Acórdão nº 0272/15.6BEFUN de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelCLÁUDIO RAMOS MONTEIRO
Data da Resolução07 de Dezembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO I. Relatório 1.

A..., S.A. – identificada nos autos – recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos dos artigos 140º, 142º, n.º 1, 143º, n.º 1 e 144º do CPTA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN), de 7 de janeiro de 2021, que negou provimento à reclamação para a conferência do despacho da Relatora, na parte em que julgou: - parcialmente procedente a exceção de erro na forma de processo, considerando que a presente ação não é apta para através dela se efetivar uma indemnização a título de responsabilidade civil extracontratual do Governo da RAM, por ato ilícito e culposo; - procedente a invocada existência de causa legítima de inexecução, determinando a notificação das partes para, no prazo de 20 dias, querendo, acordarem no montante da indemnização devida pelo facto da inexecução.

  1. Nas suas alegações, a Recorrente formulou, quanto ao mérito do recurso, as seguintes conclusões: «1º.

    A actividade de inspecções periódicas obrigatórias a veículos automóveis é uma actividade pública, pertencente de raiz a entidades públicas e regulada por normas de direito público.

    2º.

    O seu exercício por particulares não é feito com base numa autorização ou licença, que têm por obecto actividades privadas, mas com base numa concessão ou num acto materialmente análogo, independentemente do nomen adoptado.

    3º.

    É erróneo o entendimento do Tribunal de que a actividade em causa é permitida com base numa autorização proprio sensu, seguindo o regime jurídico dos actos precários.

    4º.

    É igualmente erróneo o entendimento do Tribunal de que o contrato de transmissão de direitos alegadamente celebrado entre AA e a B... seria um contrato de direito privado, e não um contrato administrativo.

    5º.

    Tais entendimentos do Tribunal a quo violam frontalmente o artigo 43.º do DL 550/90 e o artigo 34.º da Lei 11/2011.

    6º.

    A nulidade desse contrato não é sanada pela autorização ou aprovação à transmissão proferida Secretário Regional do Equipamento Social e Transportes.

    7º.

    Ao invés do que sucede no caso dos interesses opositivos, a indemnização devida pela inexecução da sentença, desde que bem aferido pelo tribunal, tende a cobrir integralmente os interesses pretensivos do autor: o que fica por reparar em sede de execução e exige a efectivação da responsabilidade civil é pouco e marginal, em caso de interesses pretensivos.

    8º.

    A execução da sentença anulatória proferida nos autos, caso fosse integralmente possível, obrigaria a Administração a praticar um acto de concessão a favor da Exequente, como se estivesse vigente a situação fáctica e jurídica que se verificava em 1997.

    9º.

    Seguidamente, devia a Administração conferir à Exequente um novo título para a actividade concedida, por via da celebração de um contrato administrativo de gestão tendo como objecto os centros cuja abertura aquela tivesse o direito de requerer, na situação de facto e de direito existente à data em que o contrato devia ter sido celebrado (centros que hão-de ser, por isso, no mínimo idênticos em número e localização àqueles que terão então sido alegadamente convencionados com a B...).

    10º. Porém, verifica-se uma impossibilidade fáctica de execução da sentença anulatória na parte referente à prática de actos jurídicos substitutivos que concedessem à Exequente a actividade de inspecção automóvel relativamente a um momento passado.

    11º.

    Não existe, em adição, qualquer impossibilidade jurídica de execução da sentença nem por força da superveniência do Decreto-Lei n.º 550/99, de 15 de Dezembro; nem da superveniência do Decreto Legislativo Regional n.º 10/2003-M, de 12 de Junho; nem da superveniência da Lei n.º 11/2011, de 26 de Abril; nem da superveniência do Decreto Legislativo Regional n.º 19/2011-M, de 19 de Agosto; nem da superveniência de qualquer outro diploma.

    12º.

    Com efeito, as superveniências normativas só devem traduzir-se em impossibilidade de execução da sentença nos casos em que o exequente, ainda que tivesse obtido em devido tempo a satisfação dos seus interesses pretensivos, se veria agora privado da titularidade dessa situação jurídica por força da lei nova, dotada de “vocação expropriativa”.

    13º.

    Mas ainda aqui tem de haver indemnização a cargo da Administração.

    14º.

    Em face deste regime, que aflora, v. g., no n.º 3 do art. 45º-A do CPA – e cujo princípio que nele hoje se inscreve foi diretamente violado pelo Tribunal recorrido –, não se alcança em que bases jurídicas se apoia o Tribunal para eleger a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 550/99 como operando um corte no processo de reconstituição da situação actual hipotética, em virtude de não ser seguro que o ora Exequente conseguisse cumprir os novos requisitos estabelecidos no diploma.

    15º.

    O Tribunal violou deste modo a solução acolhida no direito vigente, que restringe as situações de impossibilidade normativa às superveniências legislativas que se traduzam em leis auto-exequíveis aptas a retirar a titularidade das posições jurídicas, caso estas tivessem sido devidamente satisfeitas em vez de serem indevidamente negadas. Ante tal, será igualmente inegável a violação pelo Acórdão recorrido do aludido artigo 45.º-A, do artigo 45.º e, claro está, do artigo 173.º, todos do CPTA.

    16º.

    Por outro lado, o Tribunal confunde os critérios de indemnização pelo interesse contratual positivo em caso de inexecução de sentença, para a qual se exige com frequência uma situação de “resultado garantido”, com a questão distinta dos critérios de relevância das superveniências normativas enquanto causa impeditiva da reconstituição da situação actual hipotética.

    17º.

    Em todo o caso, o Tribunal antecipou injustificadamente em cerca de três anos e meio o momento em que, no seu erróneo entendimento, deixaria de “ser seguro” que o Exequente manteria a concessão, caso esta lhe tivesse sido entregue.

    18º.

    Aliás, nem sequer se alcançam fundamentos fácticos da afirmação do Acórdão de que não seria seguro que a Exequente mantivesse a concessão após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 550/99.

    19º.

    O que é seguro é que a B... não tem qualquer título válido e eficaz para exercer a actividade de inspeção automóvel, por nulidade do contrato que celebrou com AA.

    20º.

    E não tendo um título válido e eficaz, não podia ter celebrado, como parece que celebrou, contratos de gestão ao abrigo da Lei n.º 11/2011.

    21º.

    Contratos esses que, a existirem, também seriam nulos e de nenhum efeito.

    22º.

    O Tribunal não atentou, pois, na circunstância de que quem não cumpriu efectivamente e de ciência certa os requisitos do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 550/99 e do art. 12.º, n.º 2, do Decreto Legislativo Regional n.º 10/2003 foi AA e a B...: AA porque não é uma pessoa colectiva; e a B... porque nunca teve qualquer título válido e eficaz para exercer a actividade pública de inspecção automóvel – assim violando o Acórdão recorrido o artigo 133.º, alínea d) do CPA-1991, bem como os artigos 280.º e 286.º do Código Civil.

    23º.

    Os dados constantes dos autos são plenamente suficientes para concluir, em sede de prognose póstuma, que a Exequente seria hoje concessionária, se a concessão lhe tivesse sido atribuída, como devido, sendo...

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