente do facto de as entidades exploradoras de apostas à cota não cruzadas terem, ou não, efetivo lucro, o que é manifestamente incompatível com o conceito de rendimento real da atividade de exploração de jogos e apostas online, pelo que inexistem, portanto, argumentos técnicos para incluir os prémios devidos aos jogadores no conceito de rendimento real (e disponível) do IEJO; m) Ficou, pois, demonstrado que a norma do art.º 90 n.º 1 do RJO, na parte em que determina a incidência do IEJO sobre as receitas resultantes do montante das apostas efetuadas, é inconstitucional, por violação direta dos princípios da tributação do rendimento real e da capacidade contributiva (art.º 103 da CRP), e da igualdade (art.º 13 da CRP), porquanto inclui, erradamente, os gastos incorridos pelas entidades exploradoras com os prémios devidos aos jogadores com apostas vencedoras, os quais não são parte integrante do conceito de lucro tributável (rendimento real), inexistindo qualquer fundamento racional, nomeadamente, ao nível da luta contra a fraude e evasão fiscal, que justifique essa violação dos preceitos constitucionais acima referidos; n) Em face do exposto, não restam quaisquer dúvidas de que a Sentença recorrida na qual é sustentado que o IEJO não é desconforme à Lei Constitucional e, em especial, que o artigo 90.º, n.º I, do RJO, ao prever que nas apostas desportivas à cota, o IEJO incide sobre as receitas resultantes do montante das apostas efetuadas, não viola os princípios da tributação sobre o rendimento real, da capacidade contributiva e da igualdade, efetuou uma interpretação e aplicação inconstitucionais da referida norma do artigo 90.º, n.º 1, do IEJO, o que deverá ser reconhecido por este douto Supremo Tribunal Administrativo, desaplicando esta norma por inconstitucionalidade e, com esse fundamento, julgar ilegais as liquidações efetuadas com base nessa norma legal; o) Ficou demonstrado no presente recurso que o legislador optou por discriminar positivamente um certo tipo de apostas, nomeadamente, os jogos de fortuna e azar online, apostas hípicas online e apostas desportivas cruzadas online, em detrimento de outras, nas quais de incluem as apostas desportivas e hípicas à cota online; p) Com efeito, analisadas as diferentes modalidades de apostas online verifica-se que existe um favorecimento de um certo tipo de apostas em detrimento de outras, o que faz com que, sem qualquer fundamento, algumas entidades exploradoras sejam tributadas sobre a sua receita bruta, sendo, assim, apenas tributadas sobre a receita que efetivamente auferiram, e outras sejam tributadas sobre todos os montantes resultantes das apostas efetuadas pelos apostadores. Assim sendo, a ofensa da igualdade proporcional é evidente do cotejo do artigo 90.º, n.º 1, do RJO com o disposto no artigo 89.º, n.ºs 1 e 2, 90.º, n.º 7, 91.º, n.º 1, do RJO; q) Ora, é sabido que o princípio constitucional da igualdade dos cidadãos perante a lei, consagrado no artigo 13.º da CRP, é um princípio estruturante do Estado de Direito Democrático e do sistema constitucional global, de conteúdo pluridimensional, que postula várias exigências, designadamente, a de obrigar a um tratamento igual de situações de facto iguais e a um tratamento desigual de situações de facto desiguais, não autorizando o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual de situações desiguais. Este princípio, na sua dimensão material ou substancial vincula, desde logo, o legislador ordinário; r) Acresce que, ainda que o critério subjacente à diferenciação introduzida seja, em si mesmo, constitucionalmente credenciado e racionalmente não infundado, a desigualdade justificada pela diferenciação de situações nem por isso se tornará “imune a um juízo de proporcionalidade” (cfr. Acórdão n.º 353/2012 do Tribunal Constitucional); s) A desigualdade do tratamento deverá, quanto à medida em que surge imposta, ser proporcional, quer às razões que justificam o tratamento desigual - não poderá ser "excessiva", do ponto de vista do desígnio prosseguido - quer à medida da diferença verificada existir entre o grupo dos destinatários da norma diferenciadora e o grupo daqueles que são excluídos dos seus efeitos ou âmbito de aplicação; t) Sob tal perspetiva, a questão suscitada pela norma constante do artigo 90.º, n.º 1 do RJO, é a de saber se o tratamento concedido pelo legislador às apostas desportivas e hípicas à cota online, fazendo incidir a tributação sobre o montante das apostas efetuadas, corresponde a um tratamento proporcionalmente diferenciador do segmento atingido perante o princípio da igualdade consagrado no...

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