Acórdão nº 2369/21.4T8PNF.P1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução12 de Dezembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA e mulher, BB propuseram contra Oceanlight, S.A., uma acção na qual pediram a sua condenação «– A) A concorrer para a demarcação das estremas entre o prédio dos AA. e os prédios contíguos da Ré; – B) A reconhecer e ver declarado que essa demarcação deverá ser feita pela linha divisória, traçada a cor vermelha, entre os mencionados prédios contíguos ou confinantes, de Autores e Ré, nas confrontações norte e poente (na perspetiva dos AA.) e sul e nascente (na perspetiva da R.) definida na planta topográfica, à escala 1/500, já junta por certidão como doc. n,º 20, e conforme foi decidido pelo douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 17-01-2021, transitado em julgado; – C) A pagar as custas processuais.» Para o efeito, e em síntese, alegaram ser proprietários de um prédio rústico confinante com prédios da ré; que a ré tem vindo a ocupar, por diversas formas, uma faixa de terreno de que são proprietários, seja por compra judicial, seja por usucapião; que autores e ré estão em desacordo sobre a delimitação recíproca dos prédios de que são proprietários.

Alegou ainda que “viram-se já na necessidade de instaurar contra as duas sociedades comerciais anteproprietárias, (…) a ação de processo comum e na forma ordinária n.º 2040/07.0..., do extinto 1.º Juízo Cível do extinto Tribunal Judicial da Comarca de Paços de Ferreira, pedindo a condenação destas a reconhecer que a parcela de terreno pertencente aos AA. possui a área de 11.247 m2, bem como a procederem à demolição das construções que ocupam o limite desse prédio, bem como à cessação da passagem através da faixa de terreno do mesmo que confina com os muros de vedação daquelas – atualmente da ora Ré -, com a execução do tapamento total destes muros nos pontos de confrontação direta com os AA., conforme certidão judicial que se junta e aqui se dá como reproduzida e integrada (Doc. n.º 19), E através do douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 17-01-2012, transitado em julgado em 08-02-2012, foram as ali RR. condenadas nos aludidos pedidos formulados pelos AA. (ut doc. n.º 19 já junto).” A ré contestou, por impugnação e por excepção. Por entre o mais, negou que se verificasse «qualquer efeito de caso julgado do processo 2040/07.0... em relação aos presentes autos, tal como não houve em relação ao seu “processo irmão” 839/19.3...»; mas afirmou que ocorria a excepção de caso julgado, ou, e se assim se não entender, de autoridade de caso julgado, relativamente à “determinação da estrema no ribeiro público, à improcedência da posse dos AA. sobre a referida faixa de terreno e à inexistência de qualquer caminho público”, com fundamento “na decisão proferida no âmbito do processo 839/19.3...”; e que, pelo menos, “sempre teria o tribunal de dar como assente a decisão e os factos provados e não provados em sede da decisão transitada em julgado nos autos do 839/19.3... aquando da aferição dos critérios estabelecidos no artigo 1354º do Código Civil.” Concluiu a contestação requerendo que se decidisse a) Julgar provada e procedente a excepção de caso julgado da decisão do processo 839/19.3... que obsta à apreciação do mérito da presente acção por repetição da presente causa; b) Se assim não se entender”, que se decrete “por efeito da autoridade do caso julgado da decisão do processo 839/19.3... como provados os factos aí dados por assentes designadamente as demarcações constantes dos títulos e demais documentação e decisões judiciais (nomeadamente a confrontação dos prédios dos AA e R no ribeiro público), bem como a improcedência da posse alegada pelos AA sobre a especifica faixa de terreno em discussão e a inexistência de qualquer caminho público; c) Em todo o caso”, que se julgasse “não provada e improcedente a presente acção, reconhecendo a limitação dos prédios dos AA e R no ribeiro público e por via disso absolver a R. do pedido.” A acção veio a ser decidida no despacho saneador, que julgou “verificada a excepção do caso julgado formado pela decisão proferida nos autos sob o n.º 839/19.3... correram termos neste Juízo Central Cível de P....... (J2)” e absolveu a ré da instância.

Em breve síntese, o Tribunal entendeu que «A improcedência da precedente acção de reivindicação fundada na não demonstração pelos ali e ora AA do “conteúdo do seu direito de propriedade sobre o prédio” impede já esta subsequente tentativa, mediante nova ação judicial, de delimitação/quantificação da “extensão” do prédio, mediante acção de demarcação.

Sendo certa a diversa natureza e finalidade – mormente por reporte ao objeto substantivo, às questões a tratar e aos objetivos a atingir – da ação de reivindicação e da ação de demarcação, também é claro que esta acção repete o “conflito” anterior, quanto à extensão do direito de propriedade dos AA sobre a concreta parcela cujo direito se lhes não reconheceu na acção pretérita.

Quer dizer, nessa anterior acção, como agora, quando se considere a causa de pedir, está essencialmente em causa a divergência sobre a propriedade de uma faixa de terreno, agora a pretexto de um litígio sobre as estremas, que se vislumbra não o ser, tal a coincidência entre a área reivindicada e aquela quanto à qual se pretende a demarcação… Evidente ou manifesto é que a decisão desta ação de demarcação colidiria com o já decidido na anterior ação (seja por contradição ou mera repetição face ao sentido decisório firmado), em que a decisão respetiva transitou em julgado (risco de dupla decisão judicial sobre um mesmo objeto processual).

Inviável, pois, a pretensão de nova reapreciação da matéria já alegada e indemonstrada na acção anterior nesta acção judicial, a pretexto agora de uma indefinição de estremas (que se alcança da causa de pedir ser antes uma pretensão de reapreciação da integração da parcela reivindicada no imóvel cuja propriedade foi já reconhecida aos AA), sendo que, por interpretação, o pedido de demarcação vai referido ao preciso e exacto efeito útil já visado com a acção anterior.

Há caso julgado quando a ação de demarcação seja intentada depois de perdida uma ação de reivindicação, com o mesmo objetivo de obter para o autor a restituição da mesma parcela de terreno cuja posse tinha anteriormente reivindicado.

Em causa, manifesta e indisfarçadamente, o propósito de obter o reconhecimento da propriedade através do instituto da acção de demarcação. É o que mais se infere da invocação pelos AA de uma da linha de demarcação e dos termos concretos desta (quando é sabido que o instituto da acção de demarcação pressupõe a própria inexistência de demarcação em si…).

Pese embora a formulação hábil do pedido, o que os AA reclamam vem a ser a delimitação como sua de uma parcela de terreno bem definida, escondendo o objecto de uma verdadeira reivindicação, precisamente aquela que improcedeu já, julgada neste Juízo e transitada.

Os AA. invocam os seus títulos de aquisição do prédio confinante com o da Ré e, fundando-se neles, como nos exactos e mesmíssimos factos correspondentes à posse em termos de um direito de propriedade por lapso de tempo contínuo, traçam uma linha divisória precisa, definindo claramente as estremas, reconduzindo-se à integração no seu imóvel da exacta e mesmíssima parcela cuja reivindicação soçobrou nos autos que correram termos sob o n.º 839/19.3...… Nessa parte, [que não já na inferência de que a decisão absolutória corresponde a uma qualquer declaração do contrário da alegação dos AA e por isso que a linha divisória entre os imóveis o é a do regato…, uma vez que não é evidentemente essa a afirmação da sentença absolutória], assiste razão à Ré.

Concluindo, a excepção de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em ação anterior, com objeto parcialmente coincidente face ao da ação posterior, visando evitar que a relação ou situação jurídica material definida pela sentença anterior seja definida de modo diverso por outra sentença, não se exigindo a completa identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir.» Este saneador-sentença veio a ser revogado pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que, consequentemente, determinou o prosseguimento do processo.

Em síntese, a Relação considerou que a “questão fulcral” a decidir era a de saber se, não obstante «a diferença entre o pedido e a causa de pedir nas acções de reivindicação, ou seja, a acção que correu termos sob o n.º 839/19.3... – que é pacificamente aceite como uma típica acção de reivindicação – e a presente acção de demarcação,» «como, aliás, também se reconhece na decisão recorrida» se verificava ou não a excepção de caso julgado, como decidira a 1.ª instância, entendendo que, “«apesar de tais diferenças, o objecto do actual litígio, segundo o sustentado pela 1ª instância, é, ainda que de forma ínvia, o mesmo objecto do anterior litígio que já correu entre as mesmas partes, objecto este que atina com a arrogada propriedade sobre a parcela de terreno de 1. 850 m² ora em causa e com a sua integração no prédio dos Autores (segundo a linha divisória ou estrema invocada pelos mesmos), sendo certo que na sentença proferida naquela acção 839/19.3..., transitada em julgado, aquele direito de propriedade sobre tal faixa de terreno não foi reconhecido aos mesmos Autores.» Ora, entendeu ainda o acórdão recorrido, «1ª A causa de pedir e o pedido formulado nas duas acções são distintos, não se podendo, com o devido respeito, sustentar que a presente acção é a repetição da prévia acção de revindicação que correu termos sob o n.º 839/19.3...; 2ª Por conseguinte, inexistindo a tríplice identidade, no caso, ao nível da causa de pedir e dos pedidos formulados nas duas acções, não é defensável que ocorra a excepção de caso julgado, conforme se decidiu no acto decisório ora sob recurso».

  1. Oceanlight, S.A, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos...

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