Acórdão nº 964/22.3T8OLH-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelFRANCISCO MATOS
Data da Resolução23 de Novembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

964/22.3T8OLH-A.E1 Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório 1. Por apenso à insolvência de (…), o Administrador da insolvência apresentou alegações propondo a qualificação da insolvência como culposa e indicou a sócia-gerente da insolvente, (…) para ser afetada pela qualificação.

Alegou, em síntese, que a Devedora dispôs de bens que constituíam o seu ativo em proveito do ex-cônjuge da sócia-gerente e da sociedade (…), Unipessoal, Lda., cujo atual proprietário é filho sócia-gerente e que esta prosseguiu, no seu interesse pessoal, uma exploração deficitária da insolvente.

O Ministério Público formulou parecer concordante com as alegações do Administrador da insolvência, ao qual aditou a apresentação tardia da Devedora à insolvência como causa da insolvência culposa.

A indigitada (…) deduziu oposição, por forma a qualificar a insolvência como fortuita e a concluir, em qualquer caso, pela sua não afetação pela qualificação da insolvência como culposa.

  1. Foi proferido despacho a afirmar a validade e regularidade da instância e dispensadas a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova.

    Houve lugar à audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença, em cujo dispositivo designadamente se consignou: “(…) o Tribunal decide julgar totalmente procedente o presente incidente de qualificação da insolvência e, em consequência decide:

    1. Qualificar a insolvência de (…) – Publicidade, Lda., como culposa, tendo a Insolvente e (…) atuado com culpa grave; b) Declarar (…) afetada pela qualificação da insolvência de (…) – Publicidade, Lda. como culposa, em virtude de atuação com culpa grave; c) Declarar (…) inibida para administrar patrimónios de terceiros durante um período de quatro anos; d) Declarar (…) inibida para o exercício do comércio durante um período de quatro anos, bem como para ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa; e) Determinar a perda de quaisquer créditos de (…) sobre a insolvente e sobre a massa insolvente; f) Condenar (…) a indemnizar os credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do seu património, sendo a referida indemnização relegada para liquidação de sentença”.

  2. A afetada pela qualificação, (…), recorre da sentença e conclui assim a motivação do recurso: “A) O presente recurso tem como objeto, em primeiro lugar, a reapreciação da matéria de facto provada e não provada, entendendo a Recorrente que deverão ser adicionados ao elenco de factos provados os factos 12-A, 22-A e 33-A; deverá o facto 27 do elenco de factos provados ser alterado nos termos peticionados; e deverão ser adicionados ao elenco de factos não provados os factos 1, 2 e 3.

    1. Deverá ser dado como provado o seguinte o seguinte facto 12-A: “A sociedade (…), Unipessoal, Lda. nada deve à sociedade (…) – Publicidade, Lda., tendo pago as faturas que lhe foram emitidas pela alienação dos bens que adquiriu.” C) Deverá ser dado como provado o seguinte facto 22-A: “Não foi apurado qual o valor de mercado dos bens alienados (incluindo a marca …), indicados nos pontos 13, 15, 17, 21 e 22 dos factos provados, à data das respetivas alienações, designadamente que os bens foram alienados por preços inferiores ao valor de mercado.” D) Deverá ser alterado o facto 27 do elenco de factos provados, passando a ter a seguinte redação: “Para além das transferências descritas em 24) supra, não se logrou encontrar comprovativos de outras entradas em dinheiro nas contas bancárias da Insolvente que fossem efetuadas pela sociedade (…), Unipessoal, Lda., mas resultou provado que tal não significa que as faturas dos bens alienados não tenham sido pagas”.

    2. Deverá ser dado como provado o seguinte facto 33-A: “A situação da sociedade (…) – Publicidade, Lda. encontrava-se, até Agosto de 2022, regularizada junto dos bancos, fornecedores, trabalhadores, Segurança Social e Finanças, não obstante, neste último caso, o crédito de IVA indicado em 29 do elenco de factos provados.”.

    3. Deverá ser dado como não provado o seguinte facto 1: “Foi feito abate de equipamentos a custo zero”.

    4. Deverá ser dado como não provado o seguinte facto 2: “A apresentação à insolvência na data em que ocorreu originou a constituição de novas dívidas à Autoridade Tributária e à Segurança Social”.

    5. Deverá ser dado como não provado o seguinte facto 3: “Com a venda indicada em 15. dos factos provados, a sociedade (…) – Publicidade, Lda. ficou sem instalações”.

    6. Em segundo lugar, entende a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento, não havendo qualquer fundamento para a qualificação da insolvência da sociedade (…) – Publicidade, Lda. como culposa, seja ao abrigo de qualquer das presunções de culpa mobilizadas pelo Tribunal a quo, seja ao abrigo da norma geral do artigo 186º, nº 1 do CIRE.

    7. Entende, igualmente, a Recorrente que não existe qualquer fundamento para ser declarada afetada pela qualificação da insolvência como culposa e para a condenação que foi decidida pelo Tribunal a quo.

    8. A ilidibilidade ou não das presunções é matéria que se coloca somente ao nível da prova, mas não ao nível da indagação acerca do preenchimento da norma que tipifica a presunção, o que significa que, pese embora não possa ser feita contraprova relativamente à presunção inilidível, pode e deve ser sindicada a mobilização da presunção no caso concreto, desde logo, se a prova produzida permite o preenchimento da presunção.

    9. Não foi determinado qual o valor real ou de mercado dos bens vendidos à sociedade (…), Unipessoal, Lda. (incluindo a marca …), à data da sua alienação.

    10. Não foi determinado o valor de mercado dos bens abatidos, nem tão-pouco que foram abatidos a custo zero.

    11. Não foi provado que os bens foram alienados à sociedade (…) por valores inferiores àqueles que efetivamente valiam.

    12. Não foi provado qual o proveito que a sociedade (…) tirou da aquisição dos bens à sociedade (…).

    13. Não foi possível determinar a existência de um desequilíbrio relevante, para efeitos do preenchimento do artigo 186.º, n.º 2, alínea d), do CIRE, entre as prestações contratuais assumidas pela sociedade (…) e pela sociedade (…).

    14. O Tribunal a quo conclui que os pagamentos constantes do ponto 24 do elenco de factos provados são relativos a uma dívida da sociedade (…) à sociedade (…) e não à alienação dos bens, mas não foi apurado de que dívida se trata.

    15. Não é possível concluir que esses pagamentos não são relativos à alienação dos bens.

    16. Não é alegada em parte alguma dos autos que o saldo devedor constante do balancete analítico de Dezembro de 2021 refere-se a uma dívida da sociedade (…) à sociedade (…) diferente da que resultou da aquisição dos bens pela sociedade (…).

    17. O saldo devedor constante do balancete analítico de Dezembro de 2021 poderia refletir já pagamentos feitos por conta das faturas relativas à alienação dos bens, uma vez que os pagamentos podem ser feitos ao longo do tempo.

    18. A mera comparação entre o saldo devedor de um balancete analítico e o saldo credor de outro balancete analítico, como faz o Tribunal a quo, é manifestamente insuficiente para se concluir que as faturas relativas às alienações não foram pagas.

    19. O Sr. Administrador da Insolvência não juntou os balancetes analíticos ao seu requerimento de qualificação da insolvência e ninguém alegou nos autos a conclusão que o Tribunal a quo extrai sobre os pagamentos feitos não respeitarem às alienações.

    20. A Recorrente não pôde pronunciar-se nos autos (desde logo, na sua Oposição) sobre tal matéria, uma vez que não foi alegada por qualquer das partes.

    21. Assim sendo, o julgamento da primeira instância introduziu na ação um elemento de novidade que torna necessária a consideração de prova documental adicional, ao abrigo do disposto no artigo 651.º, n.º 1, do CPC.

    22. Deverá ser admitida a junção aos autos dos dois documentos juntos nas alegações, que são os extratos de 2021 e 2022 da conta corrente da sociedade (…) junto da sociedade (…).

    23. Deverá ser ordenada a produção da prova documental trazida a este recurso, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea b), do CPC.

      A

    24. Resulta da análise desses documentos que, à data de 30-06-2022, a sociedade (…) nada devia à sociedade (…), porquanto todos os movimentos a débito lançados na sua conta corrente tinham sido cobertos por movimentos a crédito, inclusive as faturas pela alienação dos bens.

      BB) Resulta da análise desses documentos que foram feitos pagamentos, em 2021 e 2022, no total de € 42.536,00, valor que cobre rigorosamente as faturas n.º 1211, 1231, 1233, 1236 e 1238 relativas às alienações dos bens.

      CC) Assim sendo, a factualidade em causa, e a prova feita nos autos, não permite o preenchimento do artigo 186.º, n.º 2, alínea d), do CIRE, não sendo esta norma passível de motivar a qualificação da insolvência.

      DD) Não resulta do elenco de factos provados que, com as alienações de bens à sociedade (…), Unipessoal, Lda., a Insolvente ficou sem quaisquer meios para prosseguir a sua atividade e o seu interesse lucrativo.

      EE) Não é suficiente, para preenchimento do artigo 186º, n.º 2, alínea f), que a disposição dos bens da sociedade (…) tenha sido feita a uma sociedade parcialmente com o mesmo objeto e com sede no mesmo local.

      FF) Não foi provado que a disposição dos bens foi feita em proveito da sociedade (…), Unipessoal, Lda. e contra o interesse da sociedade (…).

      GG) Não foi provado qualquer dos caracteres típicos do artigo 186.º, n.º 2, alínea f), do CIRE, pelo que esta norma não é aplicável ao caso sub judice.

      HH) Não consta do elenco de factos provados qualquer facto relativo à “saúde” financeira da sociedade (…), designadamente que o negócio social era deficitário.

      II) Assim, carece da necessária base factual a apreciação que o Tribunal a quo faz sobre a aplicabilidade do artigo 186.º, n.º 2, alínea g), do CIRE.

      JJ)...

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