Acórdão nº 28/40.4T8MAC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Novembro de 2023
Magistrado Responsável | ALCIDES RODRIGUES |
Data da Resolução | 16 de Novembro de 2023 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório AA intentou contra BB, no Juízo Local Cível ... - Juiz ... - do Tribunal Judicial da Comarca ..., acção declarativa sob a forma de processo comum, pedindo que se declare que todas as quantias depositadas na conta bancária à ordem n.º ...00, da Banco 1..., são propriedade em comum e partes iguais da Autora e da Ré, dado que esta quantia lhes foi doada em vida de seu tio CC; se condene a Ré a restituir à Autora metade daquela quantia, ou seja, € 36.230,00 e a pagar-lhe os juros legais moratórios vencidos no valor de € 5.566,50 e juros vincendos até efetivo e integral pagamento.
* Citada, contestou a Ré, pugnando pela total improcedência da acção (ref.ª ...38).
* Por despacho de 28-09-2020, foi declarada a incompetência em razão do valor do Juízo Local Cível ... para a tramitação da acção, tendo esta sido remetida ao Juízo Central Cível ....
* Realizada audiência prévia, na qual se fixou o valor da causa, foi proferido despacho saneador onde se afirmou a validade e regularidade objetiva e subjetiva da instância; de seguida, foi fixado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova, bem como foram admitidos os meios de prova (ref.ª ...64).
* Procedeu-se a audiência de julgamento (ref.ª ...54).
* Posteriormente, a Mm.ª Julgadora “a quo” proferiu sentença (ref.ª ...51), nos termos da qual, julgando parcialmente procedente a acção, decidiu: «i) declarar, e condenar a Ré a reconhecê-lo, que 1/3 (um terço) da quantia de € 72.400,00 (setenta e dois mil e quatrocentos euros), depositada em 21.12.2015 na conta bancária à ordem n.º ...00, da Banco 1..., pertence à Autora; e ii) condenar a Ré a restituir à Autora a importância de € 24.133,33 (vinte e quatro mil, cento e trinta e três euros e trinta a três cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento».
* Inconformada com a sentença, dela interpôs recurso a Ré (ref.ª ...01), tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1ª. – Como resulta da petição inicial apresentada pela recorrida, AA, foram por esta formulados apenas os seguintes pedidos: a) – Declarar-se que todas as quantias depositadas na conta bancária à ordem n.º ...00, do Banco Banco 1..., agência de ..., nomeadamente da quantia de 72.460,00€, é propriedade em comum e partes iguais de Autora e Ré; dado que esta quantia lhes foi doada em vida de seu tio CC: b) – Por tal, condenar-se a Ré a restituir à Autora metade daquela quantia, seja 36.230,00€, já que da mesma se apoderou em benefício próprio, quer por levantamento quer por transferência; c) – Condenar-se a Ré a restituir à Autora os juros legais moratórios vencidos que nesta data ascendem a 5.566,50€ e bem assim nos juros vincendos até efetivo e integral pagamento.
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– A instância manteve-se a mesma quanto aos pedidos e à causa de pedir, bem como quanto aos intervenientes chamados ao pretório não tendo sido formulados quaisquer pedidos de alteração do que se fez constar da petição inicial.
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– Através da análise e leitura dos pedidos formulados pela Autora, compreendemos o alcance da tutela jurídica pretendida (1/2 do dinheiro para cada uma das partes), bem como a causa de pedir em que fundamentou a sua pretensão (alegada doação verbal dos dinheiros) e o Tribunal não poderia deixar de proferir decisão que se contivesse nos estritos limites delineados pela Autora, AA.
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– Todavia, o Tribunal a quo veio a decidir o seguinte, por sentença datada de 24-04-2023 e de agora se recorre: Por todo o exposto, julgo parcialmente procedente a presente acção e, em consequência, decido: i) - declarar, e condenar a Ré a reconhecê-lo, que 1/3 (um terço) da quantia de € 72.400,00 (setenta e dois mil e quatrocentos euros), depositada em 21.12.2015 na conta bancária à ordem n.º ...00, da Banco 1..., pertence à Autora; e ii) - condenar a Ré a restituir à Autora a importância de € 24.133,33 (vinte e quatro mil, cento e trinta e três euros e trinta a três cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
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– O Tribunal decidiu não só para além do pedido, como contra a própria causa de pedir invocada pela Autora. O Tribunal decidiu com base em invocada presunção legal, a qual foi – ab initio – afastada pela autora (que alega que o dinheiro é de duas pessoas) e pela própria ré (que alega que o dinheiro é da mãe, a outra titular da conta bancária aqui em crise), pelo que a sentença é nula nos termos do art. 615º., nº. 1, als.d) e e) do C.P.C., o que expressamente se argui.
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– Ao decidir, como decidiu, a Mer. Juíza violou, por errada interpretação e aplicação o disposto nos artigos 3º. (nº.s 1, 2, e 3), 4º., 5º., 552º., 573º., 574º., 609º., nº. 1 e 615, nº. 1, alíneas d) e e), todos do Código do Processo Civil, que deviam ser interpretados no sentido de que, não tendo a autora feito prova dos fundamentos da acção, tal como esta a estruturou, deve a mesma ser declarada totalmente improcedente, não podendo o Julgador lançar mão de presunções judiciais para, alterando o pedido e a causa de pedir, concluir que a quantia monetária em crise pertence, em três partes iguais, à autora, à ré e a uma terceira pessoa que não foi chamada ao pleito.
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- A sentença recorrida viola igualmente, de forma frontal, as normas substantivas relativas às presunções legais, ínsitas nos artigos 349º e 350º. do C.C. O Tribunal interpretou e aplicou erroneamente as disposições legais supracitadas, as quais deveriam ter sido interpretadas no sentido de não poder ser aplicada a presunção legal em causa (art. 516º. do C.C.), não apenas porque a sua aplicação extravasava por completo o pedido e a causa de pedir, pronunciando-se sobre questões que não foram submetidas à sua apreciação. mas igualmente porque a sua aplicação contrariava frontalmente a alegação da própria autora (e da ré). Como corolário lógico, o Ilustre Julgador deveria ter decidido no sentido da improcedência total da acção por não provada, com as legais consequências.
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– SE ASSIM NÃO SE ENTENDER: deverá então o Tribunal da Relação de Guimarães decidir no sentido da ilegitimidade passiva da ré, porque desacompanhada da outra titular da conta bancária onde se encontrava depositado o dinheiro que o Tribunal a quo diz agora pertencer a três titulares, em partes iguais.
9º. – Salvo o devido respeito por opinião contrária, da própria configuração da acção, na petição, e dos documentos que foram juntos aos autos – pensamos com toda a segurança – que a presente acção nunca poderia ter sido intentada e muito menos decidida sem a chamada à acção de DD, mãe de autora e ré. Nunca poderia ter sido proferida decisão-surpresa que viesse atribuir dinheiros ou retirar dinheiros a quem não foi chamada à demanda.
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– A Meritíssima Senhora Drª. Juíza do Tribunal “a quo” deveria ter declarado a ilegitimidade da ré, porque desacompanhada da outra titular da conta bancária e deveria ter decretado a consequente absolvição da ré da instância. Como o não fez, foram violadas, por errada interpretação e falta de aplicação, as disposições atrás citadas: art 516º. do C.C. e artigos 3º., nº.s 2 e 3, 33.º, 278.º, n.º 1, alínea d), 576.º, n.º 2, 577.º., corpo e al. e) e ainda 578.º, estes do CPC.) pelo que – com todo o respeito e sempre salvo melhor opinião - a sentença da Senhora Juíza “a quo” deve ser revogada pelo Tribunal da Relação de Guimarães, substituindo-a por outra que decida no sentido da ilegitimidade da ré, pelas razões expostas, decretando a absolvição do ré da instância.
Sem conceder e quanto à matéria de facto, dir-se-á o seguinte: 11ª. - Não se levou aos factos provados (nem aos factos não provados) que o tio da recorrente e da recorrida, era o único e exclusivo dono da quantia de 72.500,00€, posteriormente transferida por sua irmã, DD. Todavia, neste ponto, autora e ré são unânimes em admitir e aceitar que tal dinheiro pertencia, em exclusivo, ao tio, CC. Aliás, a fls17 da fundamentação, é a própria Mer. Juíza que aceita ser incontroversa a pertença dos dinheiros a CC.
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– Tratando-se de facto admitido por acordo das partes e sendo essencial ao desfecho dos autos, deveria o mesmo ter sido incluído no elenco dos factos provados, o que expressamente se pugna.
Tal matéria de facto seria sempre essencial ao desfecho da acção, pois, como corolário logico e imperioso, o Julgador teria depois meios ou condições de definir quem era o verdadeiro proprietário dos dinheiros em causa, sem necessidade de recorrer a presunções judiciais.
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- Face ao exposto, deverá ser levada tal matéria aos factos provados, admitida por autora e ré, sugerindo-se a seguinte redacção para o referido ponto nº. 5: “CC foi 1.º titular da conta n.º ...00 da Banco 1... e o dinheiro aí depositado pertencia, em exclusivo, a CC”.
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– Salvo o devido respeito por opinião contrária, a Mer. Juíza erra na apreciação e valoração do testamento junto aos autos, outorgado por CC, nos termos do qual instituiu a sua irmã, DD (mãe de autora e da ré) única herdeira do remanescente da sua herança. Não tendo sido posta em causa a validade e eficácia do testamento, cujo teor foi até levado aos factos provados (ponto 16), não conhecendo assim qualquer impugnação, o teor de tal documento autêntico não poderá ser beliscado pelo que as testemunhas referiram.
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– Nãos se tendo provado qualquer doação de tais dinheiros, pertença de CC, sempre deveria ser dado como provado que tais dinheiros pertencem à herdeira testamentária e, portanto, ser levado aos factos provados, passando a constituir o ponto 17, o seguinte aditamento: “- o remanescente da herança que, por testamento, CC deixou à sua irmã DD inclui todos os dinheiros e saldos bancários de que era dono;” 16ª. – Ao decidir, como decidiu, a Mer. Juíza violou, por errada interpretação e aplicação o disposto nos artigos 349º, 350º. e 516º do C.C. O Tribunal interpretou e...
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