Acórdão nº 1999/19.9T8VIS.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelANTÓNIO MAGALHÃES
Data da Resolução16 de Novembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça: * The Fladgate Partnership-Vinhos, S.A, intentou acção contra AA pedindo, no essencial, que seja declarado e reconhecido que a Autora tem o direito de adquirir um determinado prédio rústico (Quinta de ...) por acessão industrial imobiliária, mediante o pagamento à ré de obras e plantio que a Autora executou até Junho de 2001; em caso de procedência a acção, pede que o direito às benfeitorias que foi reconhecido à Autora noutra acção, em que era Ré, seja declarado extinto, por confusão; e que a Ré seja condenada a entregar os frutos naturais e /ou civis que vier a receber naquele imóvel.

Alegou, em síntese, que, por escritura pública de compra e venda adquiriu o prédio rústico denominado “Quinta de ...”, sita em ..., e que, imediatamente, após a compra, entrou na sua posse, aí tendo executado vultuosas obras, plantações e melhoramentos que se prolongaram até 2004.

Sucede que a ora R. instaurou contra ela, A. (e contra outros RR.) a acção nº 111/2001, na qual arguiu a nulidade ou anulabilidade da compra e venda suprarreferida. A aqui A. deduziu nessa acção contestação, pugnando pela improcedência da acção e, subsidiariamente, para a hipótese de procedência, deduziu reconvenção pela qual solicitou a condenação da aí A. (R. nestes autos) a ressarci-la de todas as benfeitorias executadas na Quinta de ....

Tal acção foi julgada procedente, tendo sido declarada a nulidade da escritura pela qual a aqui A. adquirira a Quinta de ..., com a consequente condenação na sua entrega imediata. A reconvenção foi julgada parcialmente procedente e a aí A./reconvinda condenada a pagar à R/reconvinte o valor de determinadas benfeitorias.

Acontece que a A. tem agora interesse em adquirir esse prédio por acessão industrial imobiliária, considerando estarem reunidos os pressupostos para o efeito. Pelo que entende que, no caso de procedência da presente acção, deve ser julgado extinto por confusão o direito indemnizatório que lhe foi fixado por força das benfeitorias que executou na referida Quinta de ....

Na contestação, foi suscitada pela R. a excepção peremptória de extinção/paralisação do direito de que se arroga a A., considerando, para o efeito, que, a pretensão de adquirir por acessão industrial a propriedade da Quinta de ... com base em obras, sementeiras ou plantações aí realizadas, se extinguiu quando na acção nº 111/2011, que correu termos no Tribunal Judicial de ..., requereu a condenação da R. (ali A.) no pagamento do respetivo custo. Por essa via, a autora abdicou quer do direito de propriedade das coisas incorporadas na referida quinta, quer do direito da sua aquisição por acessão industrial. Assim, não pode a autora na presente acção invocando essas mesmas benfeitorias, pretender agora adquirir o prédio por acessão industrial imobiliária, devendo entender-se que ao mesmo renunciou tacitamente, sob pena de abuso no exercício de tal direito. Sem prescindir, alegou, ainda, a R., a excepção dilatória de autoridade de caso julgado, ou de caso julgado, dado que na referida acção nº 111/2011, a A. foi condenada a entregar-lhe, de imediato, a Quinta de ..., assim como a entregar-lhe todos os frutos naturais ou civis que tivesse percebido a partir da sua citação até à entrega efetiva. Já a R. foi condenada a pagar à A. o valor das benfeitorias aí apuradas. Ora, como a A., na reconvenção que ali deduziu contra a R., não deduziu um pedido de aquisição da Quinta de ... por acessão industrial imobiliária, podendo fazê-lo, não pode agora questionar o direito de propriedade e as obrigações de restituição que ali foram reconhecidas, com base numa realidade que já se verificava no decurso daquela ação e que poderia ter sido invocada. Assim, por extensão do caso julgado, considerou precludida a faculdade de aquisição pela A. da Quinta de ..., por acessão industrial imobiliária.

No despacho saneador, a Sr.ª Juiz, atendendo a que na acção nº 111/2001 foi declarado ser a aqui ré proprietária da Quinta de ... por força da invalidade do título de aquisição da autora, que foi condenada a entregar a referida quinta, tendo-lhe sido reconhecido um direito indemnizatório a título de benfeitorias que realizara no prédio, considerou que se devia concluir que o efeito útil visado com a presente acção corresponderia à neutralização de tudo quanto ali foi decidido. Efectivamente, se a autora, afinal, pode adquirir o prédio por acessão industrial imobiliária porque os melhoramentos que realizou na Quinta de ... não se reconduzem a benfeitorias como declarado na decisão proferida na ação nº 111/2001, já transitada em julgado, mas a obras/plantações que incrementam o valor do prédio, então com base numa situação de facto já existente na pendência daquela ação e que aí foi discutida, ficará sem efeito tal decisão, o que sucede à margem do mecanismo dos recursos que constituem o meio legal próprio para o efeito. E assim, teve por certo que a autoridade de caso julgado, na sua vertente positiva, impede a renovação da discussão dos direitos constituídos na esfera jurídica da aqui autora por força das obras, plantações e sementeiras que efetuou na Quinta de ... que, na realidade, deveria ter submetido as questões ora suscitadas a apreciação jurisdicional.

por via da reconvenção que deduziu na ação 111/2001. Não o tendo feito, viu precludida a hipótese da sua apreciação, aqui seguindo a tese de Teixeira de Sousa segundo a qual quando o réu reconvinte pretende obter em seu benefício o mesmo efeito que o autor se propõe obter “a reconvenção não é uma mera faculdade, mas antes um verdadeiro ónus, dado que esse pedido não poderá ser formulado fora do processo que se encontra pendente”. E que: “Como o reconhecimento da propriedade obtida na primeira ação não pode ser contrariado por factos precludidos, a segunda ação não pode deixar de ser improcedente (Preclusão e “contrário contraditório”, Cadernos de Direito Privado, nº 41, págs 27 e 28). Assim, concluiu, não tendo a autora invocado na acção nº 111/2001 a aquisição do direito de propriedade sobre a Quinta de ... por acessão industrial imobiliária, por efeito da autoridade de caso julgado produzida pela respetiva decisão já transitada em julgado, mostra-se precludida a hipótese de apreciação de tal questão em processo autónomo. E assim, considerando procedente a excepção de caso julgado, na sua vertente positiva – autoridade de caso julgado - tendo por referência a sentença proferida na acção nº 111/2001, julgou improcedente por não provada a presente acção instaurada pela autora e absolveu do pedido a ré.

Inconformada, a A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, no âmbito do qua foi proferido acórdão, que julgou a apelação improcedente e confirmou a sentença.

No acórdão recorrido, a Relação de Coimbra entendeu que, embora se devesse dar ao pedido reconvencional que se restinguiu às benfeitorias o conteúdo de uma renúncia tácita à acessão, a questão perdia autonomia por se entender que o pedido de acessão imobiliária tinha que ser deduzido reconvencionalmente na primitiva acção, sob pena de preclusão da alegação dos factos que o implicassem, conduzindo essa preclusão à improcedência desse pedido. Assim, com apoio em vários autores e também no citado artigo de Miguel Teixeira de Sousa, concluiu que a autora na acção nº 111/2001 tinha o ónus de incluir na reconvenção, que nesses autos formulou, o pedido de acessão que deduziu na presente acção, visto que tal pedido se baseia exclusivamente em factos que se verificaram antes do encerramento da discussão em 1ª instância nessa acção, que só ocorreu em 2013, já que, se esta acção fosse julgada procedente, estar-se-ia a anular a anterior sentença. E que, como o evidencia Teixeira de Sousa no artigo citado, o direito de propriedade só pode pertencer ao autor ou ao réu, de tal modo que, «se o réu quer obter não só a improcedência da acção, mas também o reconhecimento para si do direito de que o autor alega ser titular, então tem o ónus de deduzir o respectivo pedido reconvencional», implicando a não dedução da reconvenção nestas circunstâncias a preclusão do correspondente pedido em qualquer acção posterior. E assim considerou verificada a autoridade do caso julgado, formulando, a final, as seguintes conclusões sintéticas: “I – Nas situações reconvencionais a que se reporta a al d) do art 266º CPC – quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter- o réu está obrigado a reconvir, sob pena de resultarem precludidos os factos constitutivos da situação alternativa à do autor. II – Nessas situações, a reconvenção não é uma mera faculdade, mas um verdadeiro ónus, dado que esse pedido não poderá ser formulado fora desse processo. III – Se o for, improcederá a pretensão do autor, por efeito da autoridade do caso julgado, na medida em que a aceitação do efeito jurídico que o autor na primeira acção se propunha, implica necessariamente a exclusão da alternativa a esse efeito jurídico na acção subsequente.” Como resulta do explanado, o acórdão da Relação confirmou, portanto, o despacho saneador, sem fundamentação essencialmente diferente, concluindo pela existência da autoridade do caso julgado formado pela sentença proferida na acção nº 111/2001 e, consequentemente, pela absolvição da Ré do pedido.

E, por isso, a autora veio interpor recurso de revista excepcional, com fundamento no art. 672º, nº 1, al. a) do CPC, apresentando, para o efeito, as seguintes conclusões:

  1. No caso sub judice, a interposição do recurso de revista excepcional justifica-se, sem quaisquer margens de dúvidas, por estarem em causa questões cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, são essenciais para uma melhor aplicação do direito.

    b) São de destacar as repercussões jurídicas do entendimento, sufragado no Acórdão recorrido, de uma “transmutação” da faculdade de reconvir, tal como decorre do artigo 266.º do CPC, em ónus de reconvir.

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