Acórdão nº 499/18.9T8AVR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução07 de Dezembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA instaurou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra Banco BIC Português, S.A.

, pedindo: a) A condenação do R. a pagar ao A. a quantia de € 57.000,00, a título de capital e juros vencidos, a que acrescem juros vincendos desde a citação até integral pagamento b) Subsidiariamente a declaração de nulidade de qualquer contrato de adesão que o R. invoque para ter aplicado os € 50.000,00 que o A. entregou ao R., em obrigações subordinadas SLN 2006; c) Que seja declarada ineficaz em relação ao A. a aplicação que o R. tenha feito desses montantes; d) A condenação do R. a restituir ao A. € 57.000,00 que ainda não recebeu dos montantes que entregou ao R. e de juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a citação até efectivo e integral pagamento e Sempre, cumulativamente, e) A condenação do R. a pagar ao A. a quantia de € 3.000,00 a título de danos não patrimoniais.

Para tanto, e em síntese, alegou o seguinte: - Que era cliente do R., na agência de ..., com uma conta à ordem que identifica; - Que, em circunstâncias que melhor descreve, foi, em Maio de 2006, contactado pelo gerente do R. para proceder a uma aplicação em tudo semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido e rentabilidade assegurada, ao que acedeu fruto da relação de confiança que tinha com o funcionário do banco e dadas as garantias de que se tratava de uma aplicação equivalente a um depósito a prazo e com juros interessantes; - Que os juros foram sendo creditados na sua conta à ordem e sempre pensou que não existiria qualquer problema, o que se alterou em Novembro de 2015, quando deixou de receber os juros, tendo sido informado de que tinha subscrito obrigações de uma entidade denominada SLN, que desconhecia.

Mais alegou: - Que nunca lhe foi prestada qualquer informação sobre o que eram obrigações subordinadas SLN 2006, tendo aceite proceder a aplicações porque lhe foi garantido tratar-se de um produto semelhante a um depósito a prazo; - Que, se a informação correcta lhe tivesse sido prestada, não aceitaria proceder às aplicações em causa; - Que nunca assinou qualquer ordem de compra e que nenhum documento lhe foi entregue; - Que, na data de vencimento da aplicação, no valor de € 50.000,00, o mesmo não lhe foi restituído e também não lhe foram pagos os juros contratados no valor de 4,5% ao ano, tendo sido pagos, desde Maio de 2009 até Maio de 2015, juros na ordem de 1%; - Que é uma pessoa conservadora e cautelosa na aplicação que faz das suas poupanças, nunca fazendo aplicações que possam pôr em risco o seu dinheiro e nunca tendo feito outros depósitos e aplicações de poupanças que não se enquadrassem no tradicional depósito à ordem ou a prazo; - Que confiou no R. e nos funcionários da agência que o contactaram, estando convicto de que se tratava de um produto do tipo depósito a prazo do próprio Banco R. e com capital garantido e que não envolvia risco; - Que com a situação criada, se sentiu triste e ansioso, com receio de não receber as quantias que aplicou.

Devidamente citado, contestou o Banco R., defendendo-se por excepção e por impugnação. Por excepção invocou a incompetência territorial deste tribunal, considerando ser competente o Tribunal da Comarca de Lisboa, por ser o da sua sede. Invocou também a prescrição, por entender que actuou como intermediário financeiro, prevendo o artigo 324.º do Código dos Valores Mobiliários (CVM) que a responsabilidade do intermediário financeiro prescreve no prazo de dois anos a partir da data em que o cliente teve conhecimento da conclusão do negócio e seus termos. Por impugnação, pôs em causa a versão do A., alegando que as obrigações eram à data, e ainda o são, produtos conservadores de risco reduzido.

Referiu que na data da subscrição foram prestadas as informações relevantes, inexistindo qualquer risco de que as obrigações não seriam pagas.

Afirmou que o A. subscreveu as obrigações de livre vontade, sabendo o tipo de investimento que estava a fazer, sendo uma pessoa informada, meticulosa e ciosa dos seus investimentos e património, sabendo também que as obrigações eram emitidas pela sociedade que detinha o banco, a SLN.

O A. exerceu o contraditório relativamente às excepções invocadas, pugnando pelo seu indeferimento.

Foi proferido despacho saneador, julgando improcedente a excepção de incompetência territorial. Não foi conhecida a excepção de prescrição, remetendo-se a decisão da mesma para a sentença final.

Veio a ser proferida sentença pela qual se julgou parcialmente procedente a acção e se decidiu: «a) Condenar o réu a pagar ao autor a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora desde Junho de 2016, calculados à taxa legal de 4%, até efectivo e integral pagamento; b) Absolver o réu do demais pedido.».

O R. Banco BIC Português, S.A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

O recurso de apelação foi julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

2.

O R. interpôs recurso de revista, por via excepcional, para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: «1. O douto acórdão da Relação do Porto violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.

2. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era um produto sem risco e com capital garantido, similar a um depósito a prazo, não transmitindo a característica da subordinação ou a possibilidade de insolvência da emitente, configura a prestação de uma informação falsa.

3. Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

4. Não adianta aliás o douto Acórdão qual o risco que associa às Obrigações SLN e que entende deveria ter sido informado ao A., sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verificado incumprimento do reembolso… 5. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

6. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO! 7. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos! 8. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2006, dez anos antes! 9. A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

10. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.

11. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco! 12. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

13. O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente! 14. A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.

15. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de conf‌iança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis.

16. A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação… 17. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido! 18. A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.

19. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave! 20. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo seu obrigações assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.

21. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

22. A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a...

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