Acórdão nº 730/10.9TBPTM-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Novembro de 2023
Magistrado Responsável | ELISABETE VALENTE |
Data da Resolução | 07 de Novembro de 2023 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora: 1 – Relatório.
Por apenso à execução de que o Banco (…), SA move contra (…), em 07.02.2023, foi proferida a seguinte decisão (recorrida): «Reclamação, pelo Exequente, da nota de liquidação dos juros compulsórios em complemento da nota de honorários e despesas, e promoção de 30-1, que remete para a douta promoção de 20-10-22: O Exequente insurge-se contra a liquidação de juros compulsórios, pelos fundamentos constantes da ref. 10703946, que se dão por reproduzidos, pedindo, a final, seja dado provimento à reclamação, ordenando-se à agente de execução que dê sem efeito a referida nota de liquidação, com todas as consequências legais.
O Ministério Público defende que os juros compulsórios devidos ao Estado devem ser satisfeitos antes do pagamento do capital devido ao Exequente, o que, no caso, não ocorreu.
Efectivamente, os juros compulsórios a imputar ao Estado tratam-se de juros legais e, como tal, devem ser satisfeitos antes do pagamento do capital devido ao exequente.
O artigo 829.º-A, n.º 4, do Código Civil, prevê que quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar. O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em parte iguais, ao credor e ao Estado (n.º 3).
O Estado é credor legal desta quantia. E, neste putativo concurso entre exequente e Estado, isto é, saber se os juros legais compulsórios devidos ao Estado devem ser pagos antes do capital devido ao exequente, cabe trazer à luz o regime previsto pelo artigo 785.º do Código Civil.
Este estabelece como ordem de imputação presumida da quantia apurada, no caso de não chegar para cobrir tudo o que é devido, o pagamento de despesas, da indemnização, dos juros e do capital. O n.º 2 reforça que a imputação no capital só pode fazer-se em último lugar, a não ser no caso de o credor concordar em que se faça antes.
Veja-se o expendido nos acórdãos já aludidos na douta promoção de 20-10, designadamente do Tribunal da Relação de Évora, de 17-10-2019, no processo n.º 2720/16.9T8ENT.E1, e de 28-4-2022, no processo n.º 1380/20.7T8SLV-C.E1.
Ao contrário do entendido pelo Exequente, não há qualquer penalização, mas sim o pagamento, devido por lei, de um crédito que é do Estado e que, pela aludida ordem de imputação, precede a satisfação do capital devido ao Exequente.
Mesmo o Exequente beneficia, na consideração do valor pelo qual o imóvel lhe foi vendido/adjudicado, daquele regime: em primeiro lugar, o pagamento da quantia devida a título de juros e, só depois, a título de capital.
A não ser que disso prescinda, mas, a ser assim, apenas tem disponibilidade sobre a sua parte.
O artigo 829.º-A, n.º 4, do Código Civil estipula, pois, um adicional de juros que, assim, tem de ser pago antes do capital devido ao exequente.
No que concerne à alegação de prescrição, há que ter em conta o prazo de cinco anos, fixado pelo artigo 310.º, alínea d), do Código Civil. E este começa a correr a partir da exigibilidade da obrigação. Neste caso, os juros vencem desde a data em que a sentença de condenação transita em julgado até pagamento, mas com aquele limite de cinco anos, correspondente ao prazo da prescrição.
O prazo de prescrição considera-se interrompido nos termos do artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil, cinco dias após apresentação do requerimento executivo pelo Exequente; isto é, o Exequente – como atrás já se referiu – beneficiou de novo prazo. O que poderia ter sucedido era o Exequente, também como já dito, prescindir de receber qualquer quantia a título de juros, incluindo compulsórios, mas isso seria possível apenas na parte que lhe fosse devida, não tendo qualquer poder de disposição sobre a proporção que cabe ao Estado.
Por conseguinte, considerando que a obrigação de juros, no caso, vence no “dia-a-dia” (Acórdão da Relação de Évora, de 11-4-2019, no processo n.º 224/17.1T8MMN-A.E1) e ainda que haja que ter em conta o limite de cinco anos, tal prazo foi interrompido por força da instauração da execução, e continuaram a vencer-se juros, com prazo ex novo (mesmo aresto citado na nota 2). Os contabilizados para além do referido período de cinco anos não podem, efectivamente, ser cobrados.
Por todo o exposto, atende-se parcialmente ao requerido, havendo lugar ao pagamento de juros compulsórios legais ao Estado, por meio do produto do bem imóvel vendido/adjudicado ao Exequente, mas com o limite de cinco anos, deferindo-se o requerido nesta medida e, no mais, indo indeferido.
Sem custas. Notifique».
Inconformado com tal decisão, veio o exequente interpor recurso contra a mesma, apresentando as seguintes conclusões do recurso (transcrição): «A – Em decisão proferida pelo Tribunal ora recorrido foi parcialmente indeferida a Reclamação apresentada pelo Exequente da Nota de Liquidação dos Juros Compulsórios, contabilizados no montante de € 60.436,06 de acordo com o n.º 4 do artigo 829.º-A do Código Civil, efectuada pela Agente de Execução na sequência da promoção do Ministério Público, sendo a metade a favor do Estado a liquidar pelo Exequente.
B - O instituto da sanção pecuniária compulsória foi introduzido no nosso ordenamento jurídico por via do artigo 829.º-A, aditado ao Código Civil pelo Decreto-Lei n.º 262/2003, de 16 de Junho, com o seguinte teor: “1 – Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infração, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.
2 – A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.
3 – O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado.
4 – Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.” C - Deste quadro normativo resulta a configuração de duas espécies de sanção pecuniária compulsória: uma prevista no n.º 1 do artigo 829.º-A, de natureza subsidiária, destinada a compelir o devedor à execução específica da generalidade das obrigações de prestação de facto infungível; D - Outra, a que nos interessa no presente caso, prevista no n.º 4 do mesmo artigo, tendente a incentivar e pressionar o...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO