Acórdão nº 3146/20.5T8VFX-B.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA OLINDA GARCIA
Data da Resolução12 de Dezembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n. 3146/20.5T8VFX-B.L1.S1 Recorrentes: “J. .. ...... .........., Ldª” Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1. Decretada a insolvência da sociedade “M..... ...... .. .... .., Ldª”, os credores “J. .. ...... .........., Ldª” e “C..... ........ . ......, Ldª” requereram a abertura de incidente para qualificação dessa insolvência como culposa.

Fundaram tal pretensão no art. 186º, nº 2, als. a), d), f), g) e h) e nº 3, als. a) e b) CIRE, requerendo que a qualificação da insolvência afetasse os seguintes sujeitos: AA, BB, CC e DD; os primeiros na qualidade de gerentes de direito e os segundos na qualidade de gerentes de facto da insolvente.

  1. A Administradora da Insolvência apresentou parecer, no qual concluiu pela qualificação da insolvência como culposa, com fundamento no art. 186º, nº 2, alíneas a) e d), e nº 3, alínea b), com afetação dos sujeitos indicados pelos credores.

  2. O Ministério Público acompanhou o parecer da administradora da insolvência e concluiu pela qualificação da insolvência como culposa, com fundamento no art. 186º, nº 1, nº 2, alíneas a) e d) e nº 3, alínea b) do CIRE, indicando os gerentes da insolvente como pessoas a afetar pela qualificação.

  3. Os requeridos CC e DD deduziram oposição conjunta, alegando, além do mais, que nunca tinham sido gerentes de facto; e pediram a sua não afetação e a absolvição de qualquer responsabilidade.

  4. Os gerentes AA e BB deduziram oposição conjunta, pedindo a qualificação da insolvência como fortuita; ou, caso assim não se entendesse, a sua não afetação pela qualificação da insolvência como dolosa.

  5. A primeira instância julgou o incidente improcedente, por não provado, e qualificou a insolvência como fortuita.

  6. Contra tal decisão, os credores requerentes interpuseram recurso de apelação, tendo o TRL, depois de proceder à alteração da matéria de facto, proferido decisão com o seguinte dispositivo: «Por todo o exposto, acordam as juízas que integram a 1ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar a apelação parcialmente procedente e, consequentemente, na revogação da decisão recorrida, que se substitui por outra a: a) Qualificar a insolvência de M..... ...... .. .... .., Ldª como culposa; b) Declarar afetados pela qualificação os recorridos AA e BB; c) Declarar os recorridos AA e BB inibidos pelo período de três anos para a administração de patrimónios de terceiros, para o exercício do comércio, e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação, fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa; e) Condenar os recorridos AA e BB a indemnizar cada um dos titulares de créditos de natureza laboral (originários ou sub-rogado) reconhecidos nos autos pelo montante não satisfeito pela massa insolvente.

    » 8. O credor “J. .. ...... .........., Ldª” (requerente do incidente de qualificação da insolvência) interpôs recurso de revista, tendo, nas suas alegações, apresentado as seguintes conclusões: «1.

    Porque os Recorrentes apresentaram recurso de apelação , arguindo (i) a nulidade da sentença com fundamento legal no art. 615.º, nº 1, al. b) e c) do CPC, (ii) o erro de julgamento de facto (itens 39, 42, 43 e 53 dos factos provados, bem como que as alíneas b), c) e d) dos factos não provados do segmento da decisão passassem, ao invés, a constar da matéria de facto dada como provada), (iii) a ampliação à matéria de facto assente, (iv) erro no julgamento de direito e, por fim, (v) a qualificação da insolvência como culposa, com as consequências legais previstas pelo art. 189.º, nº 2 (inibição e indemnização); 2. Porque o Tribunal considerou, em síntese, (i) a qualificação da insolvência de M..... ...... .. .... .., Ldª como culposa, (ii) declarar afectados pela qualificação os recorridos AA e BB, (iii) Declarar os recorridos AA e BB inibidos pelo período de três anos para a administração de patrimónios de terceiros, para o exercício do comércio, e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação, fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa e, (iv) Condenar os recorridos AA e BB a indemnizar cada um dos titulares de créditos de natureza laboral (originários ou sub-rogado) reconhecidos nos autos pelo montante não satisfeito pela massa insolvente; 3. Porque o Tribunal sustentou a decisão com base na circunstância do prejuízo sofrido pelos credores ter resultado «verificado na medida dos créditos laborais, sendo abrangidos e beneficiados pela obrigação de indemnização que recai sobre os recorridos AA os remanescentes dos créditos que dessa natureza (originários ou por sub-rogação/habilitação) constem reconhecidos nos autos», nesse sentido rejeitando a consequência legal indemnizatória prevista no nº 2 do artigo 189.º do CIRE, por não condenar os Recorridos a indemnizar a aqui Recorrente, credora e requerente do incidente, no montante do crédito não satisfeito; 4. Porque a admissibilidade do recurso fundamenta-se na existência de um conflito jurisprudencial entre o Acórdão revidendo e duas outras Decisões, uma proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 06-09-2022 no âmbito do processo n.º 291/18.0T8PRG-C.G2.S1 cuja cópia se junta), e outra proferida pelo Tribunal da Relação do Porto em 11-05-2020 no âmbito do processo n.º 1205/16.8T8AMT-B.P2, sendo portanto admissível ao abrigo da 2ª parte do artigo 14.º do CIRE; 5. Porque o presente recurso tem, por isso, como objecto a matéria de Direito do Acórdão proferida nos presentes autos; 6. Porque o Acórdão revidendo está em contradição com o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça que entende que a indemnização devida aos credores do devedor declarado insolvente deverá, em princípio e tendencialmente corresponder à diferença entre o valor global do passivo e o que o ativo que compõe a massa insolvente logrou cobrir, pois é essa diferença que representa o prejuízo dos credores.

  7. Porque, ademais, está em contradição com o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto que entende que a indemnização devida aos credores do devedor declarado insolvente não é bem da insolvente à data da declaração da insolvência, pelo que a indemnização que se arbitre no incidente de qualificação da insolvência é directamente fixada a favor dos credores cujos créditos ficaram por satisfazer na insolvência, sem distinção entre eles.

  8. Porque, efectivamente, o Tribunal a quo apenas deveria ter fixado um montante indemnizatório inferior ao montante dos créditos reconhecidos em face de circunstâncias especiais que demonstrem uma atenuação do grau de culpa do afectado e que resulte da prova que houvesse sido produzida.

  9. Porque, ademais, o Tribunal a quo deveria ter atribuído a indemnização em benefício de todos os credores cujos créditos ficaram por satisfazer na insolvência.

  10. Porque, o Tribunal a quo, ao decidir conforme decidiu fez uma interpretação extensiva do normativo legal, interpretou erradamente o normativo legal, porquanto diferenciou, ao contrário do legislador e, consequentemente, do seu espírito, os credores do devedor declarado insolvente.

  11. Porque o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, violou ainda as normas contidas violou o disposto na alínea e) do nº 2 do artigo 189.º do CIRE, preceito este que deveria ter sido interpretado no sentido de que a indemnização devida aos credores a cargo do afetado pela insolvência culposa deverá, em princípio e tendencialmente, corresponder à diferença entre o valor global do passivo e o que o ativo que compõe a massa insolvente logrou cobrir; 12. Porque o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, violou ainda as normas contidas violou o disposto na alínea e) do nº 2 do artigo 189.º do CIRE, preceito este que deveria ter sido interpretado no sentido de que a indemnização que se arbitre no incidente de qualificação da insolvência é directamente fixada a favor dos credores cujos créditos ficaram por satisfazer na insolvência, sem distinção entre eles; 13. Porque a interpretação exposta, no douto Acórdão revidendo, no sentido das alterações consagradas na Lei n.º 9/2022 de 11.01 determinarem que, no caso concreto dos autos recorridos, a indemnização proveniente da responsabilidade pessoal ou própria dos afectados se verifica de acordo com a graduação legal dos reconhecidos, padece de inconstitucionalidade, preceito este que deveria ter sido interpretado no sentido de que, sendo explicitamente destinatários de tal indemnização aqueles credores e naqueles termos e, não sendo tal indemnização integrante da massa insolvente, devem todos aqueles credores, em sede de critério para a distribuição da respectiva quantia, ser considerados como comuns e entre eles ser feito o respectivo rateio a indemnização devida aos credores a cargo do afetado pela insolvência culposa e que deverá, em princípio e tendencialmente, corresponder à diferença entre o valor global do passivo e o que o ativo que compõe a massa insolvente logrou cobrir.

    Termos em que se requer a V. Exa. se digne a conceder a revista e revogar o Acórdão revidendo, substituindo-o por outro que condene os Recorridos a indemnizar os credores cujos créditos ficaram por satisfazer na insolvência.» Cabe apreciar.

    * II. FUNDAMENTOS 1. Admissibilidade e objeto do recurso Embora o incidente a que respeita a presente ação corresponda a matéria de natureza insolvencial, não tem aplicação o regime específico de revista previsto no art.14º do CIRE, como decorre da formulação literal dessa norma (porque não se trata de decisão proferida no processo de insolvência) e como a jurisprudência do STJ tem reiteradamente entendido (não sendo...

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