Acórdão nº 2325/22.5T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelVERA SOTTOMAYOR
Data da Resolução23 de Novembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO FUTEBOL CLUBE T..., com sede na Rua ..., ... ...

instaurou acção declarativa comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra CENTRO DESPORTIVO E CULTURAL DE EMP01..., com sede no Estádio ..., Apartado ...9, ... EMP01... e AA, com domicílio no Estádio ..., Apartado ...9, ... EMP01... e pede: a) que ser reconhecida a cessação, unilateral e sem justa causa, do contrato por parte do Réu AA b) que se condene os Réus a pagar ao Autor a importância de €50.000,00 (cinquenta mil euros) acrescida de juros moratórios que se vencerem até efectivo e integral pagamento.

Tal como consta da sentença recorrida, alega, em síntese e com interesse, que em 15/12/2021 celebrou com o réu AA um acordo, nos termos do qual este se obrigou a exercer, sob a sua autoridade e direcção, as funções de futebolista, pelo período compreendido entre 01/07/2022 e 30/06/2023, mediante o pagamento de uma remuneração no valor anual líquido de €10.000,00. A partir de 11/07/2022 o réu AA deixou de comparecer no local de trabalho, sem qualquer justificação para a sua ausência, para além de ter apurado que o réu AA foi inscrito como atleta do réu EMP01... para o período compreendido entre 30/08/2022 e 30/06/2023. A conduta do réu AA constitui abandono de trabalho, o que consubstancia uma denúncia ilícita promovida pelo trabalhador, em virtude da qual incorreu o réu AA na obrigação de ressarcir o autor no montante de €50.000,00, a título de indemnização contratualmente prevista pela cessação unilateral e sem justa causa da relação laboral, sendo o réu EMP01... solidariamente responsável enquanto entidade empregadora que contratou o réu AA, nos termos previstos no artigo 26.º, n.º 1, da Lei n.º 54/2017, de 14 de Julho.

O réu EMP01... apresentou contestação, na qual pugnou pela improcedência das pretensões contra si aduzidas, dizendo que quando firmou com o réu AA um vínculo para a época desportiva 2022/23, desconhecia que este tivesse assinado um contrato de trabalho desportivo com o autor, sendo que se certificou previamente junto da F.P.F. de que o jogador não tinha sido inscrito por nenhum outro clube e que não fora registado um contrato de trabalho desportivo junto daquela entidade. Mais alega que não pode ser considerado entidade empregadora, para efeitos do artigo 26.º, n.º 1, da Lei n.º 54/2017, de 14 de Julho, uma vez que celebrou com o réu AA um contrato amador. O contrato de 15/12/2021 é nulo por não ter sido elaborado em quintuplicado ou pelo menos em triplicado e não terem sido realizadas as comunicações legalmente previstas; em virtude de não ter ocorrido o reconhecimento presencial das assinaturas dos outorgantes, nem ter sido registado, não tendo o autor comunicado ao I.S.S. a sua celebração; por não ter sido celebrado contrato de seguro de reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho que abrangesse o réu AA, como praticante desportivo profissional, com efeitos a partir de 01/07/2022; por o seu objecto ser física e legalmente impossível e contrário aos bons costumes, em virtude de o autor ter agido com reserva mental; e por ter sido violado o princípio da liberdade contratual. O autor agiu em abuso de direito, o que obsta à exigência do montante peticionado. Contudo a título subsidiário, defende que o valor da indemnização deve ser reduzido para € 1.000,00, por se afigurar desproporcionado.

O réu AA ofereceu contestação na qual secundou a defesa sufragada pelo réu EMP01....

Os autos prosseguiram os seus trâmites, realizou-se audiência de julgamento e posteriormente foi proferida sentença, a qual culminou com a seguinte decisão: “Em face do exposto, nos presentes autos de acção declarativa comum, decide-se: a) Julgar-se reconhecida a cessação, unilateral e sem justa causa, do contrato por parte do Réu AA nos termos supra expostos; b) Condenar o Réu AA a pagar ao autor FUTEBOL CLUBE T... a quantia de € 1.000,00 (mil euros), a título de indemnização, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, actualmente de 4 % e contados nos sobreditos termos e até efectivo e integral pagamento; c) Julgar improcedente o pedido formulado pelo autor FUTEBOL CLUBE T... contra o réu CENTRO DESPORTIVO E CULTURAL DE EMP01..., o qual se absolve em conformidade de tal pretensão; d) Condenar o autor FUTEBOL CLUBE T... e o réu AA no pagamento das custas da acção, na proporção do respectivo vencimento, que se fixa em 98 % e 2%, respectivamente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiem – cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.

Registe e notifique.” Inconformada com esta sentença, dela veio o Autor interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes conclusões: “A – Ressalvado o devido respeito, o douto Tribunal a quo lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito, levando a que também preconizasse uma errada valoração da factualidade dada como assente.

B - Outrossim, decidindo como decidiu, o Tribunal a quo não apreciou correctamente a prova produzida e que faz parte do processo.

C - Diz povo, com sabedoria, que “Ao menino e ao borracho, põe-lhes Deus a mão por baixo”. Ora, não sendo os Recorridos infantes ou particularmente vistosos, nem divino o Tribunal a quo, o certo é que a douta sentença recorrida, em lugar de condenar os Recorridos ao pagamento de uma indemnização ajustada aos danos por ambos causados, extrai miraculosamente uma redução da indemnização convencionada, com fundamento em juízo de equidade, praticamente inviabilizando, por ora, a procedência da acção deduzida pelo Autor.

D - Cremos poder afirmar que os incumpridores, no caso os Recorridos, esfregam as mãos de satisfação e, se analisarem introspectivamente as suas condutas de incumpridores, dirão “valeu a pena!”, tão minguada é a indemnização atribuída face às consequências danosas das suas condutas, para o Autor.

E - Isto porque, entendeu o douto Tribunal a quo que o montante acordado pelas partes – €50.000,00 (cinquenta mil euros) - se afigurava manifestamente exagerado, tendo decidido reduzir o montante da indemnização, de acordo com o seu juízo de equidade.

F - Sucede que, para que o Tribunal possa proceder à redução equitativa do montante acordado pelas partes, o Recorrido AA tinha de alegar e provar factos integradores da sua manifesta excessividade, situação a analisar casuisticamente e de acordo com o tipo de cláusula estabelecida, sob pena de inutilização da sua própria função e da razão da sua existência.

G - Com efeito, a qualificação de um determinado montante indemnizatório – previamente acordado pelas partes - como manifestamente excessivo, por forma a que a se proceda à sua redução, assume-se como uma exceção de direito material, pois que o seu objetivo é modificar o direito do Recorrente e, por essa via, obstar à procedência total do pedido.

H - Assim, não ficou minimamente demonstrado nos autos que o montante indemnizatório – previamente acordado pelas partes – que permitia ao Recorrido AA revogar, sem justa causa, o contrato de trabalho celebrado com o Recorrido era manifestamente excessivo.

I - Pelo que, salvo melhor opinião, não poderia o douto Tribunal a quo ter procedido à sua redução, com fundamento na equidade.

J - Mesmo que assim não se entenda, sempre o montante atribuído é manifestamente injusto e premeia a conduta dos Recorridos que, fizeram tábua rasa do acordo existente entre o Recorrente e o Recorrido AA, gerando gritante desequilíbrio entre as partes no contrato.

K - Com efeito, tendo em conta a gravidade da violação contratual, o grau de culpa do Recorrido AA, as vantagens que, para este e para o Recorrido Centro Desportivo e Cultural de EMP01..., resultaram do incumprimento, o interesse do Recorrente no cumprimento do contrato, a sua boa fé e a índole do contrato, é manifesto que a montante acordado entre as partes não se afigura manifestamente desproporcionado, pelo que inexistem razões objectivas para recorrer à sua redução.

L - O douto Tribunal a quo, interpretou incorretamente o disposto no n.º 2 do art.º 25.º da Lei n.º 54/2017.

M – Isto porque, quanto mais tempo de contrato tiver decorrido, mais valor perde esse montante indemnizatório.

N - Isto é, se um atleta revogar um contrato a escassos dias de o contrato atingir o seu termo, obviamente que o montante indemnizatório, estabelecido no início do contrato, terá que ser muito reduzido, porquanto o “clube” já usufruiu da actividade do atleta pela quase totalidade do período contratado e, bem assim, porque quanto mais nos aproximamos do termo do contrato, menor é a possibilidade de o clube conseguir obter retorno financeiro através de uma “transferência” do atleta para outro “clube” O - In casu, o que aconteceu foi precisamente o inverso, na medida em que, o Recorrido AA, revogou unilateralmente e sem justa causa o contrato que celebrou com o Recorrente, escassos dias após o início da sua vigência.

P - Pelo que, como está bom de ver, não existem fundamentos objectivos para que a indemnização atribuída ao Recorrente se afaste significativamente daquela que foi acordada pelas partes aquando da celebração do contrato e expressamente prevista no mesmo.

Q - A indemnização atribuída ao Recorrente (€1.000,00) gera evidente desequilíbrio entre as partes no contrato, porquanto se o Recorrente tivesse cessado o contrato de trabalho sem justa causa teria que pagar ao Recorrido AA a totalidade dos vencimentos acordados, até ao final do contrato, eventualmente acrescido de outros danos que pudesse ter causado. – cfr. art.º 25.º da Lei n.º 54/2017.

R - Aliás, neste sentido, crê-se que o próprio art.º 25.º da Lei n.º 54/2017 estabelece um limite mínimo do montante indemnizatório a pagar pela parte que, sem justa causa, fizer cessar unilateralmente o contrato de trabalho de praticante desportivo.

S - De facto, estipula o art.º 25.º da Lei n.º 54/2017 que, na ausência de qualquer convenção, a parte que der causa à cessação ou que a haja...

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