Acórdão nº 4/22.2T8SRQ.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelEMÍDIO SANTOS
Data da Resolução07 de Dezembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça AA, residente na Estrada ..., nº 13 A ..., propôs acção de divórcio contra BB, residente em Caminho ..., ..., ..., pedindo se decretasse o divórcio entre ela e o réu com fundamento na alínea a) do artigo 1781.º do Código Civil.

O réu contestou. Na sua defesa, não se opôs ao pedido de divórcio e requereu que o divórcio produzisse efeitos a partir de 11/12/2011, data da separação de facto entre ele e a autora.

A autora opôs-se ao requerimento do réu.

O processo prosseguiu os seus termos e após a realização da audiência final foi proferida sentença que declarou dissolvido, por divórcio, o casamento celebrado entre a autora, AA, e o réu, BB, e que fixou a data da propositura da acção – 06.01.2022 – como a data a partir da qual o divórcio produzia os seus efeitos, relativamente às relações de natureza patrimonial estabelecidas entre os cônjuges.

Apelação O réu não se conformou com a sentença na parte em que fixou a data a partir da qual o divórcio produzia efeitos quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges e interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo se revogasse e substituísse essa parte da sentença por decisão que fixasse a data da separação de facto para todo e qualquer efeito no dia 11-12-2011.

O Tribunal da Relação de Lisboa julgou procedente a apelação e, em consequência: • Revogou o segmento da sentença que fixou a data da propositura da acção – 6-01-2022 - como data a partir da qual o divórcio produzia os seus efeitos, relativamente às relações patrimoniais entre os cônjuges; • Substitui esse segmento por decisão a fixar a data da comprovada separação de facto– 11 de dezembro de 2011 - como a data a partir da qual o divórcio produzia os seus efeitos, quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges.

Revista A autora não se conformou com a decisão e interpôs o presente recurso de revista, pedindo se revogasse o acórdão e se substituísse o mesmo por decisão que fixasse a data da propositura da acção – 6-01-2022 – como a data a partir do qual o divórcio produzia os seus efeitos, no que concerne às relações de natureza patrimonial entre os cônjuges.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes: 1. Como evidencia toda a matéria transcrita nos pontos 6) a 13) dos factos provados, não obstante a rutura da relação amorosa, ocorrida em 2011, recorrente e recorrido continuaram a atuar conjuntamente no que concerne ao respetivo património imobiliário comum, praticando diversos atos de disposição patrimonial no estado de “casados no regime da comunhão de adquiridos”; 2. Conforme resulta da matéria contida nos pontos 6) a 13) dos factos provados, os atos de disposição de bens praticados pelos cônjuges após a cessação da coabitação foram todos no exclusivo sentido de encaminhar os ativos imobiliários comuns do casal para uma sociedade exclusivamente controlada pelo aqui recorrido, sem qualquer contrapartida para a cônjuge mulher; 3. A fixação da data da separação de facto nos termos e para os efeitos requeridos pelo réu deixaria a autora completamente desacautelada nos seus direitos em relação ao aludido património imobiliário comum; 4. Ao oferecer, no art.º 1782.º, n.º 1 do C.C., os critérios determinantes para a aferição da separação de facto, o legislador especificou que tal definição era prescrita – e, como tal, foi pensada – “para os efeitos da alínea a) do artigo anterior”, ou seja, como pressuposto para o decretamento do divórcio, e não para efeitos de retroação do termo das relações patrimoniais entre os cônjuges; 5. Se o conceito de separação de facto vertido no aludido art.º 1782.º, n.º 1 se impusesse em qualquer circunstância – e, designadamente, também para efeitos da fixação da data de produção de efeitos do divórcio –, então não haveria razão alguma para o legislador ter precisado – como precisou – que a dita definição se concretizava “para os efeitos da alínea a) do artigo anterior”; 6. Já no que respeita à retroação dos efeitos patrimoniais do divórcio à data da separação de facto, o julgador não só não está limitado a caraterizar a separação de facto apenas à luz dos critérios definidos no art.º 1782.º, n.º 1, do C.C., como não está obrigado pelo texto legal a decretar a peticionada retroação dos efeitos do divórcio à data da separação, mesmo que esta tenha sido apurada no processo e mesmo que um dos cônjuges o requeira; 7. O julgador não deve determinar a retroação dos efeitos patrimoniais do divórcio à data da separação de facto, nomeadamente, se considerar que tal retroação não tem cabimento no caso concreto, designadamente por terem sido os próprios cônjuges a persistir, mesmo após o termo da coabitação, numa administração e disposição conjunta do acervo patrimonial comum; 8. A decisão contida na douta sentença inicialmente proferida – adotada que foi no exercício da liberdade judicativa reconhecida à primeira instância – não é violadora de qualquer dispositivo legal aplicável ao caso, inexistindo qualquer erro de julgamento suscetível de justificar a sua revogação nos termos promovidos pelo Tribunal da Relação; 9. Ao impor a retroação dos efeitos do divórcio à data da separação de facto, o douto acórdão recorrido foi proferido em violação do disposto nos artigos 1782.º, n.º 1, e 1789.º, n.º 2, ambos do CC, os quais deveriam ter sido interpretados e aplicados no sentido de permitir ao julgador a liberdade de avaliar, in casu, o cabimento da referida retroação; 10. Ainda que se acolhesse a interpretação que o douto acórdão recorrido fez dos artigos 1782.º, n.º 1, e 1789.º, n.º 2, ambos do CC, sempre se imporia ao tribunal recorrido – por se tratar de questão de conhecimento oficioso – que, no caso concreto e face à demais factualidade tida por provada nos autos, aferisse da validade do exercício do direito prescrito no citado art.º 1789.º, n.º 2, por parte do réu; 11. Ao requerer a retroação dos efeitos do divórcio a 2011, o réu visa agora excluir da partilha do património conjugal as participações sociais que posteriormente adquiriu na sociedade A..., Lda, como forma de se apoderar, em seu exclusivo proveito, dos ativos comuns do casal; 12. O exercício do direito previsto no art.º 1789.º, n.º 2, do CC por parte do réu é inconciliável com a atuação que o mesmo empreendeu nos termos descritos nos pontos 6) a 13) dos factos tidos por provados e é, na vertente de “venire contra factum proprium”, ostensivamente violador do princípio da confiança e das expectativas que, com as descritas condutas, foram legitimamente adquiridas pela ora recorrente; 13. A douta decisão de que ora se recorre é (ainda) violadora da previsão do citado art.º 334º do CC, que deveria ter sido interpretado e aplicado no sentido de ter como abusivo – e, como tal, ilegítimo – o exercício do direito prescrito no art.º 1789.º, n.º 2, CC pelo réu nos autos (ora Recorrido) O réu não respondeu ao recurso.

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