Acórdão nº 02836/18.7BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução07 de Dezembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Espécie: Recurso de revista de acórdão do TCA Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1. GAIURB – URBANISMO E HABITAÇÃO, E.M., devidamente identificada nos autos, veio interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo (STA), nos termos do artigo 150.º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), que negou provimento ao recurso e manteve a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto que julgou procedente a exceção dilatória de falta de interesse em agir da Autora e absolveu o Réu da instância.

  1. O TAF do Porto, por sentença de 25/02/2022, julgou procedente a exceção dilatória de falta de interesse em agir da Autora, GAIURB – URBANISMO E HABITAÇÃO, E.M.

    , entendendo que esta dispõe de mecanismos de autotutela executiva (execução do despejo e execução fiscal) aptos a assegurar a tutela que veio requerer na ação administrativa comum (rendas vencidas e não pagas no montante de € 492,75, acrescidas de indemnização pela mora, juros vencidos e vincendos, à taxa legal até efetivo e integral pagamento) e absolveu o Réu, AA da instância.

  2. Inconformada com esta sentença, a Autora interpôs recurso jurisdicional para o TCAN, o qual, por acórdão datado de 15/07/2022, negou provimento ao recurso e confirmou a sentença recorrida.

  3. A Autora, ora Recorrente, novamente inconformada com o julgamento do TCAN, interpôs o presente recurso de revista para este STA, formulando, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões: “– Da admissibilidade do Recurso I. O presente recurso é admissível uma vez que reúne os pressupostos estabelecidos no n.º 1 do artigo 150º do CPTA, nomeadamente, por via dele pretende-se que seja esclarecido se uma pessoa coletiva de direito privado pode recorrer à execução fiscal para a cobrança coerciva de rendas em dívida, no contexto de um contrato de arrendamento destinado a habitação social, sendo que esta questão se reveste de importância fundamental pela sua relevância jurídica – atentas as posições divergentes que vêm grassando na doutrina e na jurisprudência – e social – face às implicações no direito de defesa dos particulares.

    1. A questão decidenda conduz, ainda, a uma melhor aplicação do direito na medida em que permitirá esclarecer o quadro normativo aplicável a situação que se repete inúmeras vezes e que tem vindo a ser submetida à apreciação dos tribunais inferiores, determinando-se se uma empresa municipal pode lançar mão de um mecanismo de autotutela executiva da mesma forma que as entidades públicas.

    2. O recurso sempre teria de ser admitido por ficar evidente a relevância jurídica da questão a apreciar, atenta a existência de Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul de 28-05-2015, no Processo nº 10996/14, disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/A2C768761906E19B80257E59003684F4 e que se junta como Doc. nº 1, cuja decisão está em contradição com o Acórdão recorrido.

      – Dos Fundamentos do recurso IV. A Recorrente é uma pessoa coletiva de direito privado, com autonomia patrimonial, financeira e administrativa e não uma empresa pública como vem referido no Acórdão de que se recorre.

    3. Os Acórdãos invocados pelo tribunal a quo para sustentar a sua posição não são para tal idóneos uma vez que as entidades ali em causa são Municípios, ou seja, entes públicos e não empresas locais, como no caso dos autos.

    4. A natureza jurídica da Recorrente tem toda a relevância uma vez que as empresas locais apenas podem ser admitidas a exercer poderes públicos de autoridade mediante habilitação legal expressa, nomeadamente quando decorram de diploma legal, dos estatutos, ou do contrato de concessão (artigo 22º do DL n.º 133/2013, de 03 de outubro).

    5. A Recorrente não está, por nenhum meio, legalmente habilitada a recorrer à execução fiscal para cobrança de valores em dívida, mesmo que referentes a rendas em dívida.

    6. O artigo 28º da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro não atribui às empresas locais poderes de autotutela executiva, sendo certo que não é possível fazer uma interpretação extensiva, nesse sentido, daquela norma porquanto a mesma não tem um mínimo de correspondência verbal na letra da lei (artigo 9º n.º 2 do CC).

    7. O previsto no artigo 17º n.º 3 da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro não é um elenco de matérias relacionadas com arrendamento apoiado, que estão submetidas à jurisdição dos tribunais administrativos, limitando-se a aclarar que as matérias relativas à invalidade ou cessação dos contratos de arrendamento apoiado são da competência dos tribunais administrativos (e não dos tribunais comuns) sem que outro alcance se possa retirar de tal preceito.

    8. O artigo 179.º n.º 1 do CPA determina expressamente que a cobrança coerciva de obrigações pecuniárias mediante processo de execução fiscal será possível quando, cumulativamente, i) as prestações pecuniárias sejam devidas por força de um ato administrativo; e, ii) estas devam ser pagas a uma pessoa coletiva pública, ou por ordem desta.

    9. A Recorrente não é uma entidade pública, não atua por ordem ou como delegada de uma entidade pública, antes goza de autonomia administrativa, financeira e patrimonial; XII. A Recorrente não está expressamente habilitada a recorrer à execução fiscal para cobrança de valores em dívida, uma vez que o legislador intencionalmente reservou tal poder às entidades públicas, o que decorre de forma evidente pelo facto de ter decidido manter no referido preceito a expressão “pessoa coletiva pública”.

    10. O artigo 179.º do CPA configura uma norma geral e abstrata, não se tratando de um diploma legal ou contrato de concessão e jamais poderia ser esta norma a atribuir um novo poder público (o da remessa para processo de execução fiscal): o exercício do poder público é o pressuposto e não o resultado da aplicação do Código.

    11. O artigo 179.º nº1 do CPA faz depender a possibilidade de recurso à execução fiscal de as prestações serem devidas à entidade pública por força de um ato administrativo, sendo certo que o artigo 17º n.º 2 da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, com as alterações introduzidas pela Lei no 32/2016 (regime do arrendamento apoiado para habitação) determina que o contrato de arrendamento apoiado tem a natureza de contrato administrativo (e não ato administrativo).

    12. Deixando uma das partes de cumprir os deveres a que contratualmente se obrigou, in casu o dever de pagar pontualmente a renda, verifica-se uma situação de incumprimento contratual que carece de tutela jurisdicional.

    13. O legislador consagrou expressamente na lei determinadas prorrogativas da entidade – como modelar o conteúdo do contrato, resolvê-lo, proceder ao despejo administrativo, – e se esse fosse o seu intento, teria também consagrado expressamente a possibilidade de recorrer à execução fiscal para a cobrança dos valores em dívida, o que não sucedeu.

    14. Decorrendo a obrigação do pagamento das rendas da celebração do contrato de arrendamento, e não de um ato administrativo, e não sendo a Empresa Municipal ora Recorrente uma pessoa coletiva pública nem estando a agir por ordem de uma, não estão – duplamente – preenchidos os pressupostos exigidos pelo artigo 179.º do CPA, visto esta norma não atribuir às empresas locais o poder de emitir certidões com o valor de título executivo, com vista instauração dos processos de cobrança coerciva das dívidas.

    15. De acordo com as regras de interpretação estabelecidas pelo artigo 9º do Código Civil, na fixação do alcance do artigo 179.º do CPA, presume-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, pelo que ao usar as expressões “pessoa coletiva pública” e “ato administrativo”, pretendeu restringir o âmbito de aplicação do artigo 179.º do CPA àquelas específicas circunstâncias.

    16. Sendo a entidade demandante, ora Recorrente, uma Empresa Municipal, é inequívoco o seu interesse em agir, sendo a ação nos Tribunais Administrativos o meio idóneo para tal fim, pelo que a procedência da exceção dilatória inominada da falta de interesse em agir teria como consequência que a Recorrente lhe visse absolutamente negada a possibilidade de cobrar os valores em dívida! XX. A decisão do TCA-N, ora em crise, que confirmou a sentença que julgara verificada a exceção dilatória inominada da falta de interesse em agir, indeferindo liminarmente a petição inicial, viola o disposto no artigo 179º do CPA, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que ordene a sua admissão e prosseguimento do processo, com todas as legais consequências.

      ” Pede que seja concedido provimento ao recurso, sendo revogada a decisão que julgou procedente a exceção dilatória da falta de interesse em agir e indeferiu liminarmente a petição inicial, ordenando-se, em consequência, o prosseguimento dos autos, com todas as legais consequências.

  4. O Recorrido não apresentou contra-alegações.

  5. O recurso de revista interposto pela Autora GAIURB – URBANISMO E HABITAÇÃO, E.M.

    , foi admitido por acórdão proferido pela Secção de Contencioso Administrativo deste STA, em formação de apreciação preliminar, de 15/12/2022, do qual consta: “Ambos os tribunais de instância - TAF do Porto e TCAN - entenderam que a autora da acção carecia de interesse em agir, considerando - fundamentalmente - que não tinha necessidade de intentar acção - nos tribunais administrativos - porque dispõe do «mecanismo de autotutela declarativa e executiva» previsto na Lei n° 81/2014, de 19.12, e no artigo 179° do CPA, que lhe permite declarar o seu direito às rendas e, na falta de cumprimento voluntário, proceder à sua cobrança coerciva. (...) a presente revista deve ser admitida. Efectivamente, a questão nuclear submetida à apreciação do tribunal de revista é a de saber se a recorrente - como pessoa colectiva de direito privado - poderá recorrer à execução fiscal para a cobrança coerciva das rendas em dívida, no contexto de um contrato de...

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