Acórdão nº 1790/22.5T8TMR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Novembro de 2023
Magistrado Responsável | FRANCISCO XAVIER |
Data da Resolução | 07 de Novembro de 2023 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I – Relatório1.
Nos autos de regulação das responsabilidades parentais a que se reporta o presente apenso, referentes ao menor AA, nascido a …/03/2022, em que é requerente BB e requerida CC, foi proferida decisão, em 06/07/2023, que alterou o regime provisório anteriormente estabelecido, em 12/12/2022, fixando o regime de residência alternada de 2 em 2 dias, com cada um dos progenitores, assegurando o progenitor as recolhas e entregas da criança, nos termos regulados na respectiva acta da audiência final.
-
Inconformada com a referida alteração do regime provisório de 06/07/2023, veio a requerida/progenitora interpor o presente recurso, nos termos e com os fundamentos que condensou nas seguintes conclusões: 1.ª A 19/12/2023 o Mmº. Juiz a quo institui um regime provisório de responsabilidades parentais, através do qual e entre outro, determinou que o AA ficasse a residir habitualmente com a mãe, podendo o pai ter o AA consigo todos os sábados e todas as quartas – feiras, entre as 9h30 e as 18 horas, situação que se manteve inalterada até ao pretérito dia 09/07/2023.
-
Pelo despacho recorrido, datado de 6 de Julho de 2023, o Mmº. Juiz a quo veio alterar tal regime provisório, fixando um novo pelo qual o menor passaria a estar dois dias com um progenitor e dois dias com outro, assim sucessivamente, ou seja «segunda e terça estará com um progenitor, quarta e quinta com outro, e sexta e sábado com o outro», mais tendo determinado que o menor seja recolhido em casa da mãe, em cada um dos primeiros dias que cabem ao pai, pelas 10 horas e entregue, nesse mesmo local, em cada um dos segundos dias que cabem ao pai, pelas 19 horas.
-
Mais foi determinado que tal regime tivesse início na segunda feira seguinte, ou seja dia 10/07/2023.
-
O regime agora instituído pelo Tribunal a quo constitui um regime da residência alternada.
-
No caso em apreço, o menor tinha feito, 5 dias antes da prolação da decisão referida em 2), apenas 16 meses deidade, ao que acresce o facto de o Tribunal a quo, na decisão que proferiu, ter referido: «Outro elemento a considerar: ocorre neste momento uma amamentação, que se revela gratificante, mas não é necessária para a alimentação do AA», salientando que «importa que este tenha ainda a presença significativa da mãe junto de si, sendo certo que nasceu a …/03/2022».
-
Não obstante, o modelo instituído pela decisão sob recurso não assegura a presença significativa da mãe junto do menor e é impeditivo de esta poder amamentar o menor e de este poder ser amamentado.
-
Conforme recomendação da Organização Mundial de Saúde (World Health Organization): “A partir dos 6 meses, as crianças devem iniciar complementarmente uma alimentação saudável adequada, enquanto continuam a amamentar até aos dois anos ou mais”.
-
Determina a Declaração Universal dos Direitos da Criança que “salvo em circunstâncias excepcionais, a criança de tenra idade não deve ser separada da sua mãe.” – Princípio 6º.
-
O regime referido em 2) implica, na prática, uma interrupção abrupta e repetida no tempo (de dois em dois dias) do aleitamento materno, o que, com todo o respeito que é devido, configura uma brutal violência (física, psíquica e emocional) sobre o bebé/menor e também sobre a sua mãe.
-
Impor a uma mãe que tem disponibilidade e desejo de amamentar o filho, o desmame, consiste numa decisão que um tribunal não pode tomar, por se tratar de uma interferência na relação mãe-filho, sem que estejam preenchidos os critérios que legitimam a intervenção do Estado na família 11.ª A privação, de um momento para o outro, da presença da mãe (por 33 horas seguidas de dois em dois dias) e a privação do aleitamento materno nesses períodos, constitui, dúvidas não temos, mautrato ao AA (e à ora Recorrente) 12.ª Pelo menos nas 24 horas que se seguem aos dois dias em que o menor está com o pai, aquele apresenta alterações significativas de comportamento, mostrando-se agitado, nervoso e, simultaneamente, muito cansado.
-
No caso em apreço, o AA não tem idade/maturidade para compreender que irá estar dois dias com a mãe e, após, dois dias com o pai (com uma pernoita), e assim sucessivamente. A percepção que o menor tem, sempre que estiver com o pai nesses dois dias, é que foi abandonado pela mãe (Cfr. Teoria da Vinculação).
-
Segundo a teoria da vinculação, a ruptura da criança com a pessoa de referência que dela cuida no dia-a-dia desde o nascimento, nos primeiros anos de vida, ainda que por períodos curtos, causa sofrimento às crianças, e se for prolongada, causa danos de saúde psíquica que podem ser irreversíveis.
-
O Julgador, ao decidir instituir um regime de residência alternada, como é o caso dos autos, está a impedir que o menor adquira uma imagem mental interna da sua figura de referência, impedindo-o de, no futuro, ser uma criança saudável, autónoma e independente.
-
Atentos os factos indiciariamente provados em ambas as decisões (de 19/12/2022 ede06/07/2023), nenhum fundamento existe, ou foi apontado pelo Julgador na decisão sob recurso, que tivesse ou permitisse motivar a alteração de regulação provisória instituída, não tendo sido trazida ao processo qualquer evidência de que não estivesse a funcionar e/ou não defendesse o melhor interesse do AA.
-
Se bem atentarmos nos factos indiciariamente demonstrados em ambas as decisões, e no que à boa decisão da causa diz respeito, aqueles são, no essencial, os mesmos e não sofreram alteração de vulgo.
-
No caso em apreço, as partes não foram ouvidas quanto à necessidade de alterar o regime provisório em vigor por um outro também provisório.
-
Não existe nem foi apresentada pelo Dignº. Procurador da República ou pelo Mmº. Juiz a quo na decisão que proferiu razões para, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento, alterar uma regulação provisória que estava em vigor, sem notícia de que a mesma estivesse a ser prejudicial para o menor (cfr. Pontos 5., 6., 7. e 8. dos factos indiciariamente demonstrados).
-
Conforme resulta da lei e é entendimento unânime da doutrina e jurisprudência, «A alteração do regime provisório vigente, fixado por acordo das partes homologado pelo tribunal, só deve ser decretada se houver incumprimento daquele regime ou se sobrevierem circunstâncias supervenientes que imponham a alteração para salvaguarda do superior interesse da criança» - artigos 12º, 27º, nº. 2, 28º, nº. 1 do RGPTC, artigo 988º do CPC.
-
Na sentença sob recurso não constam quaisquer fundamentos que permitissem ao Julgador alterar o regime provisório instituído, a saber: - incumprimento por parte dos progenitores do regime em vigor, ou - circunstâncias supervenientes que impusessem a alteração para salvaguarda do superior interesse da criança.
-
A intervenção do juiz para alteraras decisões provisórias proferidas ao longo do processo sobre as questões que haverão de ser decididas a final, não é em caso algum discricionária. A sua intervenção está subordinada a um critério de necessidade: ele só pode alterar o que se encontra fixado havendo necessidade disso. E essa necessidade prende-se com o surgimento de circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração para tutela dos superiores interesses da criança.
-
Seria totalmente contrário aos interesses da justiça instalar no processo uma anarquia decisória, nos termos da qual fosse possível ao juiz, a todo o momento, rever e modificar anteriores decisões, sem que na génese dessa intervenção estivesse uma alteração da situação de facto que presidiu à decisão.
-
Não consta que os termos da regulação provisória tenham sido incumpridos ou que o seu cumprimento tenha gerado alguma dificuldade acrescida ou novo problema relativamente aos que já se colocavam no momento da anterior decisão (muito pelo contrário: Cfr. factos indiciariamente adquiridos sob os nºs. 5., 6., 7., 8.).
-
A alteração a que se faz referência em 2) não podia sequer ter sido decretada e deve ser revogada.
-
Face ao supra exposto, impõe-se a atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso.
-
A Recorrente foi vítima de violência doméstica, tendo apresentado a respectiva queixa, sendo que tal processo se encontra na fase da Instrução.
-
Entre os progenitores não existe qualquer diálogo e/ou entendimento no que respeita ao menor; sendo que tal diálogo era já inexistente no período de tempo em que Recorrente e Recorrido viviam juntos, porquanto tal relacionamento foi pautado por inúmeros e sucessivos desentendimentos entre o casal.
-
A união de facto existente entre Recorrente e Recorrido cessou no dia 14/11/2022 num ambiente de extrema violência.
-
Desde 14/11/2022, que a Recorrente reside, juntamente com o seu filho menor, no Concelho de Leiria e o Recorrido reside no Concelho do Entroncamento.
-
O menor encontra-se ainda a ser amamentado.
-
O AA tem uma relação física e afectiva mais...
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO