Acórdão nº 127/19.5YUSTR.L1-M.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelJORGE GONÇALVES
Data da Resolução07 de Dezembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

NUIPC 127/19.5YUSTR.L1-M.S1 Recurso extraordinário para fixação de jurisprudência Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO 1.

AA, BB e CC, com os sinais dos autos, vieram interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação do Lisboa - Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, de 02.12.2021, proferido no processo n.º 127/19.5YUSTR.L1, do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, alegando encontrar-se aquele acórdão em oposição com o decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21.07.2020, no proc. n.º 76/15.6SRLSB, do Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa - Juiz ..., transitado em julgado em 06.08.2020.

  1. São do seguinte teor as conclusões que os recorrentes extraíram da motivação que apresentaram (transcrição): 5.1. ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA E TEMPESTIVIDADE 1. O presente recurso de fixação de jurisprudência é interposto ao abrigo do artigo 437, n.ºs 2 a 5, do CPP, ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO.

  2. Por força da remissão do artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência para o STJ, previsto nos artigos 437.º e ss. do CPP, é aplicável a processos contraordenacionais.

  3. A jurisprudência mais recente do STJ (citada no corpo deste requerimento) admite, de forma unânime, a interposição do recurso de fixação de jurisprudência para o STJ em processos contraordenacionais, através da aplicação subsidiária dos artigos 437.º e ss. do CPP.

  4. Em primeiro lugar, porque também na área contraordenacional se impõe a exigência de uniformidade da jurisprudência dos tribunais superiores, como corolário do princípio do Estado-de-Direito, sob pena de os cidadãos não gozarem do mínimo de segurança jurídica, como sucede com os RECORRENTES, que assistiram à aplicação contraditória das mesmas normas legais, pelo mesmo Tribunal da Relação.

  5. Em segundo lugar, porque tendo a Justiça atuado, neste processo contraordenacional, como um poder cerceado pelo poder administrativo, não é admissível, que estando em causa coimas de valor tão exorbitante, os RECORRENTES não tivessem sequer direito ao mínimo de segurança jurídica assegurado pela uniformização de jurisprudência.

  6. Em terceiro lugar, o recurso de uniformização de jurisprudência previsto no RGCO (artigo 73.º, n.º 2, do RGCO) e os recursos para fixação de jurisprudência do CPP (artigos 437.º e ss. do CPP) são distintos e não têm a mesma finalidade.

  7. Desde logo, os recursos de uniformização de jurisprudência previstos do RGCO são interpostos para a Relação e os recursos para fixação de jurisprudência do CPP são dirigidos ao Supremo Tribunal de Justiça.

  8. Além disso, os pressupostos destes dois tipos de recurso são diferentes, uma vez que no recurso de uniformização de jurisprudência para a Relação previsto no artigo 73.º, n.º 2, do RGCO, basta que a questão suscitada seja relevante para a melhoria do direito ou para a promoção da uniformidade da jurisprudência, ao passo que no recurso de fixação de jurisprudência para o STJ previsto nos artigos 437.º e ss. do CPP, a admissibilidade do recurso pressupõe uma oposição direta e frontal de julgados.

  9. Acresce que o âmbito e a eficácia do recurso de fixação de jurisprudência previsto nos artigos 437.º e ss. do CPP e do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artigo 73.º, n.º 2, RGCO são diferentes.

  10. O recurso do artigo 73.º, n.º 2, do RGCO visa a uniformização da jurisprudência da 1.ª instância, ao passo que o recurso ao abrigo do artigo 437.º do CPP visa, exclusivamente, a uniformidade da jurisprudência dos Tribunais Superiores, sendo fundamental o acesso extraordinário ao egrégio STJ, para assegurar essa uniformidade.

  11. Estes dois tipos de recurso diferenciam-se ainda, pelo facto de a jurisprudência fixada no âmbito do recurso previsto nos artigos 437.º e ss. do CPP não ser obrigatória para os tribunais inferiores, que devem fundamentar a divergência relativa à jurisprudência fixada, ao passo que as decisões proferidas nos recursos do artigo 73.º, n.º 2, do RGCO apenas têm “eficácia” no próprio processo.

  12. Em quarto lugar, o recurso de revisão dos artigos 80.º e 81.º do RGCO tão-pouco obsta à aplicação dos recursos de fixação de jurisprudência do artigo 437.º do CPP aos processos de contraordenação, pois é evidente que se trata de tipos de recursos diferentes: o recurso de revisão do RGCO apenas visa a reapreciação de decisões definitivas nos casos elencados no n.º 1 do artigo 449.º do CPP e pode tratar de questões de facto, enquanto que o recurso de fixação de jurisprudência visa harmonizar a jurisprudência entre as Relações (e entre as Relações e o Supremo) e apenas pode versar sobre questões de direito.

  13. O recurso de revisão do RGCO remete para o regime do recurso de revisão previsto nos artigos 449.º e ss. do CPP, sendo certo que, em processo penal o recurso de fixação de jurisprudência (artigos 437.º e ss. do CPP) e o recurso de revisão (artigos 449.º e ss. CPP) coexistem, sendo dois tipos de recursos extraordinários.

  14. Em quinto lugar, é também necessário salientar que o artigo 75.º, n.º 1, do RGCO não estabelece uma irrecorribilidade absoluta dos Acórdãos da Relação, desde logo porque se admite recurso para o Tribunal Constitucional.

  15. Em sexto lugar, a proibição genérica de recurso das decisões da Relação nos processos contraordenacionais – que resultará do artigo 75.º do RGCO – apenas diz respeito a recursos ordinários e não a recursos extraordinários.

  16. Em face do exposto, o presente recurso de fixação de jurisprudência deve ser admitido, ao abrigo do artigo 437.º do CPP.

    5.2. PRESSUPOSTOS GERAIS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA 17. No caso concreto, estão reunidos todos os pressupostos para que o presente recurso de fixação de jurisprudência seja admitido, nos termos dos artigos 437.º e ss. do CPP.

  17. Em primeiro lugar, os RECORRENTES têm legitimidade e interesse em agir, porque o ACÓRDÃO RECORRIDO confirmou a decisão do Tribunal de 1.ª instância que aplicou a processo urgente, cuja tramitação nunca esteve suspensa, a suspensão do prazo de prescrição, por causa da pandemia Covid-19, nos termos do artigo 7.º, n.º, 3 da Lei n.º 1-A/2020 (8).

  18. Em segundo lugar, o ACÓRDÃO RECORRIDO já transitou em julgado.

  19. Em terceiro lugar, o presente recurso assenta num ACÓRDÃO FUNDAMENTO transitado em julgado – proferido no âmbito da mesma legislação do que o ACÓRDÃO RECORRIDO –, que se debruça sobre a mesma questão jurídica controvertida, que o ACÓRDÃO RECORRIDO e a decide em sentido diametralmente oposto.

    5.3. TEMPESTIVIDADE DO RECURSO 21. O presente recurso é apresentado tempestivamente, porquanto é interposto dentro dos 30 dias a contar do trânsito em julgado do ACÓRDÃO RECORRIDO, ou seja, o “acórdão recorrido proferido em último lugar”, nos termos do artigo 438.º, n.º 1, do CPP.

  20. Os ora RECORRENTES interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional do ACÓRDÃO RECORRIDO da Relação de Lisboa, o que fez com que o prazo de interposição do recurso de fixação de jurisprudência fosse interrompido e a sua contagem apenas se reiniciasse com o trânsito em julgado do Acórdão do Tribunal Constitucional que apreciou o recurso interposto pelos ora RECORRENTES do Acórdão da Relação de Lisboa (artigo 75.º, n.º 1 da LTC).

  21. Decorre do artigo 80º, nº 4, da LOTC, que o ACÓRDÃO RECORRIDO transitou em julgado, no dia 27 de setembro de 2022, data em que transitou em julgado o Acórdão do Tribunal Constitucional proferido sobre o recurso interposto, pelos RECORRENTES.

  22. O Tribunal Constitucional e o Tribunal da Relação de Lisboa certificaram, através de certidões judiciais ora juntas, que o ACÓRDÃO RECORRIDO transitou em julgado, no dia 27 de setembro de 2022.

  23. Por Decisão Singular de 11 de outubro de 2022, o Venerando Desembargador Relator decidiu e sublinhou que o ACÓRDÃO RECORRIDO transitou em julgado no passado dia 27 de setembro de 2022.

  24. O prazo de 30 dias para a interposição do recurso de fixação de jurisprudência começou a contar, no dia 28 de setembro de 2022, pelo que o presente recurso é tempestivo (artigo 438º, nº 1, do CPP).

    5.4. OPOSIÇÃO DE JULGADOS 27. A oposição entre o ACÓRDÃO RECORRIDO e o ACÓRDÃO FUNDAMENTO é direta e flagrante, já que estes arestos decidiram, de forma manifestamente contraditória, a mesma questão de direito, dentro do mesmo contexto processual.

  25. Em ambos os casos, estava em causa a questão da aplicabilidade da suspensão “covidiana” dos prazos de prescrição, prevista no artigo 7.º, n.º 3 da Lei n.º 1-A/2020.

  26. Os dois acórdãos pronunciam-se sobre processos que têm, nos termos do artigo 103.º, n.º 1, do CPP, uma natureza urgente, tendo decidido sobre a questão da aplicação da suspensão “covidiana” dos prazos de prescrição (artigo 7.º, n.º 3 da Lei n.º 1-A/2020), a processos urgentes.

  27. Sucede que o ACÓRDÃO RECORRIDO e o ACÓRDÃO FUNDAMENTO decidiram esta questão, em sentidos diametralmente opostos.

  28. O ACÓRDÃO RECORRIDO considerou que as novas causas de suspensão responderam a uma situação de emergência nacional e de calamidade provocada pela pandemia, que determinou a impossibilidade temporária do prosseguimento dos processos e que, por isso, “não existe obstáculo constitucional à aplicação destas (novas) causas de suspensão da contagem do prazo de prescrição a factos praticados em data anterior à entrada em vigor dos diplomas respectivos”.

  29. Ou seja, nos termos do ACÓRDÃO RECORRIDO, a suspensão da contagem dos prazos de prescrição prevista no n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 é aplicada retroativamente a factos anteriores e a processos pendentes, na data de entrada em vigor do referido Diploma.

  30. Em sentido diametralmente oposto, o ACÓRDÃO FUNDAMENTO entendeu que a nova “suspensão covidiana” dos prazos de prescrição punha um problema de sucessão de leis no tempo e como tal não pode ser aplicada retroativamente.

  31. Observa, e bem, o ACÓRDÃO FUNDAMENTO que “o facto de...

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