Acórdão nº 9240720.5T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelMANUEL CAPELO
Data da Resolução12 de Dezembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Relatório AA e BB instauraram ação declarativa comum contra Caixa Económica Montepio Geral SA e NOS – Comunicações, SA, pedindo a condenação solidária das rés a pagar-lhes: - € 38.784,00 acrescida de juros de mora desde a data do conhecimento dos factos até à data do pagamento; - € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, desde a data da citação até integral pagamento.

Alegaram que em 11/03/2019 a A. recebeu uma sms que acreditou ser enviado pela 1ª R. referindo que o seu acesso à NET24 estava inativo e que teria de aceder ao site ali mencionado com designação Montepio e com hiperligação direta e alterar o seu Código PIN de modo a voltar a ter acesso à NET24 e ao seu cartão matriz, tendo assim procedido.

Referem que no dia 12/03/2019, foram realizadas 20 operações bancárias/pagamentos no valor total de 38.784 € no espaço de 20 minutos, que não foram autorizadas pelos AA e cujo destinatário desconhecem. As operações foram efetuadas através da utilização dos dados pessoais da 2ª A: número de cliente, código PIN e com coordenadas aleatórias do seu cartão matriz, validadas com código de autorização enviado por sms para o telemóvel associado à conta, por terceiros que obtiveram a segunda via do cartão SIM junto da 2ª R.

Concluem que competia às RR assegurar a segurança da utilização dos seus serviços aos seus clientes através de barreiras técnicas que impeçam estes esquemas fraudulentos, pedindo o valor dos montantes indevidamente retirados da conta e ainda pela angústia e revolta, tendo desistido de planos familiares que haviam traçado para as poupanças dos últimos 20 anos, danos morais no valor peticionado.

Os Réus, citados pessoal e regularmente, apresentaram contestação, pugnando pela improcedência, arguindo a 1ª ré a atitude negligente da A. no acesso aos seus dados por terceiros, com a consequente ausência de responsabilidade da ré.

Foi elaborado o despacho saneador, fixado o objeto do litígio e selecionados os temas de prova e foi realizada a audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e condenou o Réu Caixa Económica Montepio Geral a reembolsar os Autores da quantia de € 38.784,00 euros, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, acrescidos de 10 pontos percentuais vencidos desde 14/03/2019 até à presente data e vincendos até integral pagamento. Mais condenou o Réu Caixa Económica Montepio Geral a pagar aos Autores uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de 3.000 €, para a Autora e 1.000,00 € para o Autor.

Absolveu o Réu Caixa Económica Montepio Geral do mais peticionado e absolveu o Réu Nos Comunicações, SA do pedido.

Inconformada a 1ª ré Caixa Económica Montepio Geral interpôs recurso de apelação que foi julgado confirmando a decisão recorrida com um voto de vencido quanto à condenação da ré Montepio.

Desta decisão interpõe a mesma ré Montepio Geral SA recurso de revista concluindo que:

  1. A R. não se conforma nem aceita a sua condenação, sequer parcial, nem a consequente responsabilidade por custas, confirmada, com voto de vencida, no acórdão recorrido.

  2. Nada obsta à admissibilidade da revista nos termos gerais, mas a mesma seria ainda, e em qualquer caso, admissível a título excecional (artigo 672.º do CPC), na medida em que o Acórdão agora proferido mostra-se proferido contra o que vem decidido, relativamente a situação factual idêntica, em vários outros acórdãos, já transitados em julgado, proferidos no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, designadamente nos acórdãos cuja cópia se junta à presente revista (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/07/2018 no Proc. n.º 2256/17.0T8LSB.L1-7; Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12/04/2018, Proc. 9002/16.4T8STB.E1; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 09/06/2020 no Proc. n.º 51/18.9T8PRG.G1; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14/07/2020 no Proc. n.º 22158/17.0T8PRT.P1; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 01/10/2020 no Proc. n.º 19530/17.9T8LSB.L-8; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13/10/2022 no Proc. n.º 344/21.8T8AGH.L1-2.

  3. Não foi apenas a R., agora Recorrente, a chamada, pelos AA. como “responsável face à relação contratual que estabeleceu com os AA. e as normas supra referidas.”, tendo também sido chamada à responsabilidade na presente ação a 2ª Ré, junto de quem, de forma violadora das obrigações reciprocamente assumidas por A. e 2ª R., foi obtido o último passo de autenticação perante a R. Recorrente, pelo que seria por demais relevante apurar a peticionada responsabilidade da 2ª R.

  4. Para a qualificação da atuação da A. como grosseiramente negligente nada releva o eventual comportamento de um terceiro, ou terceiros envolvidos em toda a operação e encadeamento de atos necessários para o efeito, na medida em que a ocorrência e configuração daquele ato de negligência grosseira não é eliminada ou alterada por este comportamento subsequente.

  5. O acesso ilícito à conta dos AA. e o desvio patrimonial foi, como é sempre, praticado por um terceiro.

  6. A decisão recorrida centra-se numa forma de comunicação do Banco com os seus clientes para excluir a responsabilidade da A. no seguimento da hiperligação numa mensagem SMS fraudulenta, com o argumento de que também o Banco contacta a cliente dessa forma. Porém, nunca os Bancos – e a Recorrente – excluíram as comunicações por SMS, antes alertam repetidamente para o conteúdo de mensagens recebidas por SMS ou correio eletrónico, cujo teor ou forma evidenciem o seu intuito fraudulento.

  7. A atuação pretérita concreta da Autora não releva – nos termos legais e conforme jurisprudência abundante – para apurar a gravidade do seu comportamento negligente, pois esta é medida, não em função das características particulares de cada indivíduo, mas pelas características do cidadão médio colocado na mesma posição e com a medida de um “bom pai de família”. Ademais, “a autora identificou-se com a profissão de professora, pelo que não é pessoa de parca instrução”.

  8. A interpretação restritiva do “aviso” contido no cartão matriz, de que se reportará apenas às operações a ser feitas com este, não encontra nos factos provados qualquer reflexo, e aliás contraria a prova documental constante dos autos (cfr. Ponto 88.), bem como as normas legais e disposições contratuais que estabelecem a obrigação de guardar segredo dos dados de acesso ao sistema.

  9. NUNCA significa não, em tempo nenhum, nenhuma vez, jamais, em nenhuma circunstância, em nenhum momento no tempo passado, presente ou futuro, em tempo algum, em circunstâncias nenhumas, de modo nenhum, vez nenhuma.

  10. A A. incumpriu o contrato de homebanking e contrariou todas as regras e informações de segurança veiculadas aquando da celebração do contrato de adesão ao serviço – de que a mesma declarou ter tomado conhecimento –, os avisos de segurança disponíveis no seu cartão matriz, bem como os constantes no próprio sistema de homebanking, que disparam quando o cliente a ele acede.

  11. Foi a atuação grosseiramente negligente da Autora, no dia 11/03/2019, que permitiu e levou a que os autores do ato fraudulento, no dia seguinte, 12/03/2019, pelas 14h 50 min, tivessem junto da 2ª R. obtido indevidamente uma segunda via do cartão de serviço telefónico, pelo que o acesso ilícito às contas dos AA. foi proporcionado pelo fornecimento indevido de dados do cartão matriz, que determinou que um terceiro se tenha apropriado de todas as credenciais para a realização de operações, via homebanking.

  12. A movimentação das contas de forma fraudulenta deveu-se a culpa da A.: a A. incumpriu, de forma grave e grosseira, os seus deveres contratuais, formalizados no contrato de homebanking. Não está afastada, mas antes claramente demonstrada, a negligência grave da A. (“um caso flagrante” na qualificação do “voto de vencida”) preenchendo assim o estatuído no artigo 72.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 317/2009, de 30/10.

  13. Foi por causa imputável à negligência grosseira da A. e à subsequente atuação indevida, quiçá ilícita, de um funcionário da 2ª R., que se reuniram as condições para que um terceiro se apresentasse perante a R. Recorrente como se fosse a própria A., munido de todos os quatro passos de autenticação e segurança de acesso ao serviço de homebanking.

  14. A R. cumpriu com todas as suas obrigações contratuais e o seu sistema não revelou qualquer falha técnica nem de segurança.

    Cumpriu também com todos os deveres legais, designadamente de informação e alerta dos seus clientes e usuários, quando acedem à própria página inicial do sistema, para as situações correntes de utilização fraudulenta do serviço.

  15. A R. estava obrigada, nos termos da lei, a colocar à disposição daquele que se apresentava como sendo a cliente, munido de todas as credenciais secretas de acesso ao sistema de homebanking, os fundos que esta lhe entregara no âmbito do contrato de depósito bancário.

  16. A subsequente intervenção de terceiro – da 2ª R., e/ou do autor do ato fraudulento – não tem a virtualidade ou efeito de eliminar a primordial negligência grosseira da A. e de fazer retornar a responsabilidade à R. Recorrente, depois de aquela negligência a ter já excluído por completo.

  17. Haveria, por outro lado, de apurar-se a responsabilidade da 2ª R., “Demonstrado o ilícito contratual, a culpa e o dano provocado à Autora pelo uso ilegítimo do seu telemóvel que tal atuação da 2ª Ré permitiu (pelo menos, em termos naturalísticos)” (cfr. decisão proferida em 1ª instância).

  18. A R. Recorrente ilidiu a presunção de culpa prevista no artigo 799.º do Código Civil, pelo que mostra-se excluída, sem qualquer margem para dissídio, a sua responsabilidade, nos termos legais, por qualquer intromissão fraudulenta na conta do cliente.

  19. Estando ilidida a presunção de culpa por parte da R., deve ser absolvida de todos os pedidos contra si formulados, incluindo da indemnização por danos morais a qualquer dos AA. e juros...

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