Acórdão nº 029/23.0BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelJOAQUIM CONDESSO
Data da Resolução22 de Novembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO X RELATÓRIO X"A..., S.A.", com os demais sinais dos autos, interpôs recurso, para uniformização de jurisprudência, dirigido ao Pleno da Secção de Contencioso Tributário do S.T.A., tendo por objecto o aresto arbitral proferido no âmbito do processo nº.223/2022-T, datado de 6/02/2023, o qual julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral, deduzido pela sociedade ora recorrente e visando, mediatamente, os actos de liquidação adicional de I.R.C. e de juros compensatórios, relativos ao ano fiscal de 2018 (cfr.cópia junta a fls.53 a 68-verso do processo físico).

O recorrente invoca oposição entre o acórdão arbitral recorrido e os seguintes arestos fundamento, concretizados depois do Tribunal ter lavrado despacho nesse sentido: a) O acórdão arbitral, datado de 21/04/2022, lavrado no âmbito do processo nº. 688/2021-T (cfr.cópia junta a fls.229 a 243 do processo físico); b) O aresto arbitral, datado de 26/03/2020, lavrado no âmbito do processo nº. 463/2019-T (cfr.cópia junta a fls.260 a 270 do processo físico).

XPara sustentar a oposição entre a decisão arbitral recorrida e os arestos fundamento, a sociedade recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.216 a 228 do processo físico), formulando as seguintes Conclusões: 1-Os atos tributários de primeiro e de segundo grau controvertidos resultam da desaplicação do RFAI quantificado pela Recorrente, com base nos investimentos realizados na sua atividade agroindustrial de abate e transformação de pato, incluindo confeção de pato na cozinha industrial decorrente daqueles investimentos.

2-A Recorrente peticionou a anulação do ato tributário em sede arbitral.

3-No que foi desatendida.

4-Ao contrário do que sucedeu no Acórdão Fundamento Processo n.º 688/2021-T de 21 de abril de 2022 que, quanto a matéria de facto (igual!) (transformação de produtos agrícolas), e referente ao mesmo sujeito passivo – A..., e tendo por base o mesmo relatório de inspeção, não sendo por isso matéria controvertida – e para a mesma questão fundamental de direito – desaplicação do RFAI a produtos agrícolas, por aplicação do CFI, Portarias relevantes, em especial 282/2014, TFUE, o seu Anexo I, OAR’s e RGIC, a interpretação que limita o CAE mencionado na Portaria 282/2014), o Tribunal decidiu de modo oposto ao do douto Acórdão recorrido, anulando o ato tributário, por fazer uma interpretação oposta do quadro normativo citado, nomeadamente no que respeita á sua aplicação ao caso concreto.

5-Em síntese, a indústria transformadora enquadra-se no artigo 2.º, n.º 2 do CFI e a atividade de transformação de produtos agrícolas inclui-se no âmbito de aplicação do RGIC, pelo que a exceção de aplicação do RFAI às atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação do RGIC, que se prevê na parte final do artigo 22.º do CFI, não afasta a aplicação do benefício fiscal do RFAI àquela atividade.

6-Não podendo, salvo todo o devido, muito respeito, a decisão proferida ser no sentido que se da atividade transformação resultar o produto agrícola primário, o benefício (RFAI) já não é aplicável.

7-Isto porque o RFAI aplica-se a toda a atividade desempenhada pela Requerente no âmbito do CAE 10120 sendo toda ela transformadora e elegível para efeitos RFAI, pelo que não seria necessário demonstrar sequer a percentagem/parcela alocada à produção e transformação de carnes que o Acórdão Requerido alega, uma vez que toda a atividade em si, mesmo que o produto resultante seja agrícola primário é uma atividade transformadora.

8-Não sendo o produto resultante da atividade transformadora excluído do âmbito do RFAI.

9-E ao sê-lo, tal não poderia ser feito por Portaria.

10-Tal como se sucede, e como bem o Acórdão Fundamento (Processo 688/2021-T alude as Portarias representam instrumentos de execução e efetivação de normas e princípios comunitários, não podendo a atividade de transformação de produtos agrícolas excluída do âmbito do RFAI por Portaria.

11-Assim, o artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro não pode afastar o benefício fiscal, por falta de habilitação legal (e consequente validade constitucional em obediência ao princípio de reserva de lei relativa) para restringir o âmbito do benefício fiscal definido nos artigos 2.º, n.º 2 e 22º do CFI.

12-Mais, a Portaria apenas poderia, quanto muito, definir os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior e não poderia definir essas atividades, recortando, dentro do CAE, as atividades cobertas e excluídas do RFAI, o que se compreende, por nem ser constitucionalmente admissível a definição do âmbito objetivo de benefícios fiscais por Portaria, que é matéria integrada na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, só podendo ser regulada por lei formal ou decreto-lei autorizado, como decorre do preceituado nos artigos 103.º, n.º 2, 112, n. 5, 165.º, n.º 1 alínea i), e 198.º, n.º 1, alínea b) da CRP.

13-Assim sendo, e densificando a própria contradição das decisões, se por um lado o Acórdão Recorrido considera que a exclusão se encontra prevista no artigo 22.º do CFI, e que este excetua de forma expressa as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação do RGIC das OAR, mas pelo contrário, o Acórdão Fundamento Processo 688/2021-T estipula que “O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC. (…) “A Portaria excluí do âmbito do RFAI as atividades de transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do TFUE, sem prejuízo de identificar os códigos CAE – Rev 3, divisões 10 a 33 para as indústrias transformadoras.” 14-Pelo que a contradição entre julgados incide essencialmente em saber, afinal, em que norma se encontra, a existir, tal exclusão. Uma vez que o Acórdão Fundamento apresentado, considera que esta se encontra na Portaria, sendo que esta não pode limitar o âmbito do RFAI, pelo que toda a atividade agroindustrial da Requerente é elegível, independentemente do produto final ser um produto agrícola primário, e o Acórdão Recorrido considera que a exclusão opera diretamente do artigo 22.º do CFI, pelo que no entendimento do Tribunal, face a tal interpretação um segmento da atividade da Requerente deveria ser excluído do acesso ao RFAI.

15-Relativamente à segunda questão fundamental de direito a analisar, relativa à repartição do ónus da prova, o tribunal ao decidir como o fez, fê-lo em oposição com outra decisão proferida – o Acórdão Fundamento Processo 463/2019-T.

16-Isto porque, em matéria de repartição do ónus da prova, quanto à subsidiação ou não do preço dos produtos transformados ou adquiridos de terceiros ou quanto à repercussão ou não do benefício fiscal no produtor primário (o que em caso afirmativo excluiria a aplicação do RFAI), o Acórdão Fundamento Processo 463/2019-T entendeu que o mesmo compete à AT.

17-Que, não o fazendo, não supera o ónus que sobre si recai, conduzindo a insuficiência da fundamentação devida, se não mesmo a erro sobre os pressupostos.

18-Densificando: sucede ainda que de acordo com as regras do direito probatório material, e como se viu, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração Tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque (artigo 74.º, n.º 1, da LGT), razão pela qual se a Administração pudesse desconsiderar um benefício fiscal com fundamento numa disposição de direito europeu que exclui da concessão dos auxílios o sector da transformação e comercialização de produtos agrícolas, apenas nas situações aí especialmente previstas, então teria a AT de demonstrar que se verifica, no caso, algum dos requisitos que, nos termos dessa disposição, permitiria afastar a atribuição do benefício fiscal.

19-Logicamente, não fazendo a AT tal demonstração, ou provando-se que mesmo seguindo a posição sustentada pela AT, pelo menos parte da produção poderia qualificar para efeitos de RFAI, por cumprir os apertados limites fixados pela AT, então a liquidação adicional de imposto com base na não dedutibilidade do benefício fiscal seria ilegal, além de tudo o mais, também por essa razão, devendo ser anulada.

XFoi proferido despacho pelo Exº. Conselheiro relator a admitir liminarmente o recurso (cfr.despacho exarado a fls.272 do processo físico).

XA entidade recorrida produziu contra-alegações no âmbito da instância de recurso (cfr.fls.276 a 288 do processo físico), as quais encerra estruturando as seguintes Conclusões: A-No caso está apenas em causa saber se o RFAI não se aplica a actividades de transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do TFUE? B-Conforme susodito as duas decisões em confronto reponderam – perante factos idênticos e a mesmíssima questão de direito – de forma diametralmente à questão O RFAI não se aplica a actividades de transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do TFUE? i.e., as actividades de transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do TFUE enquadram-se ou não nos sectores de actividade elegíveis para a concessão do benefício fiscal do RFAI à luz da interpretação do artigo 2º e 22º do Código Fiscal ao Investimento (CFI) e de mais legislação aplicável e das exclusões previstas no RGIC e nas OAR.? C-Efectivamente os arestos indicados divergem no entendimento do enquadramento da seguinte questão: O RFAI não se aplica a actividades de transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do TFUE? i.e., as actividades de transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do TFUE enquadram-se ou não nos sectores de actividade elegíveis para a concessão do benefício fiscal do RFAI à luz da interpretação do artigo 2º e 22º do Código Fiscal ao...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT