Acórdão nº 01033/22.1BELRA de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelADRIANO CUNHA
Data da Resolução09 de Novembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1. “A..., Lda.” intentou, contra o “MUNICÍPIO DE LEIRIA”, indicando como Contrainteressada ”B..., Lda.”, ação de contencioso pré-contratual, na qual formulou os seguintes pedidos (cfr. p.i. a fls. 4 e segs. SITAF): «A. DECLARAR-SE A NULIDADE OU ANULAR-SE O ATO DE ADJUDICAÇÃO DE 29/09/2022 A FAVOR DA PROPOSTA DA CONTRAINTERESSADA, DA AUTORIA DO SR. PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DO RÉU; EM CONSEQUÊNCIA B. CONDENAR-SE O RÉU A RECONHECER O DIREITO DA AUTORA À ADJUDICAÇÃO DA SUA PROPOSTA, BEM COMO À CELEBRAÇÃO DO CONTRATO DOS AUTOS COM A MESMA.

  1. MAIS SE REQUER QUE O RÉU VENHA AOS AUTOS TRAZER NOTÍCIA SOBRE A EVENTUAL CELEBRAÇÃO DO CONTRATO COM A CONTRAINTERESSADA, TENDO EM VISTA A AMPLIAÇÃO DO PEDIDO À RESPETIVA IMPUGNAÇÃO NOS TERMOS DO ARTIGO 63.º E 102.º N.º 4 DO CPTA».

  1. Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria (TAF/Leiria) de 31/1/2023 (cfr. fls. 1517 e segs. SITAF) foi a ação julgada totalmente improcedente.

  2. Inconformada com esta sentença, a Autora interpôs recurso de apelação para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), o qual, por Acórdão de 7/6/2023 (cfr. fls. 1654 e segs. SITAF), negando provimento ao recurso, confirmou a decisão de 1ª instância então recorrida.

  3. Mantendo-se inconformada com este julgamento do TCAS, veio a Autora “A...” interpor o presente recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 1709 e segs. SITAF): «A.

    Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido pelo tribunal recorrido, que, em grave erro de julgamento quanto aos pressupostos de facto e de direito, analisando de forma manifestamente incorreta o regime jurídico em causa nos presentes autos, embora reconhecendo a violação na proposta da Contrainteressada do disposto no 68.º, n.º 4 do CCP e sendo esta uma formalidade ad substantiam, que impõe a exclusão da proposta ao abrigo do disposto no n.º 146.º, n.º 2, alínea l) do CCP, entende degradar tal formalidade incumprida em não essencial e inoperante do efeito anulatório decorrente da causa invalidante, assim julgando improcedente a ação.

    B.

    Ao assim decidir, e com o devido e muito respeito, o douto tribunal a quo fê-lo sem que nos autos existissem factos provados que permitissem assegurar os objetivos e finalidades determinantes da exigência legal de assinatura da própria proposta, isto é, a assinatura em momento anterior ao do seu carregamento.

    C.

    Equiparando, sem qualquer esteio, a situação dos autos àquela subjacente ao Acórdão em que para assim decidir em erro se fundamentou, proferido por este Venerando Supremo Tribunal Administrativo em 06.12.2018, tirado do processo n.º 278/17.0BECTB.

    D.

    E fê-lo igualmente sem atender à evolução legislativa da matéria, quer a que decorre dos trabalhos preparatórios da alteração do CCP operada pela Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, por confronto com a Proposta do Conselho de Ministros, de 16.06.2020, que propunha sobre tal vexata quaestio uma concreta alteração ao artigo 57.º do CCP, introduzindo nele um novo n.º 6.

    E.

    Quer mesmo a que decorre da nova redação do artigo 72.º, n.º 3, alínea c) do CCP, introduzida pelo Decreto-Lei nº 78/2022, de 7 de novembro.

    F.

    Fazendo, ademais, uma generalização (por transformação da exceção na regra) da teoria da degradação das formalidades essenciais em não essenciais, subvertendo as normas legais que clara e expressamente regem sobre as assinaturas eletrónicas das propostas, violando os princípios da legalidade, concorrência, da igualdade de tratamento e da proteção de confiança.

    G.

    O Acórdão em recurso acaba por se fundamentar, essencialmente, no entendimento deste Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão de 06.12.2018, proferido no processo n.º 0278/17, generalizando um regime excecional e seguindo o mesmíssimo raciocínio que foi seguido pelo tribunal de primeira instância em sede de sentença.

    H.

    Acontece que, nesse Acórdão do STA, existia matéria de facto para alicerçar um tal entendimento, ao contrário do que sucede no caso dos autos, atenta a matéria que foi fixada em H) e K).

    I.

    É forçoso concluir que não resulta provado nos autos que exista qualquer correspondência entre os ficheiros constantes da proposta e do PA e os ficheiros submetidos na plataforma, pois tal correspondência não foi demonstrada, nem ficou comprovada nos autos.

    J.

    O douto tribunal recorrido erigiu a regra geral, para todas as faltas de aposição de assinaturas eletrónicas qualificadas em documentos de propostas em momento anterior à sua submissão, algo que no próprio Acórdão do STA em que se fundamenta, é uma solução excecional, uma válvula de escape.

    K.

    Não resulta então, dos factos provados, que os documentos da proposta da Contrainteressada efetivamente correspondam aos documentos ou ficheiros submetidos na plataforma.

    L.

    Ademais, ao contrário do que sucede nesse Acórdão “fundamento”, também nada se diz ou se apurou quanto a saber se os documentos da proposta da Contrainteressada, foram ou não encriptados, garantindo assim a sua insusceptibilidade de modificação ou adulteração.

    M.

    O douto tribunal recorrido não efetuou nenhum juízo intenso e seguro, nem testou as finalidades da assinatura eletrónica qualificada, de modo a assegurar que, não obstante a violação do regime legal, estavam cumpridas as funções identificadoras, confirmadora e de inalterabilidade.

    N.

    Destarte, dúvidas não podem restar que a Contrainteressada apresentou proposta, da qual constam documentos em formato PDF, sendo que deles não consta a assinatura eletrónica qualificada, sendo certo que a Lei exige a aposição de assinaturas quando o concorrente prepara ou elabora a sua proposta e em momento prévio ao do carregamento dos documentos na plataforma eletrónica, utilizada no concurso, formalidade essa essencial – porque garante diversos princípios, fiabilidade e segurança – a que a Contrainteressada não deu cumprimento.

    O.

    A falta de assinatura eletrónica qualificada nos documentos indicados na proposta da Contrainteressada, não observando o disposto nos artigos 54.º e 68.º, n.º4 da Lei n.º 96/2015, configura a preterição de uma formalidade essencial, determinante da sua exclusão do procedimento, com fundamento na alínea l) do n.º 2 do artigo 146.º, conjugado com o artigo 62.º, n.º4 do CCP.

    P.

    O douto tribunal recorrido violou o artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99 (entretanto revogado e substituído pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 12/2021, de 9 de fevereiro), a alínea l, do n.º 2 do artigo 146.º, o artigo 57.º e o artigo 62.º, todos do CCP, os artigos 54.º e 68.º da Lei n.º 96/2015, e o artigo 8.º, 9.º, n.º 4 e 17.º do Programa do Concurso.

    Q.

    A questão em apreciação nos presentes autos tem sido objeto de acesa controvérsia e debate no seio da jurisprudência e doutrina.

    R.

    Tal controvérsia, em matéria em que a Lei até é clara e bem expressa, cria uma indesejável opacidade e discricionariedade na decisão administrativa de admitir ou não admitir propostas que, no limite, viola os princípios estruturantes da contratação pública, entre eles o da transparência, imparcialidade, igualdade de tratamento e não discriminação.

    S.

    E que pode levar ao indesejável favorecimento de propostas e concorrentes para a verificação de fenómenos ilícitos associados a alguns procedimentos de contratação pública.

    T.

    Neste contexto, o legislador procurou solucionar o mencionado problema.

    U.

    Assim, na Proposta de Lei n.º 41/XIV/1.ª, aprovada pelo Conselho de Ministros em 16.06.2020, e submetida à Assembleia da República, foi proposto o aditamento de um novo n.º 6 do artigo 57.º do CCP, nos termos do qual “quando a proposta ou quaisquer documentos que a constituam devam ser apresentados com aposição de assinatura eletrónica qualificada, nos termos do disposto no artigo 54.º da Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto, pode a falta de tal assinatura ser suprida, no prazo máximo de quarenta e oito horas a contar da notificação do júri, através de instrumento de ratificação limitado à proposta e documentos já submetidos e desde que o ratificante tenha plenos poderes de representação para o efeito.” V.

    Acontece que, tal proposta de Lei viria a ser aprovada, apenas em parte, na Assembleia da República, pela Lei nº 30/2021, de 21 de maio, que aprovou as medidas especiais de contratação pública e alterações ao CCP, sem a referida proposta de redação quanto ao n.º 6 do artigo 57.º, que não obteve o merecimento do parlamento.

    W.

    É, pois, incontornável num juízo sobre a aplicabilidade da teoria da degradação em formalidades não essenciais de formalidades expressa e claramente previstas na Lei, em procedimento burocratizado de contratação pública visando a prossecução dos princípios estruturantes, a vontade do legislador que não seguiu a solução da degradação em formalidade não essencial, por apelo ao disposto no artigo 164.º, n.º 5, alínea b) do CPA.

    X.

    Ao invés, o legislador propunha um regime diferente, que não branqueava a ausência de assinatura eletrónica em violação do disposto no artigo 54.º e 68.º da Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto, mas que previa a possibilidade de, no prazo máximo de 48 horas, de suprimento através de instrumento de ratificação.

    Y.

    O legislador, que optou expressa e claramente por não propor, nem consagrar na Lei n.º 30/2021, quanto à violação do disposto nos artigos 54.º e 68.º da Lei n.º 96/2015, a teoria da degradação em formalidades não essenciais ou em meras irregularidades, viria a optar por solucionar a questão de modo bem diferente do decidido no Acórdão em recurso, desta feita na alteração ao artigo 72.º, n.º3, alínea c) do CCP, operada pelo Decreto-Lei n.º 78/2022, de 7 de novembro. No preâmbulo do referido diploma afirma-se que tais alterações ao CCP têm o intuito de clarificar e/ou atualizar o regime jurídico.

    Z.

    O legislador expressa e inequivocamente afastou a violação do regime de assinatura eletrónica da...

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