Acórdão nº 519/21.0GHSTC.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelJOÃO CARROLA
Data da Resolução24 de Outubro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes da 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I.

No processo n.º 519/21.0GHSTC que, em fase de instrução, corre termos no Juízo de Instrução Criminal de Setúbal, Comarca de Setúbal, o assistente AA veio interpor recurso da decisão do Mmo. J.I.C. datada de 02.03.2023 que rejeitou o requerimento de abertura de instrução por si requerida, com os fundamentos constantes das respectivas motivações que aqui se dão por reproduzidas e as seguintes conclusões: “1) O presente recurso é interposto do despacho de 2.3.202324, na parte em que não admitiu o requerimento de abertura de instrução do Assistente AA, por inadmissibilidade legal.

2) O Tribunal a quo considerou que o Assistente “(…) enuncia de forma bastante vaga e inespecificada um acervo factual pelo qual o Ministério Público não deduziu acusação, não sendo possível, pelo relato aí efetuado, perceber qual foi a atuação concreta destes arguidos”, 3) Considerando ainda que “no caso do requerimento de abertura de instrução apresentado nos autos, verifica-se a omissão de imputação de qualquer ilícito aos acusados por falta de menção concretizada e contraditória do elemento objetivo do tipo criminal em análise.” 4) Os presentes autos nasceram da queixa-crime apresentada pelo Assistente, ora Recorrente contra os Arguidos BB, CC e DD pela prática de factos que integram o crime de ofensa à integridade física simples.

5) O Ministério Público acusou Arguido BB pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p.p. artigo 143, n.º 1 do CP e arquivou o processo relativamente aos Arguidos CC e DD25 26, o que motivou a apresentação do requerimento de abertura de instrução pelo ora Recorrente.

6) Contrariamente ao defendido pelo despacho a quo, o Recorrente narrou os factos criminalmente censuráveis, o contexto em que tais factos ocorreram e a intervenção direta dos Arguidos CC e DD nos mesmos e, para tal, apresentou e requereu a correspondente produção de prova, cumprindo cabalmente o disposto nos artigos 287 e 283, n.º 3, al. b) e d) do CPP, bem como a densificação dos elementos típicos – objetivo e subjetivo – do crime em causa.

7) É consabido – e não se contesta – que o requerimento para abertura da instrução, quando apresentado pelo assistente na sequência de um despacho de arquivamento do MP, deve configurar uma verdadeira acusação, estabelecendo e delimitando a atividade do juiz de instrução, nos termos do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 3 artigo 283 do CPP.

27 8) Com efeito, o Recorrente narrou, de forma concreta e especificada, a factualidade relevante e demonstrativa da existência de indícios suficientes da prática pelos Arguidos CC e DD do crime de ofensa à integridade física simples, ancorado nos elementos de prova que compõem os presentes autos.

9) Salvo o devido respeito, só através de uma leitura superficial poderia o Tribunal a quo ter as dúvidas que enunciou no despacho recorrido e que se transcrevem, por facilidade: procurou-se salientar o que de relevante se retira do arrazoado do assistente: que o mesmo foi "agredido", em determinada altura pelos dois arguidos CC e DD, mas o que nunca se sabe é de que maneira o fizeram. Foi enquanto se encontrava de pé? Quando se encontrava no chão? O que fez com que caísse? Estavam os três em cima cio assistente? Quem fez o quê? Como compreender a alusão a (“em cima do Senhor DD, que apenas viu os três a agarrarem no mesmo”). Houve autoria (relativamente a quê)? Comparticipação? Em que ficamos? 10) Em primeiro lugar, cumpre notar que a factualidade descrita quanto ao início da agressão dirigida ao Recorrente é descrita na acusação, (…) o arguido BB desferiu um empurrão no ofendido DD provocando a queda deste no chão, bem como desferiu no ofendido AA murros e pontapés em várias partes do corpo deste, que lhe originaram as lesões descritas, a fls. 29 a 31, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, e lhe determinaram cerca de 7 dias para a cura, sem afetação da capacidade de trabalho geral e profissional.

11) Por outro lado, os artigos 18, 19, 20 e 21 do RAI localizam a ação no tempo e no espaço, iniciando a descrição do tipo objetivo do crime28.

12) O Recorrente descreveu, ainda, a factualidade relativa à atuação dos Arguidos CC e DD na agressão que lhe dirigiram, cfr. artigo 21 do RAI: Após ter virado costas, o Assistente foi empurrado pelo Arguido BB, tendo caído no solo, e começou a ser violentamente agredido por aquele último, pela Arguida CC e pelo Arguido DD, filho de ambos.

13) Por referência ao depoimento da testemunha EE29, o Recorrente referiu no RAI apresentado que os Arguidos CC e DD o agrediram, agarrando-o e colocando-se em cima do Recorrente. “A testemunha EE referiu que “quando regressou à área comum do 3.º andar viu que o senhor DD estava deitado no chão e de barriga para cima, e que em cima do senhor DD estavam o seu casal vizinho e o filho de ambos. Menciona que não viu ninguém a agredir o senhor DD, que apenas viu os três a agarrarem no mesmo”30.

14) Cumpre, porém, sublinhar que na fase indiciária na qual se encontram os presentes autos, a pormenorização dos factos não é exigível ao Assistente que apresenta requerimento de abertura de instrução.

15) É que, em variadíssimos casos, como é o dos autos, não é possível ao Assistente relatar de forma precisa o ocorrido porquanto, em face da posição em que se encontrava – alegada no artigo 21 do RAI e, de acordo com o despacho de acusação -, não foi possível percecionar todos os movimentos que contra si foram desferidos pelos Arguidos.

16) Adicionalmente, o Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal31, concluiu que as lesões identificadas no corpo do Assistente terão resultado de traumatismo de natureza cortocontundente o que é compatível com a informação – artigo 41 do RAI.

17) Acresce que, do relatório de perícia de avaliação do dano corporal resulta, ainda, o relato do Recorrente quanto à agressão, tanto quanto é o seu conhecimento e que, por facilidade, se transcreve: Refere ter sofrido agressão com empurrão seguido de queda, murros e pontapés que terá sido infligida por 3 conhecidos.

18) Cumpre, ainda, realçar que aquando do momento da agressão, o Recorrente encontrava-se numa posição em que lhe era impossível determinar o modo como os três Arguidos o estavam a agredir. Isto porque, 19) O Recorrente aludiu aos depoimentos das testemunhas EE32, GG33 e FF34 que confirmam e descrevem a coparticipação dos Arguidos CC e DD, conjuntamente com o Arguido BB.

20) Todos os factos elencados pelo Assistente demonstram claramente que os Arguidos CC e DD tiveram total intervenção nas agressões perpetradas no corpo do Assistente, agindo com dolo e bem sabendo que tais condutas são censuráveis e puníveis por lei.

21)Concluiu o então Assistente que, por todos os factos expostos, fica por demais claro e evidente que os Arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, ao se posicionarem em cima do Assistente e sobre ele exercer força, impedindo-o de se mover, com o único propósito de molestarem fisicamente o Assistente, atuando de modo adequado a prejudicar o seu bem-estar físico.

22)Quanto ao grau de participação dos Arguidos CC e DD, bastaria o Tribunal a quo atentar no teor dos artigos 21, 25, 35, 36, 41 e 42 do RAI35.

23) Além de todo o exposto, o Recorrente alegou ainda, nos artigos 46, 48 e 49 que os três Arguidos CC, DD e BB o agrediram ao disferir força sobre o seu corpo, impedindo-o de se movimentar.

24) Nos artigos 45 e 46 do RAI36, o Recorrente descreveu, de forma clara, o tipo objetivo do crime de ofensas à integridade física simples.

25)E, ainda, o Recorrente densificou o tipo subjetivo do crime ao descrever a verificação do dolo conforme os artigos 50, 52, 53 e 54 do RAI37.

26) No RAI, o Assistente fez uma descrição fáctica equivalente a uma acusação pública, com indicação precisa dos factos que o mesmo considera estarem indiciados, integradores tanto dos elementos objetivos como dos elementos subjetivos do crime de ofensa à integridade física simples, e constam do requerimento de abertura de instrução todos os elementos necessários, quer os factos quer os fundamentos para que aos Arguidos possa vir a ser aplicada uma pena, dele resultando bem claro o objeto da instrução, não tendo quaisquer dúvidas de que a referida peça processual possui a vertente de acusação exigida por lei.

27) Sem conceder, sempre se deverá atentar no exposto no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21.6.201738, não deve, nem pode, ser rejeitado como foi, por falta de cumprimento daquele ónus, o requerimento de abertura de instrução que aquela assistente apresentou, ainda que tenha descrito a factualidade de forma pouco rigorosa, indicou os factos e o direito de modo a termos por cumprido o ónus imposto na parte final do n.º 2 do art. 287.º do CPP.

28)Face ao exposto, impõe-se, pois, a revogação do despacho recorrido por outro que admita o requerimento de abertura de instrução do Assistente.

24 Referência 96793879.

25 Refere o despacho de arquivamento que “os presentes autos não se afigura reunirem indícios suficientes da autoria por estes desse tipo de ilícito penal, pois não se afigura provável que se acusados viesse a ser proferida condenação em sede de audiência de discussão e julgamento contra os mesmos, nem se afigura existir fundada suspeita quanto a DD.”.

26 Referência n.º 95781737.

27O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 258/04, citado naquelas referidas anotações, julgou não inconstitucional o art. 287.º, n.º 2, conjugado com o art. 283.º, n.º 3, als. b) e c), ambos do CPP, interpretado no sentido de ser exigível, sob pena de rejeição, que constem expressamente do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente os elementos mencionados nessas alíneas. No mesmo sentido, o Acórdão do T.C. 636/11.

28 “18.º No dia 29 de outubro de 2021, na sua residência e enquanto Administrador do Condomínio, o Assistente acompanhou três...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT