Acórdão nº 0512/07.5BEPNF de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU NEVES
Data da Resolução07 de Dezembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO INSOLVÊNCIA DE A..., LDA., com sede em ... devidamente identificada nos autos, intentou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel (TAF) a presente acção administrativa comum contra o MUNICÍPIO E CASTELO DE PAIVA, doravante MCP, pedindo o conhecimento a título incidental, nos termos do artigo 38º do CPTA, da ilegalidade da deliberação da Câmara Municipal de Castelo de Paiva, de 31.08.2004, que declarou a nulidade do licenciamento urbanístico que lhe havia sido concedido para a construção de um edifício em Castelo, no ano de 2000, e em consequência, a condenação do Réu no pagamento de uma indemnização de € 4.316.845,83.

Alega para o efeito e em síntese que em 31.08.2004 o Réu declarou a nulidade do dito licenciamento por ofensa a instrumento de gestão urbanística sendo essa decisão ilícita na medida em que nada impede que o “andar recuado” seja um andar inferior.

Mais refere que o Réu declarou nulo o dito licenciamento para depois voltar a aprovar a referida construção, com o que fez a Autora perder tempo na construção e acabamento do edifício e, consequentemente, o desperdiçar de oportunidades de negócio na venda das respectivas fracções e, bem assim, forçando-a a suportar custos com os empréstimos que teve de continuar a assegurar perante a banca e outras despesas, prejuízos pelos quais tem direito a ser indemnizada pelo Réu com fundamento em responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito.

Para o caso de assim se não entender, pede a condenação do Réu nos termos do disposto no artigo 70º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação.

*O TAF por decisão datada de 25 de Fevereiro de 2014, julgou totalmente improcedente a presente acção, por não provada e, em consequência, absolveu o R. do pedido.

*Inconformada, a A interpôs recurso jurisdicional apelou para o TCA Norte tendo este, por acórdão proferido a 14 de Fevereiro de 2020, concedido parcial provimento ao recurso, e, em consequência, suprimiu a nulidade cometida pela 1ª instância de não apreciar o pedido subsidiário formulado pela Apelante e, nessa sequência, condenou o Apelado a pagar à Apelante, a título de indemnização pelos danos sofridos em consequência da nulidade do licenciamento, o montante de € 68.397,30, absolvendo o Apelado no demais peticionado em sede de pedido subsidiário, tendo no restante confirmado a sentença recorrida.

*É desta decisão que a A. e o MCP, inconformados, vêem interpor (cada um por si) recurso de revista, tendo a primeira apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem: «A.- Verifica-se, no caso, uma das hipóteses excepcionais de admissibilidade de recurso de revista prevista no nº 1 do artigo 150º do CPTA, concretamente a que refere “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, pelo que o presente recurso é admissível.

B.- Importa ainda reconhecer que a questão seleccionada pela recorrente apresenta o relevo jurídico (teórico e prático) necessário e suficiente para justificar a sua apreciação a título excepcional pelo STA, tendo em conta que o art. 22º da CRP reconhece a responsabilidade das entidades públicas.

C.- A consagração da responsabilidade das entidades públicas corresponde a uma trave mestra e, verdadeiramente, estruturante do nosso sistema jurídico.

D.- Ora, conforme se irá referir infra, a interpretação do pressuposto nexo de causalidade viola o disposto no art. 22º da CRP e no art. 563º do Cód. Civil.

E.- Sendo certo que a Autora Recorrente provou que sofreu danos (como foi admitido pelo douto Acórdão), o tribunal a quo procedeu a uma interpretação restritiva do art. 2º do DL 48.051 ao apreciar o pressuposto nexo de causalidade, pois não considera: - a causalidade legal, resultando da pura aplicação dos princípios do art. 563º do Cód. Civil; - e que tal matéria é matéria de direito, que não está sujeita a alegação e prova pelas partes F.- É bom de ver que importa definir orientações para a protecção dos direitos dos cidadãos em face de actuações ilícitas das entidades públicas, bem como de regras claras definição do nexo de causalidade.

G.- A condenação do Réu, Recorrido, tem como fundamento a responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito decorrente do art. 70º do RGUE.

Os pressupostos desta responsabilidade por parte do Réu, são basicamente os que decorrem do DL nº 4805, de 21/11/1967, e nos arts. 483º e ss do Código Civil.

- ilicitude: prática pelos órgãos do Município de um acto que viole as normas legais e regulamentares; - culpa: o dever de os órgãos do Município deverem agir diligentemente.

No presente caso, os órgãos do Réu, caso entendessem existir uma violação no art. 4º do PGU, deveriam ter indeferido o licenciamento do projecto inicial e não ter esperado a conclusão da obra para declarar a nulidade do licenciamento.

- dano: equivale aos prejuízos sofridos pela Autora e enumerados no ponto II desta petição.

- Nexo de causalidade: os danos invocados pela Autora decorrem da conduta ilícita do Município H.- Os factos constantes da douta sentença, nomeadamente os pontos 9, 14, 18, 26, 27, 29, 34, 35, 36, 37, permitem a condenação do Réu, ora Recorrido pelos seguintes danos: 227.147,60€ de acréscimo de custos com encargos financeiros.

I.- O tribunal a quo ao apreciar o pressuposto nexo de causalidade não distingue entre: - nexo naturalístico que implica a formulação dum juízo naturalístico e integra a matéria de facto; e - a causalidade legal que resulta da aplicação dos princípios do art. 563º do Cód. Civil.

J.- É errado o entendimento que a Autora não provou que os encargos financeiros que a Autora teve de suportar como acréscimo de custos foram consequência da nulidade do 1º licenciamento.

L.- Pois a Autora provou que sofreu estes danos (pontos 34º e 37º) depois de declarada a nulidade 2004, 2005 e 2006 numa altura em que toda a sua actividade estava dedicada à construção desta obra (ponto 38º) cujo licenciamento foi declarado nulo.

M.- Se toda a actividade da Autora se dedicava à obra cujo licenciamento foi declarado nulo, os encargos financeiros que ocorreram depois de declarada a nulidade foram necessariamente consequência da nulidade deste licenciamento.

N.- Também a causalidade legal prevista no art.563º do Cód. Civil nos permite concluir que a declaração de nulidade de um licenciamento quando a obra já está edificada irá provocar encargos financeiros. De qualquer forma, não se provou que a declaração de nulidade é de todo indiferente para a verificação do dano.

O.- Efectuando um juízo de prognose sobre a situação actual hipotética, podemos concluir que se o Réu não tivesse praticado um licenciamento nulo, a obra a construir pela Autora, Recorrente, seria comercializada e seria fonte de lucros e não de encargos financeiros. Existindo uma diferença entre a situação actual hipotética e a situação da Recorrente que resulta dos factos provados – situação actual efectiva – esta diferença deve ser compensada.

P.- Foram violados os art. 22º CRP, DL nº 4805, de 21/11/1967 (então vigente), e os arts. 483º e 563º do Código Civil.»*Por sua vez, o MCP concluiu as suas alegações do modo seguinte: «A) O presente recurso vem interposto da decisão prolatada pelos Venerandos Desembargadores do Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN) parcialmente desfavorável ao ora Recorrente, porquanto não obstante o mesmo haja considerado (!) julgar improcedente o apontado erro de julgamento sobre a matéria de facto, mantendo-se a decisão recorrida (…)improcede[ndo] o assacado erro de julgamento…” (sic, pág. 49 do Acórdão Recorrido), decide suprir a suposta e inexistente nulidade da sentença de 1.ª instância e condenar o R.-Recorrente, a pagar à Recorrida, a título de indemnização pelos alegados danos sofridos em consequência da nulidade do licenciamento, o montante de € 68.397,30, absolvendo-se o Apelado no demais peticionado em sede de pedido subsidiário, e no demais, confirmando a sentença recorrida, e ainda a suportar custas na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 15% para o Recorrente, nos termos do disposto no artigo 527°, n°s 1 e 2 do CPC, ex vi o disposto no art. 1.º do CPTA; B) Se o Venerando Acórdão recorrido, mau grado as suas evidentes contradições, labora sob pressupostos neutros para a Recorrente até ao momento da decisão em que bem (i) confirma a inexistência de qualquer erro de julgamento, e (ii) mantém a matéria de facto dada por assente, afigura-se já inquinado com gravidade quando decide omitir em absoluto a matéria de prescrição de qualquer alegado direito a indemnização arbitrável a favor da Recorrida, e ainda na errada subsunção do direito aos factos, partindo do princípio e concluindo pela omissão da questão em sede da decisão de primeira instância, e pela alegada verificação dos pressupostos de responsabilidade civil extracontratual do Recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 70º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (doravante, também RJUE), e da demais legislação aplicável; C) Sobre a admissibilidade do presente recurso, não obstante se considere o mesmo sempre admissível à luz do direito à data, e exercício de cabal zelo de patrocínio para efeitos do disposto no artigo 672° do NCPC (sempre ex vi o disposto no art. 1º do CPTA), considera ainda o Recorrente estarmos perante uma questão de enorme relevância jurídica porquanto a decisão ora recorrida, para além da contradição insanável e lesiva a matéria de facto e prova produzida nos autos, configura uma lesão grave, direta e irreparável ao património e reputação do Recorrente e, mais do que isso, suporta uma interpretação e corrente jurisprudencial que não pode e não deve ser sustentada no ordenamento jurídico, a bem do princípio da boa administração e da confiança com os administrados, e de uma forma mais lata ainda, das relações destas entidades com todos os terceiros interessados.

  1. Em demonstração do...

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