Acórdão nº 00482/19.7BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 03 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução03 de Novembro de 2023
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos: * * I – RELATÓRIO 1. ASSOCIAÇÃO DE DEFESA AMBIENTAL ..., Autora nos presentes autos de AÇÃO ADMINISTRATIVA em que são Réus o MINISTÉRIO DO AMBIENTE E DA TRANSIÇÃO ENERGÉTICA e a [SCom01...], S.A., vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que julgou verificada a exceção dilatória de ilegitimidade ativa, e, em consequência, absolveu os Réus, aqui Recorridos, da instância.

  1. Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) 8.1. A lei de que se socorreu o Tribunal a quo para decidir pela ilegitimidade da Autora não impõe como condição de legitimidade a alegação de lesão atual, como parece entender o Tribunal a quo, mas sim a defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos -- n° 2 do artigo 9° - ou a expressa inclusão “nas suas atribuições ou nos seus objetivos estatutários da defesa dos interesses em causa no tipo de ação de que se trate” - alínea c) do artigo 3.° da Lei 83/95, de 31 de agosto - Lei da Participação e Procedimental e Ação Popular (LPPAP).

    8.2. Interpretou e aplicou erradamente a própria lei de que se socorreu para decretar a ilegitimidade da Autora.

    8.3. A jurisprudência em que se estriba o Tribunal a quo para fundamentar a sua decisão não encontra apoio nem na Jurisprudência do STA, nem na doutrina, vivendo em profunda solidão jurisprudencial e doutrinal.

    8.4 Nesta ação sindica-se efetivamente a validade do contrato, por se entender que da sua execução poderão resultar sérios danos para o ambiente, interesse difuso para cuja defesa estatutariamente compete à Autora defender, sendo esta, em síntese, a configuração dela feita pela Autora.

    8.5. O Tribunal a quo desconsidera completamente essa configuração e pressupõe que a Autora configura a ação exclusivamente com base em lesões já causadas ao ambiente, pelo que, por entender que a Autora não alegou factos caracterizadores dessa lesão.

    8.6.

    O Tribunal a quo devia olhar para a concreta configuração da ação feita pela Autora - quod est in actis - para aferir a sua legitimidade com base no critério do interesse em agir, consagrado pelo CPTA.

    8.7. O Tribunal a quo na sua sentença, ora recorrida, não atribui qualquer relevância à invalidade do contrato e à relação deste com a defesa do meio ambiente, centrando-se exclusivamente na questão da lesão atual do meio ambiente.

    8.8.

    O Tribunal a quo, pese embora as várias notícias sobre manifestações, os eventuais danos ao ambiente que poderão resultar da exploração do lítio feita com base no contrato aqui referido, bem como os debates e entrevistas televisivos e radiofónicos sobre esse mesmo tema, erradamente entende não é facto notório o justo e sério receio de essa exploração nos termos e nas condições contratualmente estabelecidas poder vir a causar danos ambientais.

    8.9. O Tribunal a quo, para a aferição da legitimidade, para além de não ter dado importância ao facto de também a lesão poder ser futura, postergou o critério legalmente consagrado pelo CPTA, o do interesse em agir', para fazer essa aferição com base no clássico critério civilista da titularidade (pessoal e direita) do direito e interesse objeto da relação material controvertida, vertido na norma do artigo 30.° do Cód. Proc. Civil.

    8.10.

    O Tribunal a quo, ao fundamentar a sua decisão de ilegitimidade na inexistência de alegação de concreta lesão ou dano para o ambiente, aplicou erradamente, o critério civilista acima referido quando decidiu aferir a legitimidade não com base na titularidade do direito ou interesse e da relação jurídica, mas sim na falta de alegação de lesão sofrida.

    8.11. O Tribunal a quo desrespeitou a norma dos artigos 1.° e 35.° do CPTA que atribui às normas do CPC um estatuto de normas de aplicação subsidiária e também as normas do CPTA que elegem como critério de aferição da legitimidade o interesse em agir, o que o levou a interpretar e aplicar erradamente a lei quando julgou a legitimidade.

    8.12. O Tribunal a quo não teve em conta que, com a reforma do CPTA em 2015, o artigo 77°-A alíneas g) e h), reconheceu também com base no critério interesse em agir, legitimidade às pessoas coletivas para arguir a validade e a execução de contratos administrativos que causem ou possam causar com a sua execução danos aos interesses por elas protegidos ou que defendem.

    8.13. No contencioso dos contratos públicos é reconhecida legitimidade para a defesa da legalidade objetiva, independentemente das atribuições que esses entes devam prosseguir, o que amplia os requisitos necessários para a atribuição e o reconhecimento da legitimidade consagrados na norma da al. b) do artigo 3.° da Lei 83/95 de 31 de agosto.

    8.14. Em sede de direito processual administrativo e do processo impugnatório, pese embora a lei processual administrativa remeta para a lei processual civil a regulação de várias matérias jurídico processuais administrativas, o ponto é que confere natureza subsidiária à lei processual civil, ressalvando assim e sempre as situações por ela própria disciplinada — cfr. os artigos 1.° e 35.° do CPTA, 8.15. Integram óbvia e necessariamente essa ressalva todo o artigo 9.° do CPTA e no caso dos autos mais diretamente o seu n.° 2, e também com os artigos 55.°, 68.°, 73.°, 77° e 77°-A, quando neles inclui pessoas e entidades mencionadas naquele n° 2 do artigo 9.°, ou, até mesmo, pessoas coletiva relativamente a interesses que lhes cumpra defender - al. g) -, o que significa que no processo administrativo a lei confere legitimidade para a causa a titulares de interesses - e não da relação jurídica controvertida, mesmo que não sejam pessoais e diretos.

    8.16. O artigo 77°-A, que trata exatamente da legitimidade nas ações relativas à validade e execução de contratos, na sua alínea g) confere legitimidade a todas as pessoas coletivas para impugnar a validade e a execução de contratos sempre que da sua execução cause ou possa causar danos aos interesses por elas defendidos,, e na sua alínea h) inclui as entidades indicadas no n° 2 do acima citado artigo 9.B.

    8.17. Com base nessa disposição legal, as pessoas coletivas passam a estar habilitadas a defender a legalidade de contratos administrativos, legitimidade objetiva essa que lhes é conferida por lei e com base no critério de interesse em agir e não na titularidade da relação jurídica controvertida.

    8.18. O artigo 77°-A, alíneas g) e h), atribuiu às pessoas singulares e coletivas legitimidade para a defesa da legalidade objetiva nas ações relativas à validade e execução de contratos, ampliando assim as os requisitos de reconhecimento e atribuição de legitimidade consagradas na Lei 83/95, de 31 de agosto, e pondo fim, pelo menos, em sede da contratação pública — validade e execução dos contratos —, à doutrina e à jurisprudência que defendem essa inclusão expressa nas atribuições da pessoa coletiva como condição de reconhecimento da sua legitimidade.

    8.19.

    O critério da titularidade direta e pessoal que informa a disposição do artigo 30.° do CPC e que foi utilizado pelo Tribunal a quo não só é manifestamente insuficiente para responder à questão da legitimidade que a tutela dos interesses difuso coloca nas ações administrativas impugnatórias ou condenatórias, como por força das disposições dos artigos 1.° e 35.° do CPTA não deve ser o adotado para esse efeito.

    8.20.

    O Tribunal a quo também fundamenta a sua decisão, ora recorrida, no facto de nesta ação estar em causa “a defesa da legalidade objetiva e já não a defesa do interesse difuso da proteção do ambiente” fundamento esse que não pode ser acolhido, por na base da tutela do interesse difuso estar sempre a “reivindicação” do respeito pela legalidade objetiva, que se entende estar a ser violada, legalidade objetiva essa que dá sentido e efeito útil às ações impugnatórias e condenatórias.

    8.21.

    A defesa dessa legalidade pode ser constituída em interesse difuso, sem prejuízo de ser objeto do pedido nas ações em que se discute a defesa de outros interesses difusos, como se alegou acima em 6.2.

    8.22. A citada norma do artigo 77°-A vem confirmar a tese segundo a qual na ação popular a legitimidade não é - nem deve ser - aferida pela titularidade da relação material controvertida, como acontece no processo civil, mas sim pelo interesse em agir que as entidades indicadas na Constituição e na lei têm nessa relação apesar de nela não figurarem como titular de direitos ou de interesses.

    8.23. Essa norma do CPTA (revisão de 2015 ) veio a alargar para o domínio da ações relativas a contrato (a qualquer contrato) público o critério da aferição da legitimidade, centrando-o no interesse em agir, independentemente de se ser titular ou não da relação jurídica material, e atribuindo ipso facto a legitimidade para a defesa da legalidade a todos os sujeitos - pessoas coletivas ou singulares - que, não sendo titulares da relação contratual, tenham interesse objetivo em defender a legalidade da validade e da execução do contrato.

    8.24. Quer se considere que na ação não foram alegados factos caracterizadores de lesão aos direitos e interesses invocados pela Autora como entende o Tribunal a quo, quer se considere que na ação também se discute a validade e a execução do contrato administrativo nela referenciado e sua relação com o sério e justo receito de lesão efetiva do ambiente que poderá resultar da sua validade e execução, como defende a Autor, aplicou erradamente o critério civilista por si adotado e desconsiderou com violação da lei o critério eleito pelo CPTA, o do interesse em agir, para a aferição da legitimidade nessa ação - artigos 9.° n.° 2 e 77°-A, n.° 1 al. g) d h).

    8.25. Em qualquer dos casos, o Tribunal a quo interpretou e aplicou erradamente a lei, violando as disposições acima indicadas do CPTA.(…)”.

    *3. Notificados que foram para o efeito, os Recorridos não produziram...

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