Acórdão nº 00214/23.5BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 17 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelPaulo Ferreira de Magalhães
Data da Resolução17 de Novembro de 2023
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I - RELATÓRIO INSTITUTO DA HABITAÇÃO E DA REABILITAÇÃO URBANA, IP, [devidamente identificado nos autos] Autor na acção que intentou contra «AA», e «BB» [também devidamente identificado nos autos], na qual foi requerido que (i) seja decretada a cessação do contrato de arrendamento, por resolução, e a entrega do imóvel livre e devoluto de pessoas e bens e, bem assim, que (ii) estes sejam condenados a pagar ao Autor a quantia de EUR 1.702,48 (mil, setecentos e dois euros e quarenta e oito cêntimos), a título de rendas vencidas e não pagas, acrescida de juros de mora calculados à taxa supletiva legal desde a data da citação até efectivo e integral pagamento e entrega efectiva do imóvel e (iii) subsidiariamente, a condenação dos Réus no pagamento das rendas em atraso, mas, de igual forma, de 20 % do correspondente valor em dívida, inconformado com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual foi julgada procedente a excepção dilatória atinente à falta de interesse em agir, e indeferida liminarmente a Petição inicial, veio interpor recurso de Apelação.

* No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem: “[…] CONCLUSÕES

  1. Todas as alterações à a Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro por parte da Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto (e observem-se de modo muito particular as alterações aos arts. 6.º, 17.º, 19.º, 20.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 28.º, 34.º e 37.º) visaram, de forma clara e sem exceção, conferir ou aprofundar direitos aos arrendatários.

  2. Uma parte destas alterações, como se extrai desde logo e de forma muito evidente da análise dos arts. 28.º e 34.º, consistiu precisamente em retirar aos senhorios os meios de autotutela que lhes permitiam alcançar os fins visados com a propositura da ação de despejo.

  3. Subjacente a esta alteração terá estado, tanto quanto é possível perceber, o entendimento de que os direitos processuais dos arrendatários encontrarão uma maior proteção no âmbito do processo judicial do que no âmbito do processo administrativo.

    Veja-se: D) Começando pelo art. 17.º, tenha-se desde logo presente que o n.º 3 é e sempre foi inequívoco ao estabelecer que “Compete aos tribunais administrativos conhecer das matérias relativas à invalidade ou cessação dos contratos de arrendamento apoiado” (sublinhado nosso); Por outro lado, observando atentamente o n.º 1 do art. 17.º, constata-se que, com a alteração promovida pela Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto, a aplicação do Código Civil aos contratos de arrendamento apoiado deixou de ser meramente subsidiária.

  4. Passando ao art. 25.º, veja-se que a Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto, veio introduzir a referência expressa aos arts. 1083.º e 1084.º do Código Civil no contexto das causas de resolução do contrato de arrendamento, que não existia anteriormente. Com esta alteração no n.º 1 do art. 25.º, deu-se cobertura legal expressa à resolução do contrato pelo senhorio com fundamento no não pagamento de rendas ou pela mora do arrendatário, ao abrigo do art. 1083.º, n.ºs 3 e 4, do Código Civil.

  5. Ao mesmo tempo, a Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto, veio também revogar o n.º 3 do art. 25.º, que previa que “Na comunicação referida no número anterior, o senhorio deve fixar o prazo, no mínimo de 60 dias, para a desocupação e entrega voluntária da habitação, não caducando o seu direito à resolução do contrato ainda que o arrendatário ponha fim à causa que a fundamentou”.

  6. Com a revogação do n.º 3 do art. 25.º (conjuntamente com a revogação dos n.ºs 7 e 8 do art. 34.º, de que falaremos adiante), foi esvaziada de qualquer efeito prático a comunicação prevista no n.º 2 do art. 25.º.

  7. E isto porque, por um lado, o senhorio deixa de fixar naquela comunicação qualquer prazo para a desocupação e, por outro, mais importante até, aquela comunicação deixa de ser apta a pôr termo à caducidade do direito à resolução.

  8. Se por via do art. 17.º, n.º 2, da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, o Código Civil é diretamente aplicável a este tipo de contratos, os senhorios estão necessariamente sujeitos à caducidade do direito à resolução prevista no art. 1085.º do Código Civil (cujos prazos se caracterizam, especialmente no seu n.º 2, pela exiguidade).

  9. Pois bem, à luz do art. 331.º, n.º 1, do Código Civil, “só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo” (sublinhado nosso).

  10. Acontece que com a revogação do art. 25.º, n.º 3, deixou de existir a norma que atribuía àquela comunicação do art. 25.º, n.º 2, o efeito impeditivo da caducidade, o que deixa os senhorios com uma única saída: o recurso à via judicial.

  11. Por outro lado, a respeito do art. 28.º, onde anteriormente se dizia que “cabe a essa entidade ordenar e mandar executar o despejo, podendo, para o efeito, requisitar as autoridades policiais competentes”, consta agora que “cabe a essas entidades levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei” (sublinhado nosso). Ao retirar a possibilidade de “ordenar e mandar executar o despejo” e remeter para “os procedimentos subsequentes, nos termos da lei”, o legislador está a remeter os senhorios para o cumprimento do disposto no Código Civil e nas leis de processo, o que aliás se coaduna na perfeição com as já mencionadas alterações operadas no art. 17.º, n.º 1, e no art. 25.º, n.º 1.

  12. Mas há mais: no âmbito da alteração ao n.º 1 do art. 28.º, foi também suprimida a possibilidade de os senhorios requisitarem as autoridades policiais competentes para o despejo coercivo dos imóveis.

  13. Observando as implicações e as dificuldades de ordem prática inerentes a qualquer ação de despejo, muitas vezes aqui exponenciadas pelo contexto muito específico do património habitacional em causa, sempre seria impensável para qualquer das entidades enumeradas no art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, a realização de qualquer despejo sem o apoio das autoridades policiais. Daí esta possibilidade ter constado da primeira versão do n.º 1 do art. 28.º.

  14. Também aqui só se vislumbra um motivo, racional e objetivo, para o legislador ter suprimido esta possibilidade de requisição das autoridades policiais: o legislador optou por afastar o despejo administrativo, enveredando pelo despejo pela via judicial (onde, diga-se de passagem, a possibilidade de recurso às autoridades policiais já está expressamente prevista nos arts. 757º e 861º do CPC).

  15. Acresce que o art. 28º, n.º 4, da Lei nº 81/2014, de 19 de dezembro, que estabelecia que “quando o senhorio for uma entidade diversa das referidas no n.º 1 do artigo 2.º, o despejo é efetuado através da ação ou do procedimento especial de despejo previstos no NRAU, e na respetiva regulamentação” foi objeto de revogação. Donde, verifica-se que depois de num primeiro momento ter traçado de forma expressa uma diferença entre a tramitação do despejo por parte das entidades enumeradas no art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro (entidades de direito público), e a tramitação do despejo por parte de entidades diversas daquelas (entidades de direito privado), o legislador veio abolir essa mesma diferença.

  16. A abolição dessa diferença de tramitação conduz obrigatoriamente a que, quer se tratem entidades enumeradas no art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, quer se tratem de entidades diversas daquelas, passam todas a estar sujeitas ao mesmo regime. Não se cogitando minimamente em que termos poderia uma entidade de direito privado instruir e dar seguimento a um despejo administrativo, também por aqui não se vislumbra outra alternativa que não seja concluir que a opção legislativa consagra o primado do despejo por via judicial no âmbito do regime do arrendamento apoiado.

  17. Por fim, relativamente ao art.º 34.º, há que realçar a revogação dos n.ºs 7 e 8 por parte da Lei n.º 32/2016 de 24 de agosto, que deixou os senhorios, de forma absolutamente notória, sem qualquer fundamento legal para ordenar e para operacionalizar um despejo administrativo: a) com a revogação do n.º 7 do art. 34.º, foi pura e simplesmente retirada aos senhorios a possibilidade de poder obter título bastante para proceder ao despejo administrativo, b) e com a revogação do n.º 8 do...

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