Acórdão nº 1496/22.5T8FIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelVÍTOR AMARAL
Data da Resolução21 de Novembro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: *** I – Relatório AA, com os sinais dos autos, intentou ação especial de divisão de coisa comum contra BB, também com os sinais dos autos, pedindo nos seguintes termos: «(…) deve a presente ação ser julgada inteiramente provada e procedente e, em consequência, proceder-se à adjudicação ou à sua venda dos seguintes imóveis: i. Fração autónoma designada pela letra B do prédio sito na Rua ..., ... ..., descrito junto da Conservatória do Registo Predial, Comercial e Automóveis ... (Freguesia ...) sob o n.º ...70 e inscrito na matriz ...30.... A fração em causa corresponde ao rés-do-chão, o segundo no sentido nascente/ poente, de tipo T0, destinado a habitação e pertencendo-lhe um parqueamento na cave, designado pelo número 2, situado do lado norte, sendo o segundo no sentido nascente/ poente; ii. Prédio urbano descrito como casa de habitação composta de r/c e 1º andar, tendo no r/c 3 assoalhadas, cozinha e casa de banho e despensa e no 1º andar 3 assoalhadas, cozinha e casa de banho, e barracão anexo amplo, descrito junto da Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...19 e inscrito na matriz predial urbana da Freguesia ... ...31.».

Alegou, em síntese, que: - os aludidos dois imóveis pertencem à Requerente e ao Requerido, em compropriedade, na proporção de ½ para cada um, por os terem adquirido enquanto viviam em união de facto, constituindo o segundo deles a anterior casa de morada da família e atual morada da Requerente e dos dois filhos de Requerente e Requerido; - perante a separação de Requerente e Requerido, ocorrida em 2019, sem perspetiva de reatamento, a Requerente pretende pôr fim à compropriedade, embora sobre os imóveis – que não são suscetíveis de divisão – pendam hipoteca e penhoras; - deve, pois, proceder-se à adjudicação ou venda dos dois imóveis, com chamamento dos credores para reclamação dos respetivos créditos.

Efetuada a citação do Requerido, não foi apresentada contestação.

Por isso, mediante despacho datado de 17/05/2023, foi: - considerada assente a compropriedade dos dois imóveis, bem como o volume das respetivas quotas (½) e a sua indivisibilidade; - designada data para conferência de interessados a que alude o art.º 929.º do NCPCiv., tendo «por finalidade o acordo dos interessados na respetiva adjudicação a algum deles, preenchendo-se em dinheiro a quota restante» ([1]).

A carta expedida para notificação do Requerido – dirigida para a morada onde foi realizada a respetiva citação pessoal ([2]) – foi devolvida com a menção de «Objeto não reclamado» e «Não atendeu» (fls. 26 do processo físico).

Em 29/06/2023, como designado, teve lugar a conferência de interessados, estando presente a Requerente e ausente o Requerido, perante o que o Tribunal exarou despacho nos seguintes termos: «Atendendo à falta de comparência do requerido é inviável a obtenção de acordo.

Extraia e junte certidão de ónus e encargos com vista a aferir se os imóveis se mantêm onerados.

Notifique.».

Após, fez-se constar da ata de conferência de interessados o seguinte: «Concedida a palavra à Ilustre Mandatária da requerente para se pronunciar quanto à possibilidade do prosseguimento dos presentes autos, atentas as penhoras que onerarão os prédios nos mesmos em causa e o disposto no art. 819º do CC, a mesma disse o seguinte: Em relação às penhoras existentes dos prédios objeto dos presentes autos, é intenção da autora entrar em contacto com as entidades credoras no sentido de acordar no pagamento das respetivas penhoras, sendo também sua intenção nos presentes autos, a final, a venda do prédio sito na Freguesia ... a terceiros ou ao requerido se assim entender ficar com ele, e propor a compra do prédio sito em ..., uma vez que é a casa de morada de família, onde reside com os filhos, com entrega do valor que couber ao requerido.

Em seguida, a Mmª Juiz determinou que os autos aguardem a junção da certidão de ónus e encargos, declarando encerrada a presente diligência quando eram 14:40 horas.» (cfr. fls. 30 e v.º do processo físico).

Juntas certidões prediais, por sentença datada de 05/07/2023 foi assim decidido: «Certidões Ref. 29.06.2023: Visto. Notifique as partes.

* Atenta a falta de acordo quanto à adjudicação dos imóveis, importava fazer prosseguir o processo para a fase da venda (cfr. art. 929º, nº 2 do CPC), venda essa que nos termos do art. 549º, nº 2 do CPC é feita pelas formas estabelecidas para o processo de execução e precedida das citações ordenadas no art. 786º, observando-se quanto à reclamação e verificação de créditos as disposições dos artigos 788º e seguintes, com as necessárias adaptações.

Contudo, constata-se que os imóveis objecto da presente acção se encontram onerados com penhoras anteriores, estando, por isso, afectos à realização das finalidades das respectivas acções executivas (art. 735º do CPC).

Nos termos do art. 819º, nº 1 são inoponíveis à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados, pelo que, qualquer venda que venha a ser feita no âmbito dos presentes autos não impede o prosseguimento da execução onde a penhora foi feita tal como se os imóveis continuassem a pertencer aos executados.

Por outro lado, o art. 794º, nºs 1 e 4 do CPC determina que, havendo mais que uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, sendo que a sustação integral determina a extinção da execução. A lei manifesta assim o propósito de evitar que ocorram adjudicações e vendas dos mesmos bens em processos diferentes e de concentrar num único processo a determinação e graduação dos créditos garantidos por aqueles bens, com vista a acautelar os interesses dos devedores executados, credores e adquirentes dos bens.

O prosseguimento dos presentes autos com a venda dos imóveis, quando os mesmos estão penhorados no âmbito de execuções, levaria a que pudessem ocorrer reclamações dos mesmos créditos em vários processos, e adjudicações e vendas do mesmo bem a pessoas diversas, o que a lei quer evitar.

Face ao exposto, e em face das penhoras que oneram os prédios objecto da presente acção, julga-se existir impedimento ao prosseguimento do processo para a fase da venda e determina-se a extinção da instância por impossibilidade superveniente.

Custas pela requerente.

Registe e notifique.».

Inconformada com tal sentença, recorre a Requerente, apresentando alegação, culminada com as seguintes Conclusões ([3]): «I. A requerente, ora recorrente, instaurou acção especial de Divisão de Coisa Comum.

  1. Findo os articulados, e regularmente citado o Requerido, o Tribunal a quo procedeu à notificação das partes para Conferência de Interessados.

  2. Diligência essa que o requerido faltou, sem qualquer justificação.

  3. Sendo agora a recorrente notificada da sentença agora em crise.

  4. Isto é, o Tribunal a quo, sem audição das partes, procedeu à decisão de mérito da causa, inesperadamente.

  5. Ora, entende a recorrente que decisão sobre o mérito pelo Tribunal a quo, sem a realização da Conferência de Interessados, com as partes presentes, ou notificação da possibilidade de decisão de mérito sem realização da mesma, viola os trâmites do processo e, por conseguinte, nula qualquer decisão ali tomada.

  6. Isto é, o Tribunal a quo não podia ter decidido sem antes promover a conferência das partes para tentativa de adjudicação.

  7. Não prevendo a legislação processual civil a dispensa da realização da mesma.

  8. Porém, ao abrigo da adequação formal, caso o Tribunal a quo decidisse não realizar, deveria proferir despacho no sentido de ouvir as partes quanto à agilização e adequação formal do processo, ao arrepio dos normativos do nº 3 do artigo 3.º e n.º 1 do artigo 6.º, todos do CPC.

  9. Ao fazê-lo, proferiu uma decisão surpresa, tendo violado o princípio do contraditório disposto no artigo 3.º do CPC, positivado pelo artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

  10. O Tribunal a quo cometeu, assim, uma nulidade processual em conformidade com o disposto no artigo 195.º do CPC, que enferma todo o processado posteriormente, nomeadamente a sentença.

  11. Além de que, nunca poderia o Tribunal a quo conhecer do mérito da causa, no caso sub judice, sabendo da intenção da recorrente que lhe fosse adjudicado os bens em conjunto com o passivo.

  12. Não o fazendo, o Tribunal a quo inquinou o processo de nulidade por violação das normas processuais, em apreço as normas relativas à Conferência de Interessados e direito do contraditório previsto no artigo 3.º do CPC e positivado pelo artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

  13. Não obstante, o Tribunal a quo, profere decisão por falta de acordo quanto à adjudicação.

  14. Ora, a falta de acordo apenas deveu-se à falta de comparência do requerido na diligência agendada.

  15. Situação que o Tribunal a quo não procurou colmatar com nova tentativa de agendamento ou contacto com o requerido.

  16. Sendo intenção da requerente, ora recorrente, que lhe fosse adjudicado todo o activo, conjuntamente com o passivo, compensado com a respectiva parte devida ao requerido.

  17. Nesta senda, e face à decisão surpresa proferida pelo Tribunal a quo, vê os presentes autos improcedentes, apenas pela falta de comparência do requerido na Conferência de Interessados.

  18. Situação que a recorrente não se conforma.

ASSIM TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, POR VIA DESTE, SER DECLARADO NULO O PROCESSADO, POR VIOLAÇÃO DOS TRÂMITES PROCESSUAIS, DEVENDO O TRIBUNAL A QUO, AGENDAR NOVA DATA PARA CONFERÊNCIA DE INTERESSADOS, INSISTINDO...

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