Acórdão nº 2181/21.0T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelFALCÃO DE MAGALHÃES
Data da Resolução21 de Novembro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

* Relator: Falcão de Magalhães 1.º Adjunto: Des. Sílvia Pires 2.º Adjunto: Des. Cristina Neves Apelação n.º 2181/21.0T8LRA.C1 Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:1 I - Relatório: A) - 1) - 2«[…] AA, contribuinte n.º ...20, BB, contribuinte fiscal em França nº ...30, e CC, contribuinte n.º ...08, intentaram a presente acção de condenação, sob a forma de processo comum, contra DD , contribuinte n.º ...08, peticionando a condenação da ré: • no pagamento aos AA. da importância de €33.333,00, correspondente a 2/3 da indemnização, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data do recebimento -1-06-2020 - até à data do efetivo pagamento; • no pagamento aos AA. da quantia de €3.000,00 pelos danos morais causados pela sua inércia e implícita recusa em entregar aos demais herdeiros a parte da indemnização da seguradora à qual têm direito, para além de lhes ter ocultado tal facto por manifesta deslealdade.

Para tanto, alegam, em síntese relevante, que os autores, na qualidade de filhos, e a ré, na qualidade de cônjuge sobreviva, são herdeiros de EE, falecido a .../.../2020; que o falecido EE era tomador de um seguro que cobria, além do mais, o risco de morte, sendo os beneficiários os seus herdeiros legais; que, após o óbito de EE, a seguradora, no dia 01.06.2020, entregou à ré, na qualidade de Cabeça de casal da herança aberta por óbito do segurado, a totalidade do capital garantido, no valor de 50.000,00€; que a ré nada disse aos autores e fez sua a totalidade da indemnização recebida; que os autores, por carta dirigida ao Il. Mandatário da ré, conferiram a esta um prazo de 10 dias para proceder ao pagamento devido aos autores, o que a mesma não fez até à presente data; que a ré apresentou-se junto da seguradora na qualidade de Cabeça de casal e reclamou o pagamento da totalidade da indemnização devida, pelo que são devidos juros de mora sobre a quantia que a ré deveria ter entregue aos autores, desde a data do respectivo recebimento pela ré; que a actuação da ré e a sua recusa em entregar aos autores o que lhes é devido causou, e causa-lhes, consternação e desgosto susceptíveis de indemnização a título de danos morais.

A ré apresentou contestação, defendendo-se por impugnação, na medida em que, apesar de admitir expressamente que recebeu da seguradora a quantia total de 50.000,00€ e que nada entregou aos autores, alega, em oposição, que desconhece qual o capital seguro e os beneficiários da pólice, bem como que não se apresentou junto da seguradora na qualidade de Cabeça de casal, mas sim como herdeira de EE e beneficiária do capital seguro, pelo que a seguradora pagou-lhe aquilo que entendeu ser-lhe devido, sem qualquer reserva ou restrição, que a ré recebeu na convicção que lhe pertencia por inteiro. Conclui que não se mostram preenchidos os pressupostos do enriquecimento sem causa, porquanto aos autores caberá demandar a seguradora com vista a ver satisfeito o respectivo alegado direito e, em consequência, pela improcedência total da acção.

Por articulado apresentado no dia 06.09.2021, vieram os autores requerer a condenação da ré como litigante de má fé, uma vez que, ao afirmar que não invocou junto da seguradora a sua qualidade de cabeça de casal [apesar de ter entregue na seguradora a respectiva Habilitação de Herdeiro] e que recebeu o valor pago pela seguradora na convicção de que o mesmo correspondia ao seu direito exclusivo [ao contrário do que consta dos documentos elaborados pela seguradora], a ré deduz oposição cuja falta de fundamento não pode ignorar e altera a verdade dos factos. Os autores mais requereram a ampliação do pedido, a qual foi, porém, indeferida por despacho proferido no passado dia 23.02.2022. * Foi proferido despacho saneador tabelar a fls. 149, com enunciação dos temas de prova, sem reclamações. […]».

* 2) - O valor da causa foi fixado em €37.691,89.

3) - Realizada que foi a audiência final, veio a ser proferida (pelo Juízo Local Cível ...), a sentença de 9 de Março de 2023, que, julgando a acção totalmente improcedente, absolveu a Ré do pedido e julgou improcedente o pedido de condenação desta como litigante de má fé. * B) - Desta decisão recorreram os Autores, que, a finalizar a respectiva alegação de recurso - que veio a ser recebido como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo -, apresentaram as seguintes “conclusões”: «O erro de interpretação e aplicação do artigo 770º do Código Civil 130. Não podem os AA. deixar de interpor o presente recurso porquanto se seguissem a sugestão da douta sentença e tivessem demandado a Z..., correr-se-ia o risco de o Tribunal perfilhar o mesmo entendimento da Meritíssima Juiz anteriormente titular deste processo.

131. E, segundo esse entendimento, os AA. deveriam ter demandado apenas a R. porque, na realidade, a Z... já tinha cumprido a sua obrigação contratual ao entregar o montante da indemnização à R., no pressuposto de que esta repartiria com os demais herdeiros, todos beneficiários da indemnização. 132. E, na realidade, tal diligência já tinha sido levada a cabo pelos AA., mas sem sucesso, devido ao erro de apreciação jurídica que neste recurso se invoca. 133. E, se os AA. quisessem demandar novamente a R., o Tribunal concluiria que essa causa de pedir já tinha sido usada noutro processo judicial, entretanto transitado em julgado.

134. E os AA. já nada iriam receber…porque não podiam ir novamente pela via do enriquecimento sem causa porque esta ação já tinha sido julgada e transitada em julgado… 135. Não está em causa o facto de discernir se a R. tinha ou não conhecimento de que a indemnização lhe tinha sido entregue no pressuposto de que ela, na qualidade de cabeça-de-casal, a distribuiria pelos demais herdeiros.

136. O que, verdadeiramente, está em causa é o facto de ela não ter direito à totalidade da indemnização, a qual apenas lhe foi entregue por questões de agilização de pagamento e porque a seguradora confiou na sua seriedade quanto à repartição do montante indemnizatório pelos herdeiros legais, fossem eles quais fossem.

137. O grave erro da sentença recorrida assenta no facto de considerar que a cabeça-de-casal é “terceiro” para os fins do artigo 770º do Código Civil e, por tal facto, o pagamento que foi efetuado na sua pessoa não extingue a obrigação contratual da seguradora para com os demais herdeiros.

138. Tal como decorre dos depoimentos dos funcionários da seguradora, o pagamento foi feito no pressuposto de que esse montante indemnizatório seria distribuído pelos herdeiros legais, fossem eles quais fossem, e, por tal motivo, o valor da indemnização só foi pago após a R. ter enviado a habilitação de herdeiros.

139. Tal condicionalismo ficou bem patente pela correspondência, sistematicamente impugnada pela R., que foi junta ao longo deste processo.

140. A este respeito são os eloquentes as declarações da testemunha FF (minutos 5.00 a 6.00, 7.00 a 7.27, 22.00 a 23.25, 25.27 a 25.43) e da testemunha GG (minuto 6.23 a 8.15, 8.55 a 9.01, 18.22 a 19.00).

141. Tal pressuposto decorre igualmente da correspondência junta aos autos mensagem de correio eletrónico de 24-11-2022 (Refª Citius 9234674 de 24-11- 2022) (fls. 165 verso) e a carta enviada pela seguradora a 17 de março de 2020, junta aos autos a 14-09-2021 (Refª Citius 7991689, Doc. 2) (fls. 69) e a carta datada de 26-05-2020, junta aos autos com o mesmo requerimento).

142. A douta sentença recorrida violou o artigo 770º do Código Civil ao entender que a cabeça-de-casal era um “terceiro” para os efeitos do referido normativo legal. Testemunhas instruídas 143. A R., usando testemunhas por si instruídas, tentou fazer passar a ideia de que não se tinha apercebido que era uma mera fiduciária da indemnização, a qual não lhe pertencia na totalidade (cf. HH, minuto 3.00 a 5.10, 6.10 a 6.15, 7.00 a 7.30, II, 6.00 a 7.00, 12.22 a 13.08, JJ, 6.30 a 7.30).

144. Deveria, ao invés, a douta sentença ter-se pronunciado criticamente contra este expediente da R. e sancioná-la por estar a tentar usar um meio probatório inconsistente: testemunhas que não tinham qualquer razão de ciência e que vieram relatar apenas o que a R. lhes tinha contado…e, claro, dizer que ela era muito boa pessoa… 145. Pelo facto de não ter tomado posição quanto a este expediente da R. e até de ter valorado os depoimentos indiretos, leia-se instruídos e encomendados, que a R. veio trazer, deverá considerar-se que a douta sentença omitiu a pronúncia acerca de uma questão sobre a qual se deveria ter pronunciado e, nessa medida, incorreu no vício previsto no artigo 615º nº 1 – d) do C.P.C.

Má fé substancial e instrumental 146. A R., usando de má fé, iludiu os AA. que, caso a seguradora considerasse que a causa da morte fosse natural, não haveria lugar a indemnização e, nessa medida, o resultado da autópsia seria decisivo.

147. A este respeito, oiçam-se os depoimentos da 2ª A. (minuto 11.00 a 12.50, 14.25 a 18.00, 25.37 a 26.30) e do 1º A. (minuto 5.00 a 6.30, 12.25 a 13.30).

148. E, de facto, enviou-lhes, por correio, o resultado da autópsia, como sendo de morte natural, sabendo que a seguradora tinha assumido como causa da morte um acidente e, por tal facto, iria efetuar o pagamento na pessoa dela (cf. depoimento da 2ª A., minuto 11.00 a 11.40, depoimento do 1º A., minuto 14.00 a 17.00).

149. Esta atitude é claramente censurável e denota a postura de má fé substancial que caraterizou o comportamento da R. ao longo deste processo, ficando impune, tal como se constatou.

150. À má fé substancial veio juntar-se a má fé instrumental, demasiado flagrante em toda a contestação (fls. 48 verso, 49 e 49 verso).

151. A este respeito, vejam-se, muito em especial, os artigos 9º a 14º, 22º, 26º (A R. chega ao ponto de dizer que não sabe quem são os beneficiários indicados na apólice...), 27º, 29º, 33º (A R. chega ao ponto de dizer que da apólice não resulta que os beneficiários são os herdeiros legais!!!), 35º (vejam-se as posições tomadas pela Z..., quer nos documentos enviados...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT