Acórdão nº 12831/20.QT8SNT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelFERREIRA LOPES
Data da Resolução12 de Dezembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça “PLC – Estratégia e Gestão, Lda.”, intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra: 1º “A..., S.A.”, 2º AA, 3º BB, 4º CC, 5º DD, 6º EE, todas, as partes, melhor identificadas nos autos, formulando o seguinte pedido: serem, os Réus, condenados a pagar, à Autora, a quantia de €: 328.556,12 (trezentos e vinte e oito mil quinhentos e cinquenta e seis juros e doze cêntimos) a acrescer dos juros vincendos à taxa de legal aplicável.

Alegou para tanto e em síntese: Em 2008, a ora Autora propôs contra a Ré, ação declarativa por via da qual a aqui Ré veio a ser condenada no valor de €165.431,20, acrescido de juros de mora, conforme sentença que veio a transitar em julgado em 2018; Veio a Autora a saber que a ora Ré tinha proposto “Processo Especial de Revitalização”, cujo plano de recuperação já tinha sido homologado em 2014, sem que a ora Ré tivesse notificado a Autora desse procedimento; e sem que a ora Autora tivesse sido convidada a participar nas negociações ou identificada na relação de credores; também não tendo sido requerida a suspensão daquele processo declarativo; de forma que A ora Autora se encontra compelida a um plano de recuperação no qual não pôde ter qualquer intervenção; tendo, os Réus, Pretendido ocultar, da Autora, voluntariamente, aquele PER, evitando relacionar o crédito da Autora; Tendo engendrado a propositura do PER e as sobreditas omissões para a eventualidade de não ter sucesso no processo declarativo supra referido, com o único intuito de prejudicar a Autora e de não lhe pagar o crédito que sabia ser-lhe devido, com o que os Réus causaram danos à Autora; que, assim, está impedida de ver o seu crédito ressarcido.

Os Réus vieram contestar alegando, em suma, no que aqui interessa, que: Autora omitiu que intentou ação executiva contra a ora Ré em que peticionava o pagamento de €321.490, 21 com base na sentença condenatória no valor de €165.431,20; e que A ora Ré, ali Executada, deduziu oposição à execução; o que veio a culminar em Acórdão do STJ em que se decidiu que aquele crédito litigioso já existia à data da aprovação do PER e que estava na disponibilidade da sociedade recuperanda a possibilidade de prever e incluir os créditos litigioso no PER; mais invocando Α prescrição do crédito invocado; e que A ora Ré não notificou a ora Autora das negociações com vista à sua revitalização porque, nessa data, a Autora ainda não era sua credora, dado que o crédito desta só veio a ser reconhecido por sentença mais de dois anos após a aprovação do PER; tratando-se, portanto de um crédito litigioso; além do que Face à publicidade do anúncio referente à publicidade do despacho de nomeação de administrador judicial provisório, a Autora podia ter apresentado a sua reclamação de créditos; mais salientando que Não obstante entenderem que a Autora não era sua credora, os Réus cuidaram, em sede do PER, de prever a possibilidade de esse crédito vir a existir; ficando a constar do plano de recuperação que os créditos anteriores que viessem a ser reconhecidos no futuro seriam tratados nas mesmas condições previstas no Plano para créditos da mesma categoria/natureza; Nega ter praticado facto ilícito o que impossibilita a responsabilidade civil extracontratual; e Mesmo que a ora Autora tivesse tido oportunidade de votar no PER, o seu voto sempre seria equivalente a 3, 06% dos créditos, o que não alterava o rumo da votação, de forma que a Autora se encontraria mesma posição em que ora se encontra; ao que tudo acresce, na alegação dos Réus, Pedem a condenação da Autora como litigante de má fé.

A Autora apresentou articulado de resposta.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou acção improcedente, com a consequente absolvição dos RR do pedido.

A Autora interpôs recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça, no qual formula as seguintes conclusões: A) Decorre da Douta Sentença ora recorrida que se mostra assente que a “1ª Ré não notificou a aqui Autora do início daquele processo especial de revitalização; não a convidou a participar nas respetivas negociações; e não identificou a ora Autora na correspondente relação de credores; bem como, não requereu a suspensão do acima identificado processo declarativo (nº 1816/08.5...) com base na prolação do despacho de recebimento do supra indicado processo especial de revitalização.

E tudo isto, ao contrário do que preconizam (e preconizavam) os artigos 17º D, nº 1 e 17º E, nº 1, ambos, do CIRE.” B) É ainda referido no mesmo Douto Aresto “que, quanto à questão da intervenção de credores no PER, à luz dos preceitos legais sobre a questão, a comunicação do devedor, não é sequer vista como essencial.”.

  1. Ora, “in casu” não estamos a dirimir a essencialidade da comunicação do artigo 17º D nº 1 do CIRE nem tão pouco a possibilidade da Recorrente reclamar ou não os créditos, mas sim as consequências, para os administradores de facto e de direito de uma sociedade devedora quando, através da omissão dessas mesmas comunicações, causam aos credores prejuízos, conforme resulta do nº 11 do artigo 17º D do CIRE e que atualmente, por força da entrada em vigor da Lei nº 9/2022, se encontra prevista no nº 13 do mesmo preceito legal.

  2. Da matéria provada nos pontos 6 e 7 e não provada no seu ponto 4 resulta, insofismavelmente, que os Recorridos não pretenderam, voluntariamente e assim, com manifesto dolo, que a Recorrente tivesse qualquer tipo de participação e escrutínio no processo especial de revitalização em causa.

  3. Conforme resulta aliás da transcrição da Douta Sentença supra mencionada, os Recorridos preteriram voluntariamente duas comunicações a que se encontravam legalmente adstritos ou seja, a prevista no artigo 17º D nº 1 do CIRE, bem como a do art. 17º-E, nº1, com a redacção vigente à data dos factos que dispunha: “A decisão a que se refere o nº4 do art. 17º-C obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra a empresa e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto à empresa, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.” F) Face ao exposto, os Recorridos para além de não fazerem a comunicação do início do processo também não comunicaram a necessária suspensão da ação declarativa, tudo como o único evidente, firme e doloso propósito, repete-se, de colocar a Recorrente à margem da reestruturação judicial em curso.

  4. É entendimento da Douta Sentença ora recorrida, que a Recorrente não pode perfilhar, que “a Autora alega que, por via das invocadas omissões da aqui 1ª Ré, esteve impedida de negociar no PER, pelo que se encontra subjugada a um plano de recuperação em que não pôde ter qualquer intervenção.

    É verdade. Contudo, a Autora, também, não invoca factualidade da qual se possa retirar que a sua intervenção teria conduzido a resultado diverso; devendo considerar-se o valor relativo do seu crédito (e correspondente direito de voto) sabendo-se que os créditos reconhecidos foram no valor total de 8 395 775, 20 euros; e que a Proposta de Plano de Revitalização, que foi sujeita a votação, recebeu votos favoráveis dos credores, correspondentes a 100% dos créditos com direito de voto – cfr. art. 17º F, nºs 3 e 4, do CIRE, então, vigente (versão de 2012).” H) A Recorrente não perfilha este entendimento pois é certo que, ao não ter tido intervenção no processo, ficou totalmente impossibilitada de o escrutinar e assim, por exemplo, proceder à impugnação dos valores dos créditos, à impugnação da categoria e a qualificação desses mesmos créditos bem como recorrer da sentença homologatória, o que permitiu aos Recorridos aprovar, a seu “bel prazer”, um plano de recuperação da sua total conveniência, com pagamentos distintos a credores com a mesma categoria violando o principio da igualdade, obtendo assim a totalidade de votos favoráveis e tudo de forma a prejudicar objetivamente a Recorrente, desiderato este que conseguiram atingir.

  5. Assim, evidente se torna que a intervenção da Recorrente no processo teria certamente conduzido a um resultado diverso e, face à conduta totalmente ilícita dos Recorridos, ficou obrigada a um plano de recuperação que lhe foi imposto, sem qualquer escrutínio e com manifestas ilegalidades que lhe permitiram obter um raríssimo e fácil caso de unanimidade na sua aprovação.

  6. E ao ser-lhe imposto, a Recorrente vai-se limitar a receber o capital em singelo do seu crédito durante um longínquo período de quinze anos, contrariamente a outros credores com a mesma categoria, verificando-se assim, repete-se, uma evidente preterição do princípio da igualdade. (v.g. páginas 19 a 21 do plano de recuperação junto à pi como seu doc.nº 5), K) quando é certo que lhe eram devidos os juros moratórios que, à data da propositura desta ação, montavam a €: 159.124,92 (cento e cinquenta e nove mil cento e vinte e quatro euros e noventa e dois cêntimos), para além da indemnização por litigância de má-fé pela qual a Recorrida sociedade foi condenada no valor de €: 4.000,00 (quatro mil euros).

  7. É manifesto, face à matéria dada como provada, que os Recorridos engendraram a propositura do PER com todas as “omissões” daí decorrentes para a eventualidade de não ter sucesso no processo declarativo e com o único propósito de prejudicar a Recorrente e impedi-la de se ver ressarcida da totalidade do seu crédito, sendo a sua estratégia malévola, abusiva e de má-fé; M) Os atos praticados pelos Recorridos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT