Acórdão nº 01084/04.8BTSNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelISABEL MARQUES DA SILVA
Data da Resolução22 de Novembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - Relatório - 1 – A..., S.A., com os sinais dos autos, não se conformando com o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 7 de abril de 2022, proferido nos presentes autos, vem, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), dele interpor recurso para uniformização de jurisprudência, por alegada oposição com o decidido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 11 de março de 2021, proferido no processo n.º 00195/04.4BEPRT, relativamente à questão de saber se é, em qualquer circunstância, legalmente admissível que a fundamentação do ato de liquidação constante de uma qualquer informação posterior à sua emissão, designadamente da decisão da reclamação graciosa deduzida contra tal ato, integre a fundamentação do ato tributário.

A recorrente termina a sua alegação de recurso formulando as seguintes conclusões: 1.ª O presente recurso vem interposto em virtude da evidente contraposição entre o douto acórdão recorrido e o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 11.03.2021, no âmbito do processo n.º 00195/04.4BEPRT; 2.ª A contradição do acórdão recorrido com o identificado aresto ocorre relativamente à questão de saber se, em qualquer circunstância, é legalmente admissível que os fundamentos aduzidos pela administração tributária em momento posterior à emissão de um ato de liquidação resultante de correções efetuadas em sede de inspeção tributária, designadamente constantes da decisão da reclamação graciosa deduzida contra tal ato, integrem a fundamentação do ato tributário; 3.ª Verifica-se identidade substancial de situações fáticas, uma vez que tanto no acórdão recorrido como no acórdão fundamento estavam em causa correções efetuadas pelos serviços de inspeção tributária cujo fundamento se reconduzia ao facto de o contribuinte não ter apresentado documentação considerada suficiente ou idónea a comprovar uma dada realidade que havia materializado na sua contabilidade, sendo que, tendo o mesmo vindo a apresentar novos elementos em sede de procedimento de reclamação graciosa, a administração tributária veio a alterar/aditar novos fundamentos aos que haviam suportado tal correção e que constavam do relatório final de inspeção tributária; 4.ª Verifica-se identidade dos fundamentos de direito, uma vez que ambos os acórdãos são chamados a pronunciar-se sobre a mesma questão jurídica, qual seja, a questão da admissibilidade da fundamentação a posteriori de um ato tributário resultante de uma inspeção tributária, em sede de decisão da reclamação graciosa. Quer no acórdão fundamento quer no acórdão recorrido se discute se um ato tributário emitido na sequência de uma inspeção tributária, em face da não comprovação por parte do contribuinte de determinado montante inscrito na sua contabilidade, pode ser mantido e legalmente sustentado com base em fundamentos adicionais aduzidos posteriormente à emissão do relatório final de inspeção tributária, designadamente, em sede de decisão da reclamação graciosa, numa situação em que o contribuinte apresenta elementos adicionais no decurso do referido procedimento de reclamação graciosa; 5.ª Não obstante a identidade da situação fáctico-jurídica vertida e apreciada nos acórdãos em causa, viriam os mesmos a decidir em sentido contraditório: no acórdão recorrido concluiu-se que também a decisão da reclamação graciosa, bem como os pareceres e informações em que a mesma se sustentou, constituem a fundamentação complementar do ato tributário emitido na sequência de uma inspeção tributária, devendo o juízo sobre a legalidade de tal ato ser realizado à luz de razões de facto e de direito que não constavam daquela fundamentação e que haviam sido invocadas a posteriori na pendência do procedimento de reclamação graciosa (cf. página 89 do acórdão recorrido); enquanto no acórdão fundamento concluiu-se que, um ato tributário emitido na decorrência de correções efetuadas em face da não comprovação por parte do contribuinte de determinada realidade materializada na sua contabilidade, não pode ser mantido com base em fundamentos adicionais aduzidos posteriormente à emissão do relatório final de inspeção tributária, designadamente, em sede de decisão da reclamação graciosa, em qualquer circunstância, incluindo numa situação em que o contribuinte apresenta elementos adicionais em momento posterior à emissão da liquidação e mais concretamente no decurso do referido procedimento de reclamação graciosa. Deste modo, resulta manifesta a contradição entre os arestos em confronto, sendo que, no entender da Recorrente deverá prevalecer a solução consagrada no acórdão de 11.03.2021, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 11.03.2021, no âmbito do processo n.º 00195/04.4BEPRT; 6.ª Não se ignora que mais recentemente têm sido proferidas decisões, designadamente deste douto Supremo Tribunal, que têm propugnado pelo entendimento vertido no acórdão recorrido mas não se pode conceder que tais decisões tenham por efeito consolidar a jurisprudência no sentido veiculado, tendo em conta por um lado a abundância e diversidade das decisões em sentido contrário que configuram ainda a jurisprudência consolidada, quer porque não se tem conhecimento que sobre a presente temática já se tenha pronunciado este Pleno.

7.ª Não pode proceder o entendimento vertido no acórdão recorrido, uma vez que, na aferição da legalidade de um ato apenas se pode considerar a sua fundamentação contextual, isto é, a que seja manifestada até à data da sua emissão e correspondente notificação ao contribuinte e já não a fundamentação aduzida a posteriori; 8.ª Solução contrária implica olvidar o que impõem os princípios e regras basilares que norteiam a emissão de qualquer ato tributário de liquidação, isto é, que os seus fundamentos e os respetivos pressupostos de facto e de direito em que o mesmo radica sejam contemporâneos da emissão da correspondente liquidação adicional, situando-se o demais em momento ulterior ao ato tributário de liquidação discutido e fora da génese deste, não lhe podendo servir de sustentação; 9.ª O que resulta da concretização do direito de audição prévia em sede de reclamação graciosa não pode influir na aferição da legalidade de um ato tributário de liquidação emitido lógica e cronologicamente em momento prévio, mas somente na aferição da legalidade daquela decisão; 10.ª Ante o exposto, não pode o racional subjacente ao acórdão recorrido, salvo o devido respeito, merecer acolhimento, sob pena de subversão do quadro de vinculação constitucional e legal em vigor em matéria de fundamentação; 11.ª A fundamentação dos atos tributários, assente em determinados pressupostos de facto e de direito, deve ser contemporânea à sua emissão, como prescrevem os artigos 36.º do CPPT e 77.º da LGT e se encontra constitucionalmente consagrado no artigo 268.º da CRP (cf. neste sentido, Joaquim Freitas da Rocha e João Damião Caldeira, Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária Anotado e Comentado, Coimbra Editora, 2013, página 333; Jorge Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, Vol. II, Coimbra Editora, 2010, página 827; Paulo Marques e Carlos Costa, A Liquidação de Imposto e a sua Fundamentação, 1.ª edição, Coimbra Editora, 2013, página 151; José Maria Pires, Gonçalo Bulcão, José Luís Moura Ramos Vidal e Maria João Menezes, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina, 2015, página 830; Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Vislis Editores, 2012, página 678, entre outros); 12.ª O mesmo entendimento é perfilhado pela esmagadora maioria da jurisprudência (cf. neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28.10.2020, proferido no processo n.º 0287/13.8BEPRT; acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28.01.2021, proferido no processo n.º 431/04.7BESNT; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 22.03.2018, proferido no processo n.º 0208/17; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27.01.2016, proferido no processo n.º 0324/15; acórdão do mesmo Tribunal de 04.10.2017, proferido no processo n.º 0406/13; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 01173/14, de 09.09.2015; acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 13.01.2004, proferido no processo n.º 00534/03; e Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.º 851/2019-T, de 25.01.2021, n.º 97/2020-T, de 12.10.2021, n.º 501/2019-T, de 17.01.2020, n.º 277/2019-T de 19.12.2019, n.º 136/2017-T, de 11.12.2017, n.º 45/2017-T, de 25.07.2017); 13.ª Com a devida vénia, o entendimento que mais se coaduna, no caso que nos ocupa concretamente e noutros que lhe sejam idênticos, com os ditames principiológicos e legais do direito tributário é aquele que resulta inequivocamente do acórdão fundamento versado no presente recurso, do qual decorre que é somente a fundamentação contextual do ato tributário de liquidação que serve de “barómetro” à apreciação da sua legalidade, não podendo admitir-se entendimento diverso; 14.ª A admitir-se e confirmar-se uma fundamentação a posteriori, tal consubstanciaria uma evidente ilegalidade, em virtude de, no contencioso de mera legalidade, como é o caso dos presentes autos, os tribunais se encontrarem limitados a apreciar a legalidade do ato tributário de liquidação sindicado contenciosamente nos estritos moldes em que este foi emitido, isto é, apreciando a respetiva conformidade legal em face da fundamentação contextual, contemporânea e integrante do próprio ato tributário; 15.ª Implicando o direito à fundamentação dos atos tributários atribuir ao contribuinte a faculdade de se defender dos pressupostos que nos mesmos são enunciados e de que resultaram os efeitos lesivos da sua pretensão, não é admissível valorar razões de facto e/ou de direito...

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