Acórdão nº 2232/20.6T8CSC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelJORGE ARCANJO
Data da Resolução16 de Novembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - RELATÓRIO 1.1.- O Autor -AA -instaurou acção declarativa de condenação, com forma de processo comum, contra os Réus - BB, CC e DD Alegou, em síntese: O Autor, em 16.9.2019 comprou aos Réu. um bem indiviso sem determinação de parte ou direito, pelo preço de 750.000,00 correspondente ao apartamento sito no 2º andar Bloco C, fração “S” do Condomínio na Rua... 131 ....

Enquanto decorriam as negociações e sendo intenção do A. realizar obras no apartamento, o 1º R. disponibilizou ao A., a pedido deste, uma planta do “denominado duplex”, bem como um quadro que enumerava as divisões de que o apartamento se compunha e respetivas áreas, tendo o R., posteriormente, emendado a área da cozinha de 24,06 m2 para 14,80 m2 pelo que a área coberta do apartamento, no entender do 1º R, se situava nos 220m2.

Em Janeiro de 2020, e quando a obra já decorria, é o A. surpreendido com a revelação feita pela condómina EE que a área que o A julgava ser parte integrante da fração que adquiriu, pertencia, na realidade ao condomínio e ainda para mais sem utilização licenciada.

Abordado pelo A. nesse sentido, o 1º. R confirmou o que lhe havia sido transmitido, enviando-lhe cópia do Acórdão da Relação de Lisboa que condenava os RR. BB e mulher a desocuparem aquele espaço comum e a restituí-lo ao condomínio, o que estes não cumpriram continuando a afetar a si essa área, tendo feito crer ao A. que a referida área integrava o andar objeto dos autos.

Com as obras de remodelação em curso, a 4 de Maio de 2020 e em resultado de denúncia, funcionários da Câmara Municipal de ... fizeram uma inspeção à obra, onde detetaram diversas irregularidades, designadamente o “aumento de 83,6 m2 de área de construção, criando-se um 3º piso ou sótão” (piso superior) e “aumento de 31,7 m2 de área de construção, aumentando-se a superfície de pavimento do piso 2” (parte comum já referida), tendo notificado o A. do embargo da obra até à apresentação de novo projeto de licenciamento e subsequente aprovação da operação urbanística e informado o A. que o índice de construção previsto no alvará de loteamento para o condomínio de que faz parte a fração adquirida estava esgotado pelo que a área constante do piso superior e a referida parte comum, não estavam nem podiam ser licenciadas para nenhum tipo de uso.

O A. viu a área constante dos elementos fornecidos pelo 1º. R. reduzir-se em mais de 50% e passar o apartamento de T6 a T2 com as consequentes desvalorização e inadequação para casa de morada de família.

Se o A. tivesse sabido da verdadeira área da fração, tê-la-ia adquirido embora por preço inferior.

Invoca a venda de coisa alheia quanto à parte comum pertencente ao condomínio e que o 1º. R. alienou como sua e o cumprimento defeituoso da prestação quanto ao piso superior, como previsto no art.º 913 CC, defendendo a redução proporcional do preço, sem prejuízo da indemnização relativa a danos emergentes prevista nos art.º 898.º e 899.º CC a que tem direito, por estar obrigado a repor a legalidade urbanística sem o que não poderá obter o levantamento do embargo em vigor, concluir a obra e vir a utilizar o imóvel para o fim que vier a ser possível.

Em realação ao cumprimento defeituoso da prestação do 1.º R quanto ao piso superior, o apartamento que o A. adquiriu sofre de vício que o desvaloriza, pois o seu valor de mercado resulta manifestamente reduzido dada a significativa menor área que efetivamente pode ser utilizada, menos 83,6 m2 e impede a realização do fim a que estava destinado, na medida em que resulta prejudicado o aproveitamento da área não utilizável do piso superior e os quartos independentes para os filhos do A. e uma casa de banho, assistindo-lhe o direito à redução proporcional do preço conforme o disposto no art.º 911 CC ,aplicável por força do art.º 913, bem como a ser indemnizado pelos custos com as correções daquelas desconformidades nos termos dos art.ºs 908.º e 909.º do CC.

Concluiu pela nulidade parcial do contrato de compra e venda quanto à área pertencente ao condomínio, tendo direito a haver dos RR. quantia nunca inferior a € 107.000,00 a título de redução proporcional do preço, devendo ainda os RR. ser condenados ao pagamento da quantia que vier a ser determinada a título de redução proporcional do preço, nunca inferior a € 285.000,00 respeitante à venda de coisa defeituosa, tudo acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

O Autor e a sua família sofreram danos não patrimoniais, que estimam em montante não inferior a € 30.000,00.

Pediu cumulativamente: - A declaração de nulidade parcial do contrato de compra e venda quanto à área pertencente ao condomínio e condenando os RR a restituírem ao A. quantia nunca inferior a €107.000,00, a título de redução proporcional do preço, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento; - A condenação dos Réus no pagamento da quantia que vier a ser determinada a título de redução proporcional do preço, nunca inferior a € 285.000,00 respeitante à venda de coisa defeituosa, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento; - A condenação dos Réus no pagamento de quantia nunca inferior a 30.000€ a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

1.2.- Os Réus contestaram, defendendo-se, em síntese: Invocaram a caducidade do direito do Autor. nos termos do art.º 916 CC, que obriga o comprador a denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa, excepto se ele tiver usado de dolo, do que os Réus não são acusados, sendo que o Autor conhecia o estado do imóvel, pelo que, havendo defeitos os mesmos eram do seu conhecimento e não foram denunciados no prazo de um ano após a celebração da escritura, já que o Autor só fez na presente acção.

Da planta que o 1º R. enviou ao A. consta claramente que o imóvel vendido é um T2, a área da fração autónoma e a área comum que estava a ser aproveitada pelo Réu.

O construtor do imóvel introduziu uma mezzanine que incluía um quarto e uma casa-de-banho, tendo tal sido prática comum em toda a urbanização, o que só valorizou as frações, aumentando a sua área útil, mas tal resulta de um mero aproveitamento da área da fração e não da inclusão de qualquer área pertencente ao condomínio.

O Réu informou o Autor que o construtor não tinha procedido à legalização dessas alterações junto da Câmara Municipal.

O litígio que o Réu teve com o condomínio nada teve a ver com a mezzanine, respeitando antes a um terraço ou varanda existente na fachada do prédio com acesso exclusivamente pela fracção do Réu.

As varandas e terraços nas coberturas eram semelhantes em todos os blocos, consistindo num terraço com pequena piscina redonda e respetivo equipamento de filtragem, tendo os quartos com varandas exclusivas a que só pelos apartamentos se tem acesso. No bloco onde se situa a fração vendida, estas varandas dos quartos são cobertas, evitando ou pelo menos minimizando riscos de infiltrações para os andares de baixo.

É verdade que o Réu foi condenado a restituir ao condomínio a parte ocupada, mas não foi condenado a demolir as obras que fez.

Em virtude da decisão do Tribunal, o Réu BB e a sua mulher reconheceram perante os demais condóminos a qualificação da varanda/terraço como parte comum, tendo disso informado sempre o A. o qual ficou ciente e sempre considerou essa questão irrelevante.

Os restantes condóminos sempre consideraram que o Réu continuaria com o uso daquele espaço, que embora tenha sido considerada como área comum pertencente ao condomínio, sempre teve acesso único e exclusivo por parte da fração propriedade do Réu.

O A. sempre soube de todas as características da fração e o problema foi o mesmo ter iniciado obras que representaram uma verdadeira destruição da fracção autónoma em questão e mesmo do próprio imóvel, o que levou a que um dos condóminos apresentasse queixa.

Relativamente às alterações existentes na fração, os serviços da Câmara confirmaram que “a partir da comparação das telas finais com o estado actual do imóvel, constatou-se existirem fortes indícios que parte das irregularidades urbanísticas detetadas terem sido executadas aquando da construção do edifício” e por esse motivo propôs ao Autor, em 25 Junho de 2020, apenas a legalização da operação urbanística em questão. Pelo contrário, em relação às obras abusiva e ilegalmente feitas pelo Autor na fracção, a Câmara de ...determinou o seu embargo pelo período de dois anos, tendo inclusivamente mandado a EDP e as Águas de ... interromperem o fornecimento de água e eletricidade às obras, face à abusiva tentativa do A. em as realizar ilegalmente.

O Autor só tem que se queixar de si próprio, uma vez que foi a sua tentativa de realizar obras ilegais, ao arrepio de todas as regras urbanísticas, que provocou a reação dos condóminos e da Câmara Municipal de ... e não as alterações que foram feitas aquando da construção do prédio, não existindo qualquer cumprimento defeituoso da prestação para efeitos do art.913 CC, uma vez que os Réus não asseguraram na escritura nenhuma qualidade da fração, incluindo a sua área, diferente da que legalmente possui, não sendo a fração inidónea ao seu fim, pelo que não houve, nem nunca poderia haver qualquer erro do Autor ou desconhecimento da existência de áreas inferiores, uma vez que a situação do imóvel sempre lhe foi comunicada e a área do mesmo é efetivamente a que consta da escritura e da documentação oficial, não havendo fundamento legal para a pretendida redução do preço.

Impugnaram os danos não patrimoniais e requereram a condenação do Autor como litigante de má-fé.

1.3.- O Autor respondeu às excepções.

1.4.- Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, reduzindo em € 276.125,00 o preço pago pelo Autor pelo imóvel e condenando os Réus a restituir ao Autor tal quantia, acrescida de juros de mora a contar...

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