Acórdão nº 498/22.6T8FND-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelTERESA ALBUQUERQUE
Data da Resolução21 de Novembro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I - O Estado Português, representado pelo Ministério Público, instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra AA, pedindo que se considerem impugnados os factos justificados na escritura pública outorgada no dia 3 de Maio de 2019 e se declare a mesma nula e de nenhum efeito, declarando-se ainda que não assiste à R. o direito invocado na dita escritura, mais se ordenando o cancelamento de todos os registos efetuados com base na mesma.

Alegou para tanto, que no dia 3 de Maio de 2019 foi outorgada escritura pública de justificação notarial, “através da qual a ré justificou a aquisição, por alegada doação verbal de BB, no ano de 1986”, de determinados prédios (cinco), tendo sido declarado nessa escritura que, “desde essa data, entrou na posse dos referidos prédios, os urbanos que sempre foram utilizados como habitação e os rústicos que sempre cultivou e explorou agricolamente, fazendo a sua manutenção, sem a menor oposição de quem quer que seja, desde o seu início, sem interrupção e ostensivamente, com conhecimento de toda a gente, com ânimo de quem exerce um direito próprio e na firme convicção de não lesar direitos alheios”. Sucede, porém, que as declarações prestadas pela R. não têm correspondência com a verdade, tendo em conta, desde logo, que “BB faleceu a .../.../1940 e, como tal, não poderia ter realizado qualquer doação verbal à R. no ano de 1986, por ter falecido cerca de 46 anos antes”. Para além disso, após o óbito de CC, filho de BB, foi reconhecido, no âmbito do processo que correu termos sob o número 71/2002, que o primeiro “faleceu no estado de solteiro e sem parentes sucessíveis e, consequentemente, foi declarada vaga a totalidade da sua herança a favor do Estado”, “não tendo os imóveis descritos sido indicados em tal ação como constituindo parte de tal herança por desconhecimento”. Por isso “a R. nunca teve a posse dos prédios mencionados, nunca habitou no prédio urbano, nem os cuidou, cultivou ou explorou os prédios rústicos”. E, em consequência, não adquiriu os prédios em causa por usucapião, em virtude de não ter tido “uma posse pública e pacífica de boa fé”, que lhe permitisse adquiri-los por essa via.

A R. contestou, invocando a existência de erro na forma de processo e a incompetência, em razão do valor da acção, do Juízo Local Cível ..., onde a ação foi instaurada. Alegou, subsequentemente, ter existido um erro na descrição dos factos constantes da escritura pública de justificação notarial, na medida em que, “quem, efetivamente, fez a doação em vida, não foi BB, mas sim o seu filho”. Na verdade, ela “cuidou da família, nomeadamente da mãe no início de 1981, depois da tia – DD – e depois do filho da primeira que residia em Lisboa, portanto, há mais de 20 (vinte) e até à morte deste”, sendo certo que mesmo “depois do perecimento cuidava da casa diariamente e dos animais, bem como ficava lá sempre no verão a residir ou mesmo a mãe desta, à vista de todos no prédio elencado na verba n.º 1 do artigo 1º da PI”. E desde o falecimento de CC assumiu o pagamento do IMI referente aos imóveis, o que fez porque o mesmo desejou doar-lhe os seus bens, em virtude de ser a R. quem dele cuidava, e também porque redigiu um testamento, a 6 de Outubro de 1999, nos termos do qual lhe deixava todos os seus bens. Para além do mais, providenciou pela realização de obras de conservação dos prédios urbanos, e assumiu, desde o ano de 2000, o pagamento dos contratos com as operadoras de água e luz da casa.

Concluiu a contestação, pedindo reconvencionalmente que se reconheça o direito de propriedade de que alega ser titular sobre os cinco imóveis identificados na petição inicial, e, subsidiariamente, para o caso de assim não se entender, que o A. seja condenado a ressarcir-la no montante de € 7.251,76, por ela despendido com o pagamento de despesas de conservação e impostos.

Foi proferido despacho, em que, invocando-se o disposto nos arts 297º/1 e 2 e 299º/1 a 3 do CPC, se fixou o valor da acção em € 55.158,68 e, em consequência, se concluiu que em face do valor da causa o tribunal demandado se mostrava incompetente para o processamento dos autos e competente o Juízo Central Cível, determinando-se a remessa do processo para este tribunal.

A audiência prévia foi dispensada, tendo sido proferido despacho saneador, bem como despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

No despacho saneador, foi julgada improcedente a excepção referente ao erro na forma do processo e julgada inadmissível a formulação de um e outros dos pedidos reconvencionais.

II – Do assim decidido, apelou a R., que concluiu as respectivas alegações, com as seguintes conclusões: 1.ª Somos de crer na nossa modesta e mui humilde opinião, que, no presente caso sub Judicio que o Tribunal ‘a quo’ andou mal. Isto porque, 2.ª As ações que tenham por objeto a impugnação registral e como tal, a declaração de inexistência de um Direito, correm como ações de simples apreciação negativa e não como de condenação, conforme se referiu em sede de alegações e se repristina in totum; Nessa conformidade, 3.ª Verificando-se in casu que a ação proposta pelo Autor foi a de ‘condenação’ e não a de ‘simples apreciação negativa’, conforme arguiu a Recorrente em sede de exceção na contestação, tal importa a nulidade da Petição Inicial por erro na forma de processo, conforme se referiu em sede de alegações e se repristina in totum; 4.ª Forma de processo – simples apreciação negativa - que é pacífico e unanime na mui distinta Jurisprudência Superior e corroborada pela Doutrina para os casos de impugnação registral, conforme se referiu em sede de alegações e se repristina in totum; Por sua vez, 5.ª Nas ações de impugnação registral, nos termos da Lei e da Jurisprudência além der admissível a ‘reconvenção’ por obedecer e preencher os requisitos normativos para tal, também é mister a sua necessidade para efeitos de eficácia jurídica por parte da Recorrente no presente caso sub Judicio, conforme se referiu em sede de alegações e se repristina in totum; Ademais, 6.ª Considerando que o pedido reconvencional foi aceite pelo Juízo Local Cível ..., o qual se declarou incompetente por efeito desse mesmo pedido, ordenando ope iuris a remessa ao Tribunal “a quo”, conforme se referiu em sede de alegações e se repristina in totum; 7.ª Sempre diríamos, com efeito, mutatis mutandis que, in casu, se operou também, salvo e por melhor douta opinião contrária, o trânsito julgado formal por não ter sindicado pelas partes tal pedido reconvencional e os seus efeitos, conforme se referiu em sede de alegações e se repristina in totum; Pelo que, 8.ª Não poderia o Tribunal “a quo” alterar a mutabilidade do pedido, por violação do princípio do dispositivo, da adequação e do transito em julgado (formal), além de, note-se, maxime, consubstanciar também uma decisão...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT