Acórdão nº 1358/20.9T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelCARLA OLIVEIRA
Data da Resolução16 de Novembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório AA instaurou a presente acção de processo especial de divisão de coisa comum, contra BB, e Banco 1..., SA, alegando que é comproprietária com o réu BB, em partes iguais, do prédio urbano sito em ... ou ..., Lote ...8, inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo ...82 e descrito na Conservatória ... sob o n.º ...50 e peticionou que o tribunal ponha termo à indivisão do identificado prédio.

O referido réu contestou a acção e deduziu pedido reconvencional, pedindo que, previamente à divisão do prédio, se declare que o prédio identificado na petição inicial é propriedade da autora e do réu na proporção de 24,81% e 75,19%, respectivamente, prosseguindo, após aquela decisão o processo os seus termos com vista à adjudicação ou venda do mesmo.

Alegou, para tanto, que a aquisição e finalização do prédio urbano em discussão nos autos foi efectuada, em parte, com € 130.900 de dinheiro comum, resultante dum crédito contraído e pago por ambos e com fundos próprios do requerido, no montante global de € 132.878,65, daí concluir ser titular de uma quota de 75,19% e a requerente de uma quota de 24,81%.

Na réplica, a autora impugnou os valores alegadamente custeados pelo réu e concluiu pela improcedência do pedido reconvencional.

Após, o tribunal a quo determinou que os autos seguissem os termos do processo comum e procedeu à realização da audiência prévia, na qual, para além do mais, tentou a conciliação das partes, sem sucesso e ordenou que os autos fossem conclusos a fim de ser proferido despacho saneador, por escrito.

Na sequência, em 31.05.2021, foi proferido o seguinte despacho: “– DA ADMISSIBILIDADE DA RECONVENÇÃO: Na contestação o réu BB, para além da defesa apresentada, veio peticionar, a título reconvencional, que se declare que o prédio urbano sito na freguesia e concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...50 e inscrito na matriz predial sob o artigo ...60.º (anteriormente inscrito na matriz predial urbana da extinta freguesia ..., do concelho ..., sob o artigo ...82.º) pertence à autora e ao réu BB, nas proporções respectivas de 24,81 % e 75,19 %e não em partes iguais, como defende a autora.

Na reconvenção há uma modificação no objecto da acção, uma vez que esta, em vez de ficar circunscrita ao pedido formulado pelo autor, passa também a ter por objecto um pedido deduzido pelo réu, havendo como que “um cruzamento de acções”.

Sucede que nem todos os pedidos formulados pelo réu assumem a natureza de pedidos reconvencionais. Com efeito, a reconvenção apenas tem lugar quando o réu formula um pedido autónomo contra o autor, isto é, quando deduz contra o autor qualquer pedido que não seja pura consequência da sua defesa, nada acrescentando à matéria desta última, ou noutra formulação, quando o réu pretende obter um dado benefício (económico) que não se traduza na mera extinção, modificação ou impedimento da pretensão do autor.

Na medida em que com a reconvenção passa a haver duas acções cruzadas no mesmo processo, o legislador fez depender a admissibilidade da reconvenção da verificação de determinados pressupostos de natureza processual e objectiva, sob pena de ficar subvertida a disciplina do processo e da concessão da tutela requerida ser retardada.

No caso “a quo”, como se determinou no despacho de 02/12/2020 que os autos seguissem os termos da acção declarativa comum (artigo 926.º, n.º 3, do C.P.C.), não se suscitam dúvidas quanto à compatibilidade da tramitação das duas instâncias, para além da defesa oferecida pelo réu BB apresentar relevo exceptivo, por obstar aos termos de divisão invocados pela autora (v.g. esta defende que é consorte na proporção de 50%, enquanto o réu BB defende que a quota da parte contrária apenas corresponde a 24,81%), o que leva a que se conclua pela verificação dos pressupostos de admissibilidade do pedido reconvencional, à luz do disposto nos artigos 37.º, n.º 2 e 266.º, n.ºs 2, al. a), 2.ª parte e 3, do C.P.C.

Secunda-se, assim, o entendimento sufragado pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17/01/2019, relatora Albertina Pedroso, perante uma situação análoga: “sendo as diversas formas de processo - especial e comum -, o único obstáculo formal à admissibilidade da reconvenção, mas não seguindo as mesmas uma tramitação manifestamente incompatível, tanto mais que é expressamente admissível a transmutação do processo especial de divisão de coisa comum em processo comum, de acordo com o preceituado nos n.ºs 2 e 3 do indicado artigo 37.º, pode o juiz autorizar a reconvenção, sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa-composição do litígio (…) quando a indivisibilidade do bem comum é aceite entre as partes e o único litígio verdadeiramente existente se prende com as questões relativas à aquisição da fracção autónoma em comum e na mesma proporção por ambos os comproprietários, com recurso a pedido de empréstimo bancário, que um alega ter suportado em quantia superior ao outro, o poder/dever de gestão processual permite a admissibilidade da reconvenção, em circunstâncias como as da presente lide (…) esta é a única interpretação que se harmoniza com os princípios que regem a lei processual civil, cada vez mais arredados de visões de pendor marcadamente formalista em detrimento da busca da garantia de uma efectiva composição do litígio que reponha a paz social quebrada com as visões antagónicas que as partes têm do caso que as divide e que são o único fundamento da demanda.” Por outro lado, a objecção aduzida pela autora relativamente à necessidade de recurso ao processo especial de prestação de contas contende com o mérito da pretensão reconvencional, que infra será apreciado, mas não obsta à admissibilidade de tal instância reconvencional.

Termos em que, considerando o exposto, se decide admitir, a título liminar, o pedido reconvencional formulado pelo réu.

***II - DESPACHO SANEADOR: O Tribunal é competente em razão da matéria, da hierarquia e da nacionalidade, não ocorrendo causa de incompetência relativa de que cumpra conhecer.

Não há nulidades que invalidem todo o processado.

A petição inicial não é inepta e a forma do processo é a própria.

*As partes possuem personalidade e capacidade judiciária.

A autora e o réu BB gozam de legitimidade.

*(…) Deste modo, conclui-se também pela legitimidade do réu Banco 1.... *Inexistem excepções dilatórias ou peremptórias que importe apreciar.

*Como vimos, na contestação o réu BB peticionou, a título reconvencional, que se declare que as quotas da autora e do réu BB são de 24,81 % e 75,19 %, respectivamente, assentando tal pretensão, no essencial, na alegação de dois grandes pressupostos (que suscitaram controvérsia entre autora e réu BB): - com vista à aquisição, em 03/06/2004, do prédio urbano sito na freguesia e concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...50, o réu BB entrou com recursos financeiros superiores à autora; - após a outorga da escritura pública outorgada em 03/06/2004, foi o réu BB quem mobilizou o essencial dos recursos financeiros para ser completada a moradia erigida no prédio descrito sob o n.º ...50.

*Com base nos documentos carreados para os autos (artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do C.P.C.), é a seguinte a factualidade assente, no que ora releva: 1. No dia 21/08/2004, a autora e o réu BB contraíram casamento civil na Conservatória do Registo Civil de ..., sem precedência de convenção antenupcial, o qual foi dissolvido por divórcio decretado em 22/02/2011, no processo que correu termos no extinto ... Juízo do Tribunal Judicial ..., sob o n.º 1656/09...., por sentença transitada em julgado. 2. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...50 o prédio sito na freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...60.º (anteriormente inscrito na matriz predial urbana da extinta freguesia ..., do concelho ..., sob o artigo ...82.º).

  1. Decorre da descrição predial relativa à ficha n.º ...50 que: - área total: 204 m2; área coberta 120 m2; área descoberta 84 m2; - composição: casa de três pisos; 4. Decorre da descrição matricial relativa ao artigo 3760.º que: - área total: 204 m2; área de implantação do edifício 120 m2; - composição: prédio em propriedade total sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente com 3 pisos e correspondente a um T3; 5. Encontra-se inscrita a favor da autora (no estado de divorciado) e do réu BB (no estado de divorciado) a aquisição do direito de propriedade relativo ao prédio descrito sob o n.º ...50, mediante a ap. n.º ...0 de 11/04/2005.

  2. No dia 03/06/2004, no Cartório Notarial de ..., foi outorgada escritura pública, na qual intervieram CC e DD (como primeiros outorgantes), a autora e o réu BB (como segundos outorgantes, ambos no estado civil de divorciados) e EE (com terceira outorgante, a qual interveio na qualidade de procuradora da Banco 2..., S.A.), aí tendo sido declarado pelos primeiros outorgantes “que, pelo preço de cento, quarenta e cinco mil euros, que já receberam, vendem, aos segundos outorgantes, o prédio urbano, composto por parcela de terreno para construção urbana, com a área de duzentos e quatro metros quadrados, sito no ... ou ..., lote número ... e ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...32 (…) descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ...”, tendo os segundos outorgantes declarado aceitar esse contrato e nos demais termos que resultam desse documento e respectivo complementar, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

    *Verifica-se que a autora e o réu BB (encontrando-se ambos no estado civil de divorciados) adquiriram, mediante escritura pública outorgada em 03/06/2004, no Cartório Notarial de ..., o prédio urbano sito na freguesia e concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...50, o que implica que a transferência do domínio ocorreu...

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