Acórdão nº 2291/21.4T8FAR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelANTÓNIO BARATEIRO MARTINS
Data da Resolução12 de Dezembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 2291/21.4T8FAR.E1.S1 6.ª Secção ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I – Relatório AA, solteiro, maior, a residir no Sítio ..., instaurou contra BB e CC, com os sinais dos autos, ambos por si e na qualidade de herdeiros de seus pais BB e DD, a presente ação declarativa de condenação, pedindo a final:

  1. Deverá ser reconhecida a boa-fé do Autor na compra e venda realizada por escritura pública realizada no dia 17 de Janeiro de 2003 no Cartório Notarial de ... a cargo do Dr. EE, do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia da ..., inscrito na matriz predial sob o artigo 3758 (atual 3285) e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 25.896, a fls. 72 verso do Livro B-65, atualmente descrito sob a ficha n.º 3270/20030122 da freguesia da ....

    E, em consequência, b) Deverá ser reconhecido o direito de propriedade do Autor sobre tal imóvel, retroagindo o direito à data do referido negócio (17.01.2003), ordenando-se a reinscrição da aquisição por compra a favor do Autor no registo predial.

    Subsidiariamente e caso assim não seja entendido, c) Deverá o R. BB ser condenado a pagar ao Autor o valor de €170.000,00 a título de indemnização pelas declarações não sérias proferidas na escritura anulada, que levaram o Autor a acreditar ter-se extinguido a dívida de € 100.000,00 que o referido Réu tinha para com ele e a acreditar que tinha adquirido a propriedade do imóvel, acrescido do valor de € 10.220,00 a título de indemnização pelos prejuízos decorrentes da celebração da escritura e pagamento de impostos.

    Ainda subsidiariamente e caso assim não seja igualmente entendido, d) Deverá o R. BB ser condenado a pagar ao A. o valor de €100 000,00 a título de indemnização pela apropriação ilícita desse valor, acrescido do montante de €70 000,00 que lhe exigiu para a transferência da propriedade do imóvel, e ainda do valor de €10 220,00 pelos prejuízos decorrentes do pagamento de despesas e impostos decorrentes da aquisição.

    Alegou, em síntese, ter mantido com o R. uma relação de amizade e confiança, motivo pelo qual, em 2000, “passou procuração ao R.

    ”1 para este o representar na venda, pelo valor de 20.000.000$00, de um imóvel sito na Rua ..., do qual o A. era o proprietário, vindo a suceder que o R., que era viciado em jogo, facto que o A. desconhecia, “recebeu este valor, em representação do A.

    2” e não procedeu à entrega ao A. dos 20.000.000$00 recebidos pela venda, “apropriando-se da referida quantia de € 100.000,00 pertencente ao A. e gastando-a em proveito próprio”3.

    Posteriormente, “para evitar que o A. apresentasse queixa-crime pelo abuso de confiança”4, o R. prometeu, primeiro, que “pagaria assim que vendesse um imóvel” e, depois, como não tivesse conseguido vender qualquer imóvel, propôs ao A. a entrega de um prédio, pertença de seus pais (e onde estes viviam), em pagamento da dívida, informando que os progenitores haviam concordado, “para o livrarem do crime e da dívida"5, todavia, tendo o imóvel em causa o valor de € 170 000,00, teria o A. de pagar por ele “mais € 70.000,00”.

    Assim, em dia em que os progenitores se encontravam ausentes, o R. mostrou o imóvel ao A., que aceitou o negócio proposto, tendo ambos acordado que na escritura seria declarado o valor de apenas € 50 000,00, para o R. não “pagar mais impostos e emolumentos”, tendo ficado combinado que o R. e a sua companheira, solicitadora de profissão, diligenciariam pela obtenção de toda a documentação.

    Vindo, nesse seguimento, a ser outorgada, em 17 de Janeiro de 2003, a respetiva escritura de compra e venda (em que foi declarado o valor de € 50.000,00 e em que o A. pagou, além dos 100.000,00 que lhe eram devidos, “mais € 70.000,00”), tendo por objeto o prédio ali identificado, escritura em que os pais do R., na qualidade de vendedores, foram representados pelo aqui R., mediante a procuração então exibida e arquivada.

    Prédio que não foi entregue ao A., razão pela qual, volvidos dois anos, o R. lhe propôs “voltar a adquirir o prédio pelo mesmo valor de € 170.000,006”, o que o A. aceitou, ficando mais uma vez o R. de marcar a escritura, sendo que “no dia agendado – 28/02/2005 – a companheira do 1.º R emitiu um cheque de € 170.000,00 à ordem do A.

    ”7, exigindo o A. “ir ao banco saber se o cheque tinha provisão”8, onde foi informado que o mesmo não tinha provisão, razão porque tal escritura não se realizou.

    “Cansado de esperar, sem que o 1.º R. lhe apresentasse qualquer solução para a desocupação do prédio pela mãe9”, “volvidos 8 anos sobre a compra e cerca de € 4.300,00 de IMI pagos”10, o A., em 2011, intentou contra DD (o marido havia já falecido em .../.../2005) “uma ação de execução para entrega de coisa certa”11 (que teve o n.º 2718/11.3...), a que a DD se opôs invocando “que a procuração que o filho utilizara na escritura de venda ao ora A. era falsa”12.

    Oposição essa que foi julgada procedente, por sentença proferida em 30/11/2011, transitada em julgado, tendo-se, “além do mais, dado como provado que a procuração terá sido feita com assinaturas falsificadas, montagem ou outros meios e que é igualmente falsa a conferência da fotocópia alegadamente feita pelo 1.º Cartório Notarial de ...

    ”13.

    Assim, nesse prosseguimento, “foi promovido procedimento criminal contra o ora 1.º R. (procedimento que correu termos no Proc. Comum Singular n.º 2157/12.9...)”14, o qual aí veio a ser condenado pela prática do correspondente crime de falsificação de documento por sentença de 15/07/2014, confirmada por Acórdão do TRE, transitado em julgado.

    Entretanto, nada havendo pago o 1.º R. ao A. e continuando o 1.º R. “a usar e gozar do imóvel vendido ao A. (arrendando-o e recebendo a respetiva renda)”15, o A., “mantendo-se como proprietário registado do imóvel”16, “vendeu (em 2017) o imóvel pelo preço de € 70.000,00 a FF”17.

    E este, após pedir a entrega do imóvel sem sucesso aos seus ocupantes, “intentou ação de reivindicação do imóvel contra os herdeiros incertos de DD”18, ação que correu termos sob o n.º 1944/17.6... e em que, por Acórdão do STJ, transitada em julgado em 2021, foi decidido que o imóvel se manteve na titularidade dos falecidos pais do 1.º R., por ser ineficaz em relação a estes o negócio translativo celebrado pelo 1.º R. com o A..

    Assim, ainda segundo a alegação do A., é para si “avultado o prejuízo pela declaração de ineficácia da venda, [uma vez que] ao valor de € 100.000,00 que a venda visava pagar, soma-se o valor de € 70.000,00 que o A. pagou para além desse ao 1.º R., soma-se o valor do IMI pago durante 14 meses (€ 7.560,00) e € 2.660,00 de emolumentos, imposto de selo e registo predial pagos na escritura de aquisição (tudo no valor global de € 180.220,99)”19; continuando, acrescenta o A. que “está prejudicado em virtude das condutas do 1.º R., primeiro porque se apropriou do valor de 100.000,99 que pertenciam ao A. e depois porque falsificou um documento para o enganar e levar a crer que tinha adquirido um imóvel, levando-o a pagar o valor acrescido de € 70.000,00”20; terminando a sua alegação invocando, de direito, os artigos 291.º e 245.º, ambos do C. Civil, dizendo que “o registo de aquisição do A. (2003) era anterior ao pedido de ineficácia/anulação do negócio (2017)”, que desconhecia que a procuração utilizada pelo ora 1.º R. era falsa e que a boa fé do A. nunca foi apreciada judicialmente”21 e, ainda (se bem entendemos o que se pretende invocar), que o 1.º R.

    “fez declarações não sérias na escritura, tendo ele/A. o direito a ser indemnizado pelo prejuízo que sofreu”22 E concluiu o A. a sua petição formulando os 4 pedidos acima transcritos.

    Os RR. apresentaram contestação conjunta, peça na qual invocaram o caso julgado e a prescrição do direito do A.; impugnaram a factualidade respeitante à apropriação de quantias pertencentes ao A., alegando que o A. foi representado por um terceiro (a quem o A. passou uma procuração irrevogável) na venda do imóvel sito na Rua ...; e imputaram ao A. conduta integradora da litigância de má fé, concluindo pela absolvição da instância ou se assim não se entender pela absolvição do pedido e requerendo a condenação do A. como litigante de má fé em multa e indemnização.

    Respondeu o A., pugnando pela improcedência das exceções e refutando a litigância de má fé que lhe foi imputada.

    Realizada a audiência prévia, foi depois proferido despacho saneador no qual: - foi julgada parcialmente procedente a exceção dilatória do caso julgado e, em consequência, decretada a absolvição do R. BB da instância relativamente ao valor de € 70 000,00 deduzido nos pedidos c) e d) e ainda em relação ao valor de € 2 660,00 deduzido no pedido c); - foram os RR BB e CC absolvidos dos pedidos formulados em A) e B), com fundamento na autoridade do caso julgado; - foi julgada improcedente a exceção da prescrição invocada pelos RR; - se determinou que os autos prosseguissem para apreciação do pedido indemnizatório de €100 000,00 e dos valores pagos a título de IMI durante 14 anos – a propósito do que a instância foi declarada regular – tendo-se fixado o objeto do litígio e enunciado os temas da prova.

    O A. interpôs recurso per saltum para este Supremo do segmento do Saneador que absolveu os RR. dos pedidos formulados em a) e b) com fundamento na autoridade do caso julgado, tendo tal decisão sido confirmada por Acórdão do STJ proferido em 11/10/2022.

    Instruído o processo, realizou-se a audiência, vindo o A., no decurso da mesma, requerer a ampliação do pedido formulado em c), peticionando que o R. fosse condenado "a título de enriquecimento sem causa pelo locupletamento do R. BB à custa do A. AA", ampliação não admitida por despacho de 13/10/2022.

    Finda a audiência, foi proferida sentença, em que se decidiu: “(…) a) absolver a R. CC de todos os pedidos contra si deduzidos; b) condenar o R. BB a pagar ao Autor AA a quantia de € 100.000,00, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis, absolvendo-o do demais peticionado; c) absolver o...

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