Acórdão nº 2070/19.9T8PRT-A.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelCATARINA SERRA
Data da Resolução07 de Dezembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO Recorrente: António Simões Simões, Lda.

Recorrido: Zurich Insurance Plc - Sucursal em Portugal 1.

Por apenso à execução para pagamento de quantia certa baseada em livrança que lhe move Zurich Insurance Plc - Sucursal em Portugal, veio a executada António Simões & Simões, Lda.

, deduzir oposição por embargos, alegando que: - inexiste nos autos título executivo, porquanto o doc. 6 junto ao requerimento executivo mais não é do que mera fotocópia não certificada e parcelar de uma livrança; - rejeita ter aposto em tal documento ou em livrança de que a exequente seja eventualmente portadora qualquer menção, mormente, a relativa à data de vencimento e bem assim a declaração “Apólice caução”; - jamais a exequente informou a executada/embargante que iria preencher qualquer livrança e em que termos; - em momento algum a executada autorizou a exequente a completar qualquer livrança em sua posse ou a apor-lhe quaisquer menções ou condições relativas ao seu conteúdo, mormente, o tempo do vencimento; - a exequente nem sequer deu conhecimento à executada/embargante dos pedidos de pagamento que lhe foram dirigidos por “ S.., S.A.”; - caso a exequente/embargante tivesse dado notícia à executada da sua intenção de pagar a quantia reclamada pela “ S.., S.A.”, teria sido por esta informada da existência de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do pagamento da garantia, mormente, a existência de um contra-crédito sobre a mesma sociedade reconhecido no âmbito do processo especial de revitalização nº 4689/17.3...

2.

Notificada, a embargada contestou a oposição, dizendo, no essencial, ter já procedido à junção do original da livrança e não corresponder à verdade que a exequente não tenha dado conhecimento à executada do pagamento que iria realizar à S.., S.A. Conclui pela improcedência da oposição.

3.

A final, foi proferida sentença, julgando procedentes por provados os embargos de executado, e consequentemente declarando extinta a execução.

4.

Não se conformando com a decisão, dela apelou a exequente / embargada, tendo o Tribunal da Relação do Porto decidido “julgar procedente a presente apelação, revogando a sentença recorrida, devendo substituir-se por outra que, julgando improcedentes os embargos, ordene o prosseguimento da execução”.

5.

Agora é António Simões & Simões Lda., executada / embargante, quem, não se conformando “vem, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 671º, nº 1, 674º, 675º e 676º, todos do C.P.C., interpor recurso de revista”.

Termina com as seguintes conclusões: “

  1. A Recorrida na sua apelação cingiu-se a arguir a nulidade da douta sentença por falta de fundamentação da decisão e bem assim por ter tomado conhecimento de questão que lhe não foi colocada, para tanto tendo convocando o disposto no artigo 615º, nº 1 alíneas b) e d) do CPCivil.

  2. Sendo que, momento algum da sua Apelação, a Recorrida impugnou a matéria de facto fixada na douta sentença.

  3. Consabido é que, nos termos do disposto nos art.ºs 635º e 639º, n.º 1, do CPC, as conclusões formuladas pelos Apelantes delimitam o objeto do recurso, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

  4. Pacífico é que o douto Acórdão recorrido afastou, decidindo de modo certeiro, quer a nulidade por falta de fundamentação quer a nulidade por excesso de pronúncia suscitadas pela Recorrida.

  5. Porém, salvo melhor e veneranda opinião, ressalta da singela leitura do douto Acórdão recorrido que o Tribunal ad quem extravasou os poderes de cognição que in casu lhe eram conferidos pela lei, tendo efetuado abusiva reapreciação da prova fixada na douta sentença da primeira instância.

  6. Reveladores do vertido na antecedente conclusão são os trechos do douto Acórdão recorrido onde se assesta “Tudo visto, não bastava a prova do ponto 5) da factualidade que vem provada para que a sentença pudesse concluir, como concluiu, por não haver pacto de preenchimento (…)” e bem assim que “Quanto ao mais alegado na oposição, a comunicação ao outro contraente de que vai proceder ao preenchimento da livrança, além de não se demonstrar ter sido objeto de estipulação contratual (…..) g) Consignando-se que foi a reapreciação ilegal da prova fixada na douta sentença e da factualidade alegada pelas partes nos seus articulados que consentiu ao Venerando Tribunal da Relação revogar o decidido pela primeira instância.

  7. Propugna-se, pois, que o douto Acórdão Recorrido traduz uma verdadeira decisão surpresa, enfermando de nulidade, por excesso de pronúncia, prevista na parte final da alínea d) do artigo 615º do CPCivil, a qual se deixa invocada para que dela se extraiam todas as legais consequências.

  8. Renovando-se que a Recorrida na sua Apelação não impugnou a douta decisão da primeira instância relativa à matéria de facto, é lapidar ter ficado definitivamente fixado nos autos, entre o mais, que: “Aquando da celebração do contrato de seguro de caução referido em 1. A executada, através do seu gerente AA, entregou à exequente a livrança referida em 2 e dada à execução, apenas preenchida no campo destinado à assinatura do subscritor.” “A Executada/Embargante não autorizou a Exequente/Embargada a completar qualquer livrança em causa ou a apor-lhe quaisquer menções ou condições relativas ao seu conteúdo”.

  9. Ademais, importa ter presente que a douta sentença, no seu enquadramento jurídico e subsunção, concluiu sem mácula, que “face à factualidade dada como assente, resulta não haver título válido e exequível, uma vez que a livrança não pode atenta a falta daqueles requisitos, valer como título executivo”.

  10. Sucede que, ao ignorar que a factualidade que ficou definitivamente fixada na douta sentença, optando por suscitar novas questões em claro prejuízo dos efeitos do julgado para a aqui Recorrente, o douto Acórdão fez tábua rasa do princípio da estabilidade das decisões não recorridas consagrado no nº 5 do artigo 635º do CPCivil.

  11. Acresce que o douto Acórdão recorrido faz impender sobre o Recorrente o ónus da prova de um facto novo, qual seja, o de demonstrar o acordo de não preenchimento da livrança entre as partes, turvando que a factualidade dada por assente nos autos denota a pura e simples inexistência de qualquer acordo desse jaez ! m) Além disso, o douto Acórdão recorrido pronuncia-se sobre factualidade alegada na oposição que não foi objeto de prova nos autos e nem sequer surge elencada na fundamentação de facto da decisão da primeira instância, qual seja, “ a comunicação ao outro contraente de que vai proceder ao preenchimento da livrança”, convocando-a para agora concluir não resultar demonstrado o preenchimento abusivo da livrança por parte da exequente e assim revogar a douta sentença recorrida.

  12. Não sendo as questões elencadas nas conclusões l) e m) supra matéria de conhecimento oficioso do Tribunal, a sua elucubração no douto Acórdão recorrido posterga as normas dos artigos 627º, nº1 e 635º, nºs 4 e 5 do CPCivil, fundamentos que se deixam invocados nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 674º do CPC para que deles se extraiam todos os legais efeitos.

  13. O douto Acórdão recorrido ao fixar que não houve preenchimento abusivo por parte da Recorrida e firmar que a livrança dos autos mantém a sua validade como título executivo, faz errada aplicação do preceituado nos artigos 10º, 75º, 76º e 77º todos da LULL.

  14. Cristalino é ter ficado evidenciado nos autos que a Recorrente assinou uma livrança em branco, ou seja, que dela apenas constava a sua assinatura e bem assim que a sua utilização pela Recorrida como título executivo dependia da prova de ter sido preenchida e completada de acordo com o pacto de preenchimento celebrado.

  15. Tal pressuposto bem como a sua consequência jurídica são expressamente reconhecidos no douto Acórdão recorrido que assestou poder ser o acordo de preenchimento expresso “quando as partes estipularem certos termos concretos” ou tácito, “por estar implícito nas cláusulas do negócio determinante da emissão do título, o qual deverá depois ser preenchidos em conformidade com esses termos ou cláusulas sob pena de preenchimento abusivo”.

  16. Revertendo à factualidade dada como provada e definitivamente fixada nos autos dela ressai, como bem espelhou a douta sentença da primeira instância, que não houve sequer um pacto de preenchimento, ou seja, qualquer acordo firmado entre a embargante e a exequente no que tange ao...

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