Acórdão nº 46/21.5T8ABT-G.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO
Data da Resolução26 de Outubro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam no Tribunal da Relação de Évora I – As Partes e o Litígio Recorrente / Interessada: AA Recorrido / Cabeça-de-Casal: BB A Interessada AA requereu a instauração de inventário para partilha de bens na sequência do divórcio do casal. Apresentou relação de bens móveis comuns a partilhar, de bem imóvel e mencionou o passivo decorrente de empréstimo bancário contraído para aquisição da casa de morada de família.

O Cabeça-de-casal apresentou relação de bens. Dela consta, designadamente, sob a forma de Passivo: - verbas relativas a saldos de crédito bancários: - verba n.º 1: saldo de crédito imobiliário contraído para aquisição da casa de morada de família, com início em 07/08/2018; - verba n.º 2: saldo de crédito Multifinalidades, com início em 07/08/2018; - verba n.º 3: saldo de crédito Multifinalidades, com início em 05/04/2019; - verba n.º 4: saldo do crédito automóvel; - dívidas da Interessada ao Cabeça-de-casal a título de compensação de valores por ele exclusivamente pagos mensalmente e que são da responsabilidade de ambos, a saber: - verba n.º 5: saldo da compensação devida relativa à verba n.º 1; - verba n.º 6: saldo da compensação devida relativa à verba n.º 2; - verba n.º 7: saldo da compensação devida relativa à verba n.º 3; - verba n.º 8: saldo da compensação devida relativa à verba n.º 4; - verba n.º 9: saldo da compensação devida decorrente do pagamento de IMI; - verba n.º 10: saldo da compensação devida decorrente do IUC; - verba n.º 11: saldo da compensação devida decorrente do pagamento de seguros de vida inerentes aos créditos bancários; - verba n.º 12: saldo da compensação devida decorrente do pagamento de prémio de seguro a A..., SA.

A Interessada apresentou reclamação invocando, designadamente, o seguinte: - nada dever ao Cabeça-de-casal pois, quando muito, existirá um crédito do Cabeça-de-casal contra o património comum ou um crédito a reclamar em de prestação de contas; - ser de aditar a verba correspondente ao montante mensal de €350 desde março de 2022 a título de dívida do Cabeça-de-casal ao património comum, o que corresponde ao valor locativo da casa de morada de família que o Cabeça-de-casal vem ocupando; - assim não se entendendo, deve o Cabeça-de-casal à Interessada metade desse valor; - ser de aditar a verba de €5 000 a título de dívida do património comum à Interessada correspondendo à quantia doada pela mãe da Interessada e que foi empregue na construção de garagem edificada no prédio descrito na verba n.º 25 do ativo; - assim não se entendendo, deve o Cabeça-de-casal à Interessada aquele valor.

A Interessada requereu a condenação do Cabeça-de-casal por litigância de má-fé a pagar-lhe a quantia não inferior a 20 UC, invocando que ao reclamar o pagamento de metade das prestações que vem suportando com o pagamento do crédito bancário contraído para a aquisição da casa de morada de família vai contra o que foi acordado e decidido no processo: que a casa de morada de família lhe ficaria atribuída até à realização da partilha, declarando ele assumir a obrigação de pagamento daquelas prestações.

Em resposta, o Cabeça-de-casal fez constar o seguinte: - não aceita aditar qualquer valor a relação de bens como dívida sua ao património comum do casal; - não aceita que acresça qualquer montante mensal por se encontrar a habitar a casa de morada de família; - o imóvel constante da verba n.º 25 é propriedade de ambos, cabeça de casal e Interessada, pelo que o valor do empréstimo hipotecário que recai sobre o mesmo é igualmente da responsabilidade de ambos; - não aceita aditar a relação de bens com um crédito de €5.000,00 a recair sobre si, nem sobre o património comum do ex-casal.

II – O Objeto do Recurso Foi proferido despacho saneador no âmbito do qual foi decidido, designadamente, o seguinte: «D) Manter, na relação de bens, na parte do passivo, as verbas n.ºs 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12 (…); E) Indeferir a reclamação apresentada contra a relação de bens, na parte em que a interessada AA pediu um valor locativo mensal referente à ocupação, por parte do cabeça-de-casal, da casa de morada de família, desde o divórcio, até à partilha.

  1. Indeferir a reclamação apresentada contra a relação de bens, na parte em que a interessada AA pediu uma compensação em relação à quantia de € 5.000,00, que lhe foi doada por sua mãe.

  2. Indeferir os pedidos de retirada do apoio judiciário, ao cabeça-de-casal e de condenação do mesmo, como litigante de má fé, formulados pela interessada AA.» Relativamente às verbas do passivo, foi determinado o seguinte: «que, em sede de conferência de interessados, seja indicado o montante total com que o cabeça-de-casal pagou, com dinheiro próprio, os empréstimos bancários contraídos para a aquisição da casa de morada de família e do veículo automóvel e todos os demais empréstimos que consubstanciam despesas comuns do casal, incluindo o IMI e o pagamento de seguros, que são despesas comuns do casal, sendo que todas elas o cabeça-de-casal se encontra a pagar em exclusivo e sendo que, no mapa da partilha, será abatido ao valor do património comum, o valor pago, às instituições bancárias e a todas as demais entidades, exclusivamente com bens próprios do cabeça-de-casal, ficando o mesmo credor do património comum.» Inconformada, a Interessada apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida.

As conclusões da alegação do recurso são as seguintes: «1. O Tribunal a quo, salvo erro e o devido respeito, cometeu erro de atividade, porquanto fez errada interpretação e aplicação das normas processuais. Bem como cometeu erro de julgamento, porquanto fez errada interpretação e aplicação das normas de direito substantivo.

  1. Lavrou o Tribunal a quo ao ter decidido que: “D) Manter, na relação de bens, na parte do passivo, as verbas nºs 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12, com o entendimento supra exposto quanto ao seu pagamento.” 3. Dando-se como reproduzidas as verbas nº 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12 do Passivo, que a interessada, ora reclamante reclamou pedindo a sua eliminação.

  2. Pois, aquando da tentativa de conciliação do divorcio sem consentimento, para divorcio por mútuo consentimento, foi acordado algo diverso entre as partes.

  3. Assim, e conforme consta da sentença recorrida: “Na ata da tentativa de conciliação do divórcio sem consentimento, para divórcio por mútuo consentimento, diligência realizada no dia 1/3/2021, no âmbito do processo de divórcio nº 46/21.5T8ABT do Juízo de Família e Menores ... do Tribunal Judicial da Comarca de ..., consta que os interessados acordaram o seguinte: «A casa de morada de família fica atribuída ao cônjuge marido até à partilha, declarando este assumir a obrigação do pagamento das prestações do empréstimo bancário para aquisição da mesma, até à partilha ». (o sublinhado é nosso) 6. Sendo tal acordo, objeto de despacho transitado em julgado, que homologou o mesmo, no que toca ao destino da casa de morada de família.

  4. Acordo, esse, nos termos da Lei necessário para a conversão do divórcio para mútuo consentimento.

  5. Tal decisão transitou em julgado, fazendo caso julgado, vinculando quer as partes quer o Tribunal a quo.

  6. Por outro lado, e em todo o caso, a ora recorrente não deve tais montantes ao cabeça de casal. A existir tal divida, a mesma será um crédito que o cabeça de casal terá sobre o património comum do casal. E assim, deveria ter sido relacionado pelo cabeça de casal, o que não aconteceu.

  7. Ou, no máximo, seria um crédito a reclamar em sede de prestação de contas.

  8. Tal como foi alegado pela interessada! 12. Sucede que, o Tribunal a quo, ao contrario da sentença que proferiu e homologou tal acordo entre as partes, violando a autoridade do caso julgado, e a própria sentença que proferiu, decidiu manter tal passivo.

  9. Pois, segundo a sentença, os empréstimos em causa são dívidas comuns do casal, ou dívidas que responsabilizam ambos os cônjuges, e estando o cabeça-de-casal, por estar a pagar exclusivamente as mesmas, com dinheiro próprio, no mapa da partilha, será abatido ao valor do património comum, o valor pago, às instituições bancárias e a todas as demais entidades, exclusivamente com bens próprios do cabeça-de-casal, ficando o mesmo credor do património comum.

  10. Com o devido respeito, em grande confusão lavou o douto despacho de que se recorre.

  11. Assim, como é obvio, os empréstimos em causa, são despesas comuns do casal! 16. Daí, a recorrente não ter impugnado as verbas nº 1, 2, 3, 4 do Passivo.

  12. Sendo, já se vê, a ora recorrente igualmente responsável perante tais credores bancários, pelo pagamento de tais créditos que foram concedidos ao casal.

  13. Porém, outra coisa completamente diferente, é a responsabilidade pelo pagamento desse passivo perante tais credores, do modo como foi assumido pelos devedores, ora cabeça de casal e interessada. Sendo que, tal acordo, inter partes (cabeça de casal e interessada) em nada vincula terceiros (isto é, credores) que não intervieram nesse acordo! 19. E é aqui que reside a confusão do Tribunal a quo! 20. Assim, o cabeça de casal e a interessada, acordaram, o que foi homologado por sentença, transitada em julgado, que: «A casa de morada de família fica atribuída ao cônjuge marido até à partilha, declarando este assumir a obrigação do pagamento das prestações do empréstimo bancário para aquisição da mesma, até à partilha».

  14. Ora, apesar de tal acordo não vincular os credores, e assim não desonerar de tais obrigações, a ora interessada, recorrente. No entanto, tal acordo inter partes, isto é, entre o cabeça de casal e a interessada, vincula os mesmos.

  15. Vinculação, essa, resultante de acordo homologado por sentença, que faz caso julgado. E assim, inclusive, do conhecimento oficioso do Tribunal a quo, que não poderá ir contra uma sua sentença! Sob pena de violação de Caso Julgado! O que se...

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