Acórdão nº 7506/18.3T8GMR.G1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelCATARINA SERRA
Data da Resolução16 de Novembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Reclamante: Humberto Salgado - Imobiliária, Lda.

I.

Notificada do despacho proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que não admitiu o recurso de revista (normal) por si interposto, e não se conformando com o mesmo, vem agora a ré / recorrente Humberto Salgado - Imobiliária, Lda.

, ao abrigo do artigo 643.º do CPC, reclamar para este Supremo Tribunal.

Conclui a reclamação com as seguintes conclusões: “1.º Inconformada com o provimento parcial do recurso interposto pela Ré, para o Tribunal da Relação de Guimarães, a Reclamante interpôs recurso para esse Supremo Tribunal.

  1. Por despacho do Sr. Relator, Juiz Desembargador do TRG, de 22/04/2023, não foi admitido o recurso de revista (normal) com o fundamento de se verificar a dupla conforme.

  2. Inconformada, a Ré vem reclamar para o Supremo Tribunal de Justiça, alegando que o recurso de revista deve ser admitido, nos termos do artigo 671.º, n.º 3, dado que não se trata de dupla conforme, mas sim de duas decisões globalmente diferentes.

  3. Estando em confronto duas posições, como pressuposto negativo de admissibilidade do recurso, quanto à dupla conforme, a posição que defende a dupla conforme plena e irrestrita e a posição que defende a teoria da dupla conforme mitigada ou racional que dividem a jurisprudência, o despacho ora impugnado alavancou-se na teoria da dupla conforme mitigada, fundamentando-se nos AUJ n.º 1/2020, de 27/11/2019 e n.º 7/2022, de 20/09/2022.

  4. Sucede que, na opinião da Reclamante, o despacho de inadmissibilidade do recurso, seguindo a posição da dupla conforme mitigada, na vertente da conformidade de decisões excedeu o preceito legal do artigo 671.º, n.º 3 do CPC, dado que não está em causa, nem a existência de voto vencido, nem a existência de fundamentação essencialmente, mas apenas uma desconformidade decisória, nas apreciações sucessivas da mesma questão, que não são globalmente coincidentes, à qual não deve ser aplicada os AUJ citados uma vez que , exprimem realidades e segmentos decisórios que diferem da questão sub judicie.

  5. Independentemente das posições assumidas ou seguidas, no rigor do caso concreto, não há conformidade decisória, sendo que a interpretação, dada pelo despacho às disposições do artigo 671.º, n.º 3 do CPC, quanto à inadmissibilidade do recurso de revista (normal) é violadora do direito à igualdade de armas, por permitir que, havendo duas partes vencidas, apenas uma delas possa interpor recurso, em violação do princípio da igualdade das partes e da garantia um processo equitativo, consagrada no n.º 4 do artigo 20.º da CRP.

  6. Nesta conformidade, o despacho em apreço viola o princípio da igualdade e da equidade, ex vi de uma interpretação extensiva das regras gerais que conduzem a tratamento desigual de partes vencidas, in casu a Ré, ora reclamante, quanto ao acesso ao terceiro grau de jurisdição que por razões interpretativas lhe é negado.

  7. Considerando, por um lado que os AUJ que serviram de fundamentação ao despacho, do qual aqui se reclama, não gozam de força vinculativa, a não ser no âmbito do processo em que são proferidos, sem prejuízo do seu valor persuasivo e moderador, e que não se infere a sua abrangência para o caso em análise, no sentido de não admitir o recurso como se uma conformidade formal se tratasse; considerando, por outro lado, que o objeto do processo é uno e indivisível, para efeitos de recurso, e que os segmentos decisórios decorrentes do pedido e ínsitos na decisão são “elementos instrumentais” ou parcelares da decisão final, sendo que, em bom rigor, não deveriam ser considerados autónomos para efeitos de admissibilidade de recurso, não há, em concreto, uma conformidade de decisões.

  8. O despacho impugnado coarta o terceiro grau de jurisdição à apelante, partindo de posições doutrinais e jurisprudenciais que não se subsumem no caso sub judicie, dado que apesar de, em sede de recurso, ter obtido uma decisão favorável, continuou parte vencida, mais vencida que a apelada, a quem foi admitido o recurso, violando o princípio da legalidade, e desconsiderando o requisito de admissibilidade previsto no n.º 1 do artigo 629.º.

  9. A decisão singular manifesta-se desajustada com a realidade jurídica do caso concreto, tanto no que se refere à reformatio in melius como à cindibilidade dos segmentos decisórios, para efeitos da aplicação da teoria da dupla conforme mitigada, sendo suscetível de gerar ambiguidade e decisões surpresa.

  10. Tanto a cindibilidade dos segmentos decisórios como a reformatio in melius, ambos subjacentes à teoria da dupla conforme mitigada, ou racional, aqui seguida pelo despacho de inadmissibilidade do recurso, aplicadas ao caso em apreço, têm o resultado negativo de considerar despiciendas as questões suscitadas no recurso relativas às nulidades invocadas.

  11. A decisão de inadmissibilidade do recurso, como resultado de considerar uma conformidade decisória entre a decisão da 1.ª Instância e o acórdão da Relação, para preencher o terceiro requisito da dupla conforme, ao considerar os segmentos decisórios autónomos, abstém-se de conhecer a questão essencial do dissídio e do objeto do recurso, por via de uma decisão singular, numa questão jurídica que, apesar dos AJU, emanados desse Venerando Tribunal, ainda não se afigura uniformizada, nem por via das alterações legislativas, nem na jurisprudência.

  12. In extremis, há que reiterar que o douto despacho, na interpretação dada às disposições do artigo 671.º, n.º 3 do CPC, quanto à dupla conforme, é violador do princípio da legalidade e da igualdade no que se refere à delimitação do conceito de conformidade decisória de duas decisões diferentes para efeitos de determinação do requisito negativo de admissão de recurso de revista (normal)”.

    II.

    Os autores / recorridos (e também recorrentes) AA e Outros responderam à reclamação.

    Alegam, no essencial, que é manifesto que se verifica uma situação de dupla conforme e que, tendo a reclamante configurado o seu recurso como de revista (normal), nos termos do disposto no artigo 671.º, n.º 1, do CPC, sem ter feito qualquer referência às situações de revista excepcional constantes do artigo 672.º do citado diploma legal, o recurso é inadmissível, devendo, portanto, ser mantido o despacho de não admissão.

    III.

    Apreciando a reclamação, proferiu a presente Relatora um despacho indeferindo a presente reclamação e mantendo o despacho reclamado.

    1. Humberto Salgado - Imobiliária, Lda.

    , vem agora reclamar para a Conferência desta decisão, formulando as seguintes conclusões: “1.º O objeto da presente reclamação consiste em impugnar a decisão de inadmissibilidade do recurso de revista (normal), interposto pela ré/recorrente, ora reclamante, para esse STJ.

  13. O referido recurso de revista interposto pela recorrente/reclamante não foi admitido, ao abrigo do disposto no artigo 671.º, n.º 3 do CPC, com fundamento de que se verifica uma situação de dupla conforme, por o acórdão recorrido ser mais favorável às pretensões da recorrente, e dada a cindibilidade dos segmentos decisórios, ser confirmatório da sentença proferida na 1ª instância, por unanimidade, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente.” 3.º Não se conformando com o teor da decisão singular que considerou inadmissível o recurso, a recorrente veio reclamar para o Supremo Tribunal de Justiça, alegando que o recurso de revista deve ser admitido, nos termos do artigo 671.º, n.º 3, dado que não se trata de dupla conforme, mas sim de duas decisões globalmente diferentes.

  14. Face à decisão de indeferimento da suprarreferida reclamação que manteve o despacho reclamado, na esteira da teoria da dupla conforme mitigada ou racional, no âmbito do AUJ de 20/09/2022, proc. 545/13.2TBLSD.P1.S1-A, desse STJ e ao abrigo do artigo 671.º. n.º 3 do CPC, a recorrente, ora reclamante, vem impugnar a decisão, quanto à cindibilidade dos elementos decisórios e quanto ao pressuposto de a apelante ter retirado benefício em relação 1.ª decisão, (reformatio in mellius), daí decorrendo a inadmissibilidade do recurso, por se considerar a sobreposição caracterizadora da conformidade decisória,.

  15. Neste contexto, remetendo para as conclusões da referida reclamação, a reclamante reitera a sua discordância em relação à decisão impugnada, desde logo pela exiguidade da sua fundamentação.

  16. A decisão ora impugnada decorre de uma interpretação da lei cuja linha orientadora jurisprudencial é suscetível de criar situações de complexidade que, in extremis, podem vedar o acesso ao terceiro grau de jurisdição, gerando, inclusive, decisões decorrentes de arbitrariedade do julgador.

  17. Neste ensejo, não visando extrapolar os argumentos já aduzidos por se revelar desnecessário ou despiciendo, vimos, todavia, reiterá-los numa tentativa que o thema...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT