Acórdão nº 0590/14.0BELRA de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelARAGÃO SEIA
Data da Resolução29 de Novembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A..., S.A., melhor identificada nos autos do processo em epígrafe, notificada, em 06/03/2023, do acórdão proferido em 02/03/2023 nos presentes autos pelo TCA Sul, que confirmou a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria (doravante TAF de Leiria), que julgou totalmente improcedente a Impugnação Judicial apresentada contra o ato de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios do exercício de 2009, cuja matéria tributável foi apurada por recurso a métodos indiretos, por ter legitimidade e estar em tempo, vem dele interpor recurso de revista para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, com efeito suspensivo e subida imediata nos próprios autos, nos termos do disposto no artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), bem como nos artigos 141.º, n.º 1, 143.º, n.º 1 e 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA). aplicáveis por força do disposto no artigo 26.º, alínea h) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e artigo 2.º, alíneas c) e e) do CPPT.

Alegou, tendo concluído: A. O presente recurso de revista vem interposto do Acórdão proferido pelo TCA Sul, que negou provimento ao recurso apresentado pela Impugnante, ora Recorrente, da sentença proferida pelo TAF de Leiria, que julgou improcedente a Impugnação Judicial intentada contra o ato de liquidação adicional de IRC, respeitante ao exercício de 2009, e respetivos juros compensatórios, bem como da respetiva demonstração de acerto de contas.

  1. A necessidade de revista do Acórdão proferido pelo TCA Sul justifica-se por este Acórdão permitir a aplicação de métodos indiretos fora dos casos taxativamente previstos na lei, e, bem assim, manter uma decisão ilegal de excesso de quantificação dessa matéria, se acaso estivessem preenchidos os pressupostos para a determinação da matéria tributável com recurso a métodos indiretos, o que se rejeita.

  2. No mais, o Acórdão em crise perpetua a violação do disposto nos artigos 605.º e 607.º do CPC, ou seja, o princípio da plenitude da assistência do juiz, pelo que, uma vez mais, se justifica a revisão.

  3. É certo que a Revista deve ser excecional e que “só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual”, pressupostos que se verificam in casu por o erro que se assaca ao Acórdão recorrido ser juridicamente relevante e por a manutenção do Acórdão em crise implicar que seja firmada jurisprudência contrária à lei e aos princípios basilares do direito processual tributário.

  4. No mais, e considerando os inúmeros casos em que se verifica uma ausência ou deficiente reapreciação da prova pelo TCA, único tribunal de recurso com poderes de cognição sobre a matéria de facto, este recurso ultrapassa claramente o casuísmo, tendo grande impacto comunitário e na boa aplicação do direito, para além de se tratar de uma questão jurídica claramente complexa e indispensável à otimização da administração da justiça tributária.

  5. Não admitir este recurso implicará que se continuem a verificar situações em que os tribunais de segunda instância, apreciando um recurso em que foi invocado erro na apreciação da matéria de facto, se continuem a escusar a uma efetiva reapreciação dos factos, consequência intolerável, à luz do princípio da tutela jurisdicional efetiva, do direito de acesso à justiça e, ainda, do direito a um processo equitativo, para além de se admitir a manutenção de uma decisão contrária à jurisprudência do STA relativamente ao princípio da plenitude da assistência do juiz.

  6. Pelo que, estão preenchidos todos os requisitos para a admissão deste recurso excecional, à luz da redação e do espírito das normas nas quais se prevê o recurso de revista.

  7. Por um lado, coloca-se à consideração do Tribunal a determinação das regras de aplicação de métodos indiretos, em especial o argumento da redução dos proveitos/vendas em comparação com o exercício anterior, sublinhando-se que, neste caso, não se encontram preenchidos os requisitos legais para tal aplicação, não se devendo ignorar que a boa resolução desta questão terá uma aplicação prática inquestionável a todos os casos em que esteja em discussão a aplicação deste método de determinação da matéria tributável, com inquestionável impacto sobre as garantias dos contribuintes e direitos constitucionalmente protegidos.

    I. Por outro lado, a questão da quantificação excessiva por recurso a métodos indiretos assume igual relevância, já que a resolução deste tipo de quesito implicará uma melhor interpretação e aplicação das normas, assegurando-se a equidade entre os administrados, o que não se tem verificado na jurisprudência recente dos tribunais de primeira e segunda instância, apesar de esta determinação ser de elevada relevância jurídica.

  8. Finalmente, a correta interpretação do artigo 605.º, n.º 1 do CPC, que consagra o princípio da plenitude da assistência do juiz, reveste-se de fundamental importância, tornando-se indispensável à boa aplicação do direito, estando verificados os pressupostos à admissão do presente recurso de revista, já que o Acórdão recorrido, com a interpretação que fez dos artigos 87.º e seguintes da LGT e do artigo 605.º, n.º 1 do CPC, validou uma aplicação ilegal dos métodos indiretos, admitiu a quantificação contra legem da matéria tributária por recurso a métodos indiretos, e, ainda, violou o princípio do juiz natural.

  9. Tais infrações consubstanciam uma flagrante violação dos princípios da igualdade tributária, da capacidade contributiva e da plenitude da assistência do juiz, estando justificada a necessidade de apreciação do presente recurso por se verificar: i) violação da lei substantiva (artigos 87.º e seguintes da LGT) e dos princípios da capacidade contributiva, enquanto corolário do princípio da igualdade tributária, da boa-fé, e, ainda, da justiça (cfr. artigo 55.º da LGT e artigos 13.º, 103.º, 104.º e 266.º da CRP); e ii) a violação da lei processual (cfr. artigos 100.º e 605.º, n.º 1 do CPC) e dos princípios da plenitude da assistência dos juízes, do processo equitativo e da tutela jurisdicional efetiva e do direito de acesso à justiça (cfr. artigo 9.º da LGT, 2.º do CPTA, 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP).

    L. No que respeita aos erros de julgamento de direito, o Acórdão proferido pelo TCA Sul é de tal forma contrário aos princípios e disposições normativas aplicáveis que se materializou numa decisão profundamente injusta e pejada de erros com um relevante impacto, quer na esfera da Recorrente, quer na esfera de outros contribuintes em situações semelhantes, que sejam indevidamente sujeitos a tributação pelo uso de métodos indiretos, o que, por si só, justifica a imediata revista e correção da decisão proferida, acolhendo-se a interpretação mais correta das normas e promovendo-se a melhor aplicação do direito.

  10. A boa aplicação do direito implicará, desde logo, a consideração de que impende sobre a AT, como condição absolutamente essencial para a aplicação de métodos indiretos, a demonstração dos pressupostos previstos na lei, ou seja, era sobre a AT que impendia o dever de demonstrar a discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado dos bens produzidos/vendidos pela Recorrente e, bem assim, demonstrar que a comprovação e quantificação direta e exata da matéria coletável era impossível – o que não se verificou.

  11. Na verdade, a Recorrente conseguiu contrariar a tese da parte contrária e revelar a falsidade das conclusões apresentadas, como decorre da prova facultada em primeira instância por ambas as partes, conduzindo à melhor aplicação do direito, isto é, concluindo-se que, de acordo com os artigos 87.º e seguintes da LGT, a AT desrespeitou o direito consagrado.

  12. Como decidiu o TCA Norte, em 25/03/2021, no Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 01625/08.1BEBRG, a melhor aplicação do direito determina que o apuramento da matéria tributável por recurso à avaliação indireta será subsidiária e dependente da impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à determinação daquela matéria tributável, o que só ocorre quando se verifique a “inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou da existência manifesta de discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado através dos quais seja patente uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada”, pressupostos que não se encontram preenchidos no presente caso.

  13. No mais, e como determinou o TCA Norte no aresto suprarreferido, a tributação por métodos indiretos terá que ser devidamente justificada, revelando-se os “motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável competindo à AT demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por métodos indirectos, atestando que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àqueles métodos se tornou a única forma de calcular o imposto”, sendo que, no caso concreto, a forma de...

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